Agente pretendia praticar roubo e foi surpreendido após romper o cadeado e destruir a fechadura da porta da casa da vítima. É possível falar em tentativa de roubo?


 

Imagine a seguinte situação
hipotética:

João e Pedro caminhavam nas ruas
de um bairro e decidiram praticar assalto em uma das casas.

Eles arrombaram o cadeado e
destruíram a fechadura da porta da casa, no entanto, quando iam adentrar na
residência, passou uma viatura da Polícia Militar.

Os indivíduos correram quando
perceberam a presença das autoridades de segurança.

Os policiais perseguiram a dupla,
conseguindo prendê-los.

Com eles, foi encontrada uma arma
de fogo de uso permitido. Vale ressaltar, contudo, que não possuíam porte de
arma.

O Ministério Público ofereceu denúncia contra os dois imputando-lhe
a prática do crime de roubo circunstanciado na modalidade tentada (art. 157, §
2º-A, I e II, c/c art. 14, II, do CP):

Art. 157 (…)

§ 2º-A 
A pena aumenta-se de 2/3 (dois terços):

I – se a violência ou ameaça é
exercida com emprego de arma de fogo;

II – se há destruição ou rompimento de
obstáculo mediante o emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo
comum.

 

Art. 14. Diz-se o crime:

(…)

II – tentado, quando, iniciada a
execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente.

 

A questão chegou até o STJ
por força de sucessivos recursos. O STJ concordou com a imputação feita pelo Ministério
Público?

NÃO.

Segundo o art. 14, II, do Código
Penal, o crime é considerado tentado quando, iniciada a execução, não se
consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente.

O texto legal é muito aberto, não
trazendo maior clareza ou precisão a respeito de algo que concretamente possa
indicar quando a execução de um crime é iniciada. Em verdade, definir isso não
é uma tarefa simples, sendo objeto de debates também em outros países.

Diante da abertura legislativa, a
solução para o tema é bastante complexa.

Existem algumas teorias que
buscam definir em que momento se dá a passagem dos atos preparatórios para os
atos executórios.

Veja como o tema é tratado por
Jamil Chaim Alves (Manual de Direito Penal. Salvador: Juspodivm, 2020, p. 370-371):

 

a) Teoria subjetiva

Leva em consideração a vontade
criminosa, o plano interno do autor. Logo, não há distinção entre atos
preparatórios e atos executórias. Uma vez detectada a vontade de praticar a
infração, é possível a punição.

 

b) Teoria da hostilidade ao
bem jurídico

Atos executórios são aqueles que
atacam o bem jurídico, retirando-o do “estado de paz”.

Era defendida por Nelson Hungria.

 

c) Teoria objetivo-formal
ou lógico-formal

Atos executórios são aqueles que
iniciam a realização do núcleo do tipo penal (denomina-se “formal” porque
parâmetro é a lei, ou seja, a prática do verbo nuclear descrito no tipo).

Era defendida por Frederico
Marques.

 

d) Teoria objetivo-material

Atos executórias são aqueles que
iniciam a realização do núcleo do tipo penal e também os imediatamente
anteriores, de acordo com a visão de um terceiro observador.

 

e) Teoria
objetivo-individual

A tentativa começa com a
atividade do autor que, segundo o seu plano concretamente delitivo, se aproxima
da realização.

A origem dessa teoria remonta a
Hans Welzel.

 

Qual é a teoria adotada
pelo STJ?

O STJ tem a tendência de seguir a
corrente objetivo-formal, exigindo início de prática do verbo correspondente ao
núcleo do tipo penal para a configuração da tentativa.

Aplicando essa teoria para o caso
concreto, conclui-se que o rompimento de cadeado e a destruição de fechadura de
portas da casa da vítima, com o intuito de, mediante uso de arma de fogo,
efetuar subtração patrimonial da residência, configuram meros atos preparatórios
que impedem a condenação por tentativa de roubo circunstanciado.

 

Em suma:

Adotando-se a teoria objetivo-formal, o rompimento de
cadeado e destruição de fechadura da porta da casa da vítima, com o intuito de,
mediante uso de arma de fogo, efetuar subtração patrimonial da residência,
configuram meros atos preparatórios que impedem a condenação por tentativa de
roubo circunstanciado.

STJ. 5ª Turma. AREsp 974.254-TO, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em
21/09/2021 (Info 711).

 

 

 

 

 

DOD Plus – revisando um tema correlato

Em que momento se consuma o crime de roubo?

Existem quatro teorias sobre o tema:

 

1ª) Contrectacio: segundo esta teoria, a consumação se dá pelo simples
contato entre o agente e a coisa alheia. Se tocou, já consumou.

 

2ª) Apprehensio (amotio): a consumação ocorre no momento em que a coisa
subtraída passa para o poder do agente, ainda que por breve espaço de tempo,
mesmo que o sujeito seja logo perseguido pela polícia ou pela vítima. Quando se
diz que a coisa passou para o poder do agente, isso significa que houve a
inversão da posse. Por isso, ela é também conhecida como teoria da inversão da
posse. Vale ressaltar que, para esta corrente, o crime se consuma mesmo que o
agente não fique com a posse mansa e pacífica. A coisa é retirada da esfera de
disponibilidade da vítima (inversão da posse), mas não é necessário que saia da
esfera de vigilância da vítima (não se exige que o agente tenha posse
desvigiada do bem).

 

3ª) Ablatio: a consumação ocorre quando a coisa, além de apreendida, é
transportada de um lugar para outro.

 

4ª) Ilatio: a consumação só ocorre quando a coisa é levada ao local
desejado pelo ladrão para tê-la a salvo.

 

Qual foi a teoria adotada pelo STF e STJ?

A teoria da APPREHENSIO (AMOTIO).

Nos países cujos Códigos Penais utilizam expressões como “subtrair” ou
“tomar” para caracterizar o furto e o roubo (Alemanha e Espanha, por exemplo),
predomina, na doutrina e na jurisprudência, a utilização da teoria da
apprehensio (ou amotio). Foi a corrente também adotada no Brasil.

 

Súmula 582-STJ:
Consuma-se o crime de roubo com a inversão da posse do bem mediante emprego de
violência ou grave ameaça, ainda que por breve tempo e em seguida à perseguição
imediata ao agente e recuperação da coisa roubada, sendo prescindível a posse
mansa e pacífica ou desvigiada.

 

Exemplo concreto:

João apontou a arma de fogo para a vítima e disse: “perdeu, passa a
bolsa”. A vítima entregou seus pertences e o assaltante subiu em cima de uma
moto e fugiu. Duas ruas depois, João foi parado em uma blitz da polícia e, como
não conseguiu explicar o motivo de estar com uma bolsa feminina e uma arma de
fogo, acabou confessando a prática do delito. Assim, por ter havido a inversão,
ainda que breve, da posse do bem subtraído, o fato em tela configura roubo
consumado.

 

Este é também o entendimento do STF:

Para a consumação do crime de roubo, basta a inversão da posse da coisa
subtraída, sendo desnecessária que ela se dê de forma mansa e pacífica, como
argumenta a impetrante.

STF. 2ª Turma. HC
100.189/SP, Rel.
Min. Ellen Gracie, DJe
16/4/2010.

Artigo Original em Dizer o Direito

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