Olá amigos do Dizer o Direito,

A Lei nº 13.718/2018 publicada no dia 25/09/2018 trouxe seis
importantes mudanças nos crimes contra a dignidade sexual. Vamos entender o que
mudou.

I – INSERÇÃO DE NOVO CRIME: IMPORTUNAÇÃO
SEXUAL

A Lei nº 13.718/2018 acrescentou um novo delito no art.
215-A do Código Penal, chamado de “importunação sexual”:

Importunação
sexual

Art.
215-A. Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o
objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro:

Pena
– reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o ato não constitui crime mais
grave.

Em que consiste o delito:

– O agente (que pode ser homem ou mulher)

– pratica contra a vítima (que também pode ser homem ou
mulher)

– ato libidinoso

– com o objetivo de satisfazer a própria lascívia

– ou a lascívia de terceiro.

Ato libidinoso

Ato libidinoso é todo ato de cunho sexual capaz de gerar no
sujeito a satisfação de seus desejos sexuais.

Exs: penetração do pênis na vagina (chamada de conjunção
carnal), penetração anal, sexo oral, masturbação, toques íntimos etc.

Lascívia

Lascívia é o prazer sexual, o prazer carnal, a luxúria.

Obs: luxúria não tem nada a ver com luxo, mas sim com sexo.

Exemplo 1:

Dentro de um ônibus, determinado homem faz automasturbação e
ejacula nas costas de uma passageira que está sentada à sua frente.

Esta conduta abominável, lamentavelmente, tem ocorrido com
certa frequência.

O fato não podia ser enquadrado como estupro (art. 213 do
CP), considerando que não houve violência ou grave ameaça:

Art. 213. Constranger alguém, mediante
violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que
com ele se pratique outro ato libidinoso:

Pena – reclusão, de 6 (seis) a 10
(dez) anos.

Também não podia ser classificado como violação sexual mediante
fraude (art. 215 do CP), tendo em vista que o ato libidinoso não foi praticado
com a vítima:

Violação sexual mediante fraude

Art. 215.  Ter conjunção carnal ou praticar outro ato
libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a
livre manifestação de vontade da vítima:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6
(seis) anos.

Diante disso, essa conduta era “punida” como contravenção
penal:

Art. 61. Importunar alguém, em lugar
público ou acessível ao público, de modo ofensivo ao pudor:

Pena – multa, de duzentos mil réis a
dois contos de réis.

Agora, com a Lei nº 13.718/2018, este fato é tipificado como
importunação sexual, delito do art. 215-A do CP.

Vale ressaltar que a Lei nº 13.718/2018 REVOGOU a
contravenção penal do art. 61 do DL 3.688/41.

Exemplo 2:

O art. 215-A do CP também serve para punir a conduta do frotteurismo.

O frotteurismo
consiste em “tocar e esfregar-se em uma pessoa sem seu consentimento. O
comportamento geralmente ocorre em locais com grande concentração de pessoas,
dos quais o indivíduo pode escapar mais facilmente de uma detenção (por ex.,
calçadas movimentadas ou veículos de transporte coletivo). Ele esfrega seus
genitais contra as coxas e nádegas ou acaricia com as mãos a genitália ou os
seios da vítima. Ao fazê-lo, o indivíduo geralmente fantasia um relacionamento
exclusivo e carinhos com a vítima.” (http://www.psiquiatriageral.com.br/
dsm4/sexual4.htm
. Acesso em 29/09/2018).

No frotteurismo não há violência ou grave ameaça, razão pela
qual não se enquadra como estupro (art. 213 do CP), mas sim o delito do art.
215-A do CP.

“Se o ato não constitui crime mais grave”

Há uma subsidiariedade expressa no preceito secundário do
art. 215-A do CP. Isso significa que, se a conduta praticada puder se enquadrar
em um delito mais grave, não será o crime do art. 215-A do CP.

Ex: se o agente “praticar contra alguém e sem a sua anuência
ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia”, mas
utilizando-se de violência ou grave ameaça, poderá configurar o crime do art.
213 do CP (mais grave e mais específico).

Bem jurídico protegido

É a liberdade sexual.

Sujeito ativo

Crime comum.

Pode ser praticado por qualquer pessoa (homem ou mulher).

Sujeito passivo

Pode ser praticado contra qualquer pessoa (homem ou mulher).

Assim, o art. 215-A do CP é crime bicomum.

Se a vítima for pessoa menor de 14 anos

Neste caso, a conduta poderá configurar o crime do art.
218-A do CP:

Satisfação de lascívia mediante
presença de criança ou adolescente

Art. 218-A. Praticar, na presença de
alguém menor de 14 (catorze) anos, ou induzi-lo a presenciar, conjunção carnal
ou outro ato libidinoso, a fim de satisfazer lascívia própria ou de outrem:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4
(quatro) anos

A depender de peculiaridades do caso concreto, o fato pode
até mesmo ser enquadrado como estupro de vulnerável. Veja esta situação
analisada pelo STJ (com adaptações):

O homem convenceu uma criança de 10 anos a ir até o motel
com ele.

Chegando lá, o agente pediu que a garota ficasse nua na sua
frente, tendo sido atendido.

O simples fato de ver a menina nua já satisfez o sujeito
que, após alguns minutos olhando a criança, determinou que ela vestisse
novamente as roupas.

Foram, então, embora do local sem que o agente tenha tocado
na garota.

A criança acabou contando o que se passou a seus pais e o
sujeito foi denunciado pelo Ministério Público pela prática de estupro de
vulnerável.

O STJ manteve a imputação:

A conduta de contemplar lascivamente,
sem contato físico, mediante pagamento, menor de 14 anos desnuda em motel pode
permitir a deflagração da ação penal para a apuração do delito de estupro de
vulnerável.

STJ. 5ª Turma. RHC 70.976-MS, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik,
julgado em 2/8/2016 (Info 587).

O sujeito passivo precisa ser uma pessoa específica

Conforme explica com muita propriedade Rogério Sanches:

“O tipo exige que o ato libidinoso seja praticado contra
alguém, ou seja, pressupõe uma pessoa específica a quem deve se dirigir o ato
de autossatisfação. Assim é não só porque o crime está no capítulo relativo à
liberdade sexual, da qual apenas indivíduos podem ser titulares, mas também
porque somente desta forma se evita confusão com o crime de ato obsceno. Com
efeito, responde por importunação sexual quem, por exemplo, se masturba em
frente a alguém porque aquela pessoa lhe desperta um impulso sexual; mas
responde por ato obsceno quem se masturba em uma praça pública sem visar a
alguém específico, apenas para ultrajar ou chocar os frequentadores do local.”
(Lei 13.718/18: Introduz modificações nos crimes contra a dignidade sexual.
Disponível em: http://meusitejuridico.com.br/2018/09/25/lei-13-71818-introduz-modificacoes-nos-crimes-contra-dignidade-sexual/.
Acesso em 02/10/2018).

Elemento subjetivo

O crime é punido a título de dolo.

Exige-se um elemento subjetivo específico (vulgo “dolo
específico”): o agente deve ter praticado a conduta “com o objetivo de
satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro”.

Não admite modalidade culposa.

Importunação sexual x Ato obsceno

Existe um outro crime (ato
obsceno) que, no caso concreto, poderia ser confundido com a importunação
sexual. Vamos comparar os dois crimes:

IMPORTUNAÇÃO SEXUAL

ATO OBSCENO

Art. 215-A. Praticar contra
alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a
própria lascívia ou a de terceiro:

Pena – reclusão, de 1 (um)
a 5 (cinco) anos, se o ato não constitui crime mais grave.

Art. 233. Praticar ato
obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público:

Pena – detenção, de três
meses a um ano, ou multa.

O sujeito passivo é
determinado (uma pessoa determinada ou um grupo de pessoas determinado).

Sujeito passivo é a
coletividade (crime vago).

Exige-se um elemento
subjetivo especial. O agente pratica a conduta “com o objetivo de satisfazer
a própria lascívia ou a de terceiro”.

O elemento subjetivo é o
dolo, não se exigindo do sujeito nenhuma finalidade específica.

A conduta não precisa ter
sido praticada em lugar público, ou aberto ou exposto a público. Ex: pode ser
praticado no interior de uma casa.

Para que o crime se
configure, é indispensável que o ato obsceno tenha sido praticado em lugar
público, ou aberto ou exposto ao público.

Para que o crime se
configure, é indispensável que o ato libidinoso tenha sido praticado contra
alguém que não concordou com isso. A análise da anuência ou não da pessoa
atingida é fundamental.

Não importa se houve ou não
anuência das pessoas que estavam presentes. Se o ato obsceno foi praticado em
lugar público, ou aberto ou exposto ao público, haverá o crime.

Infração de médio potencial
ofensivo.

Infração de menor potencial
ofensivo.

Tentativa

Na teoria, é possível. Isso porque se trata de crime
plurissubsistente.

Crime plurissubsistente é aquele no qual a execução pode ser
fracionada em vários atos.

Ação penal

Trata-se de crime de ação pública INCONDICIONADA.

A partir da Lei nº 13.718/2018, todos os crimes contra a
dignidade sexual são crimes de ação pública incondicionada (art. 225 do CP).

Infração de médio potencial ofensivo

A importunação sexual possui pena de 1 a 5 anos de reclusão.
Logo, classifica-se como infração de médio potencial ofensivo. Isso significa
que é possível a concessão de suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei
nº 9.099/95).

Não se trata de crime hediondo

Dos delitos contra a dignidade sexual, apenas o estupro
(art. 213, caput e §§ 1º e 2º), o estupro de vulnerável (art. 217-A, caput e
§§ 1º, 2º, 3º e 4º) e o favorecimento da prostituição ou de outra forma de
exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável (art. 218-B,
caput, e §§ 1º e 2º) são crimes hediondos.

Revogação do art. 61 da Lei de Contravenções Penais

A Lei nº 13.718/2018, além de
inserir o crime do art. 215-A ao CP, também revogou o art. 61 do DL 3.688/41
(contravenção penal que era chamada de importunação ofensiva ao pudor).
Compare:

IMPORTUNAÇÃO OFENSIVA AO PUDOR

IMPORTUNAÇÃO SEXUAL

Lei de Contravenções Penais (DL 3.688/41)

Art. 61. Importunar alguem,
em lugar público ou acessivel ao público, de modo ofensivo ao pudor:

Pena – multa, de duzentos
mil réis a dois contos de réis.

Código Penal

Art. 215-A. Praticar contra
alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a
própria lascívia ou a de terceiro:

Pena – reclusão, de 1 (um)
a 5 (cinco) anos, se o ato não constitui crime mais grave.

Era uma contravenção penal.

Trata-se de crime.

Revogada pela Lei nº 13.718/2018.

Incluído pela Lei nº 13.718/2018.

Pergunta: houve abolitio
criminis
? Os indivíduos que estavam respondendo ou já haviam sido
condenados por importunação ofensiva ao pudor foram beneficiados com a Lei nº
13.718/2018 e poderão pedir o reconhecimento de abolito criminis?

NÃO. A conduta descrita no art. 61 do DL 3.688/41 passou a
ser prevista no art. 215-A do Código Penal, ainda que com outra redação mais
abrangente.

Desse modo, não houve houve abolitio criminis, mas sim continuidade normativo-típica.

O princípio da continuidade normativa ocorre “quando uma
norma penal é revogada, mas a mesma conduta continua sendo crime no tipo penal
revogador, ou seja, a infração penal continua tipificada em outro dispositivo,
ainda que topologicamente ou normativamente diverso do originário.” (Min.
Gilson Dipp, em voto proferido no HC 204.416/SP).

Logo, para as pessoas que estavam respondendo ou haviam sido
condenadas pelo art. 61 do DL 3.688/41 antes da Lei nº 13.654/2018, nada muda.

Os indivíduos que ejacularam nas vítimas ou que praticaram frotteurismo
antes do dia 25/09/2018 poderão responder pelo crime do art. 215-A do CP?

NÃO. Somente podem responder pelo art. 215-A do CP aqueles
que praticaram a conduta a partir do dia 25/09/2018 (se foi no dia 25/09/2018,
já incide o art. 215-A).

Como a Lei nº 13.718/2018 incluiu uma nova infração penal
(art. 215-A do CP) mais grave que a contravenção penal do art. 61, ela representa
novatio legis in pejus (lei penal
mais grave), não podendo retroagir para alcançar situações pretéritas (art. 5º,
XL, da CF/88).

II – NOVO CRIME: DIVULGAÇÃO
DE CENA DE ESTUPRO OU DE CENA DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL, DE CENA DE SEXO OU DE
PORNOGRAFIA

A Lei nº 13.718/2018 acrescentou um novo delito no art.
218-C do Código Penal:

Divulgação
de cena de estupro ou de cena de estupro de vulnerável, de cena de sexo ou de
pornografia

Art.
218-C. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda,
distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio – inclusive por meio de
comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática -, fotografia,
vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro
de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o
consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia:

Pena
– reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o fato não constitui crime mais
grave.

Em que consiste o crime:

O tipo penal do art. 218-C traz duas situações diferentes
que reputo importante separá-las:

1ª parte

O agente…

– oferece, disponibiliza ou divulga

– de qualquer forma (gratuitamente ou não)

– por qualquer meio (digital ou não)

– pela internet ou fora dela

– fotografia, vídeo ou qualquer registro audiovisual

– que contenha cena de estupro (art. 213 do CP)

– ou cena de estupro de vulnerável envolvendo as pessoas do
§ 1º do art. 217-A

– ou cena que faça apologia (“propaganda”) ou induza a sua
prática.

2ª parte

O agente…

– oferece, disponibiliza ou divulga

– de qualquer forma (gratuitamente ou não)

– por qualquer meio (digital ou não)

– pela internet ou fora dela

– fotografia, vídeo ou qualquer registro audiovisual

– que contenha cena de sexo, nudez ou pornografia

– sem que a(s) pessoa(s) que está(ão) aparecendo na
fotografia ou vídeo tenha(m) autorizado a sua publicação.

Diferença entre a 1ª e a 2ª partes do tipo penal

1ª parte do art. 218-C

2ª parte do art. 218-C

O agente divulga uma
fotografia ou vídeo que contém uma cena de estupro (relação sexual sem
consentimento) ou uma cena que faça apologia ou induza a prática de estupro.

Aqui não tem nada a ver com
estupro.

O agente divulga uma
fotografia ou vídeo que contém uma cena de sexo (consensual), nudez ou
pornografia.

A divulgação é feita sem o
consentimento da pessoa que aparece na fotografia ou vídeo.

Ex: agente divulga na deep web vídeo no qual um homem mantém
relação sexual com uma mulher que, por estar completamente embriagada, não tinha
o necessário discernimento para a prática do ato nem podia oferecer
resistência.

Ex: Isabela e Ricardo são
namorados e costumam filmar alguns atos sexuais que praticam. Isabela termina
o relacionamento e Ricardo, como forma de vingança, divulga os vídeos em um
site pornográfico na internet.

Pessoas que recebem a fotografia ou vídeo cometem o crime?

Imagine que João envia, em um grupo do whatsapp o vídeo de
sua ex-namorada nua como forma de vingança pelo fato de ela ter terminado o
relacionamento. Os demais integrantes do grupo, que receberam a mídia e
salvaram em seus celulares para ficarem olhando depois, praticam o crime?

NÃO. Esta conduta de receber a fotografia/vídeo e salvá-lo não
se amolda em nenhum dos núcleos do tipo que são os seguintes: “oferecer,
trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir,
publicar ou divulgar”.

Vale ressaltar, no entanto, que se um dos membros do grupo
incentivou que o ex-namorado enviasse as fotos/vídeos, ele poderá responder
pelo crime na qualidade de partícipe.

Forma como o agente obteve a fotografia ou vídeo

Para a configuração do art. 218-C do CP não interessa a
forma como o agente obteve a fotografia ou vídeo. Haverá o delito tanto no caso
em que o agente recebeu a mídia da própria vítima (ex: mulher enviou ao seu então
namorado uma fotografia sua despida) como também na hipótese em que o sujeito a
obteve clandestinamente (ex: invadiu o computador da vítima e dali extraiu o vídeo).

Vale ressaltar, no entanto, que se o agente obteve a mídia
invadindo um dispositivo informático e depois repassou as fotografias/vídeos,
neste caso ele responderá por dois delitos em concurso material (art. 154-A e
art. 218-C do CP).

“Se o ato não constitui crime mais grave”

Há uma subsidiariedade expressa no preceito secundário do
art. 218-C do CP. Isso significa que, se a conduta praticada puder se enquadrar
em um delito mais grave, não será o crime do art. 218-C do CP.

Bem jurídico protegido

É a liberdade sexual.

Sujeito ativo

Crime comum.

Pode ser praticado por qualquer pessoa (homem ou mulher).

O agente que divulgou o vídeo não precisa ter sido o mesmo
indivíduo que participou ou filmou o ato. Se for a mesma pessoa, poderá haver
concurso de crimes.

Ex: imagine que o indivíduo praticou o estupro e filmou o
ato. Em seguida, ele divulgou o vídeo na deep
web
. Neste caso, ele terá praticado dois delitos em concurso material:
estupro e o crime do art. 218-C do CP.

Sujeito passivo

A vítima deste crime é a pessoa que aparece na fotografia ou
no vídeo.

O delito pode ser praticado contra qualquer pessoa (homem ou
mulher).

Assim, o art. 218-C do CP é crime bicomum.

Muito cuidado! Se a vítima for pessoa menor de 18 anos, o
delito será o do art. 241 ou o do art. 241-A do ECA:

Art. 241. Vender ou expor à venda
fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou
pornográfica envolvendo criança ou adolescente:

Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8
(oito) anos, e multa.

Art. 241-A. Oferecer, trocar,
disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por qualquer meio,
inclusive por meio de sistema de informática ou telemático, fotografia, vídeo
ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica
envolvendo criança ou adolescente:

Pena – reclusão, de 3 (três) a 6
(seis) anos, e multa.

Diferença entre o art. 218-C do CP e os arts. 241 e 241-A do ECA

• Se a cena de sexo explícito ou pornográfica envolver
criança ou adolescente: a situação se enquadrará nos arts. 241 e 241-A do ECA.

• Se a cena de sexo explícito ou pornográfica envolver
adulto: o crime será o do art. 218-C do CP.

Desse modo, quando o art. 218-C fala em fotografia ou vídeo
que contenha cena “de estupro de vulnerável”, o que ele está se referindo é à
situação prevista no § 1º do art. 217-A do CP:

Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou
praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos:

Pena – reclusão, de 8 (oito) a 15
(quinze) anos.

§ 1º Incorre na mesma pena quem
pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou
deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato,
ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.

Explicando melhor. O estupro de vulnerável consiste na
prática de conjunção carnal ou ato libidinoso contra:

a) menor de 14 anos;

b) pessoa que, por enfermidade ou deficiência mental, não
tem o necessário discernimento para a prática do ato sexual;

c) pessoa que, por qualquer outra causa, não pode oferecer
resistência.

• Se a cena envolve vulnerável que seja criança ou
adolescente, a situação se enquadrará nos arts. 241 e 241-A do ECA.

• Se a cena envolve vulnerável que não seja criança ou
adolescente, o crime será o do art. 218-C do CP.

Elemento subjetivo

O crime é punido a título de dolo.

Não se exige qualquer elemento subjetivo específico.

Não admite modalidade culposa.

Intenção do agente pode servir para majorar o crime

Se a intenção do agente ao praticar o crime era a de se
vingar da vítima ou humilhá-la, haverá um aumento de pena de 1/3 a 2/3 (§ 1º do
art. 218-C do CP).

Tipo
misto alternativo:

Trata-se
de tipo misto alternativo, ou seja, o legislador descreveu várias condutas
(verbos), porém, se o sujeito praticar mais de um verbo, no mesmo contexto
fático e contra o mesmo objeto material, responderá por um único crime, não
havendo concurso de crimes nesse caso.

Consumação

Ocorre no momento em que o agente pratica qualquer dos
verbos ali descritos, ou seja, oferece, troca, disponibiliza, transmite, vende,
expõe à venda, distribui, publica ou divulga.

Trata-se de crime material.

Tentativa

Na teoria, é possível. Isso porque se trata de crime
plurissubsistente.

Crime plurissubsistente é aquele no qual a execução pode ser
fracionada em vários atos.

Ação penal

Trata-se de crime de ação pública INCONDICIONADA.

A partir da Lei nº 13.718/2018, todos os crimes contra a
dignidade sexual são crimes de ação pública incondicionada (art. 225 do CP).

Infração de médio potencial ofensivo

O crime do art. 218-C possui pena de 1 a 5 anos de reclusão.
Logo, classifica-se como infração de médio potencial ofensivo. Isso significa
que é possível a concessão de suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei
nº 9.099/95).

Não se trata de crime hediondo

Dos delitos contra a dignidade sexual, apenas o estupro (art. 213, caput e §§ 1º e 2º), o estupro de vulnerável (art. 217-A, caput e §§ 1º, 2º, 3º e 4º) e o favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável (art. 218-B, caput, e §§ 1º e 2º) são crimes hediondos.
Lei penal mais grave

Somente podem responder pelo art. 218-C do CP aqueles que
praticaram a conduta a partir do dia 25/09/2018 por se tratar de lei penal mais
grave e, portanto, irretroativa.

Aumento
de pena

§
1º A pena é aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se o crime é
praticado por agente que mantém ou tenha mantido relação íntima de afeto com a
vítima ou com o fim de vingança ou humilhação.

“Revenge porn” (pornografia de vingança/revanche)

Esse § 1º pune uma prática que, infelizmente, ocorre com
frequência e que é chamada de “porn reveng”. A “revenge porn” consiste na
conduta do ex-namorado ou ex-marido que, inconformado com o término da relação,
divulga, como forma de punir a sua ex-parceira, fotografias ou imagens nas
quais ela aparece nua ou em cenas de sexo.

Obviamente, a “revenge porn” também pode ser praticada pela
ex-namorada ou ex-esposa contra o seu ex-parceiro, apesar de não ser o mais
comum.

Antes da Lei nº 13.718/2018 não havia um tipo penal
específico que punisse a “revenge porn”, restando à vítima buscar uma
indenização cível.

Duas situações autônomas

Repare que o § 1º acima traz duas causas de aumento de pena.

São situações alternativas, ou seja, basta que ocorra uma ou
outra.

Causas de
aumento de pena do § 1º do art. 218-C do CP

1) Se o agente que praticou
o crime mantém ou tinha mantido relação íntima de afeto com a vítima.

2) Se o agente praticou o
crime com o objetivo de se vingar da vítima ou de humilhá-la.

Esta primeira situação é
objetiva no sentido de que não envolve a intenção do agente. Se o sujeito
mantém ou manteve relação íntima de afeto com a vítima, ele já receberá o
aumento da pena mesmo que não haja provas que revelem qual foi a sua intenção
ao divulgar o vídeo ou a fotografia. Agiu bem o legislador ao prever assim
porque evita uma difícil discussão sobre a intenção do agente.

Ex: ex-namorado que divulga
fotografias eróticas de sua ex-namorada.

Esta segunda situação é
subjetiva, aqui entendida como algo que envolve a intenção do agente.

Na prática, esta segunda
hipótese servirá para punir os casos de sujeitos que não mantinham relação
íntima de afeto com a vítima.

Ex: Pedro trabalha com Lúcia
na mesma empresa. Ambos disputaram uma promoção. Pedro divulga na lista de
e-mail do trabalho fotografias de Lúcia nua como forma de vingança por ter
perdido a promoção para ela.

Exclusão
de ilicitude

§
2º Não há crime quando o agente pratica as condutas descritas no caput deste
artigo em publicação de natureza jornalística, científica, cultural ou
acadêmica com a adoção de recurso que impossibilite a identificação da vítima,
ressalvada sua prévia autorização, caso seja maior de 18 (dezoito) anos.

O § 2º traz duas situações. Não haverá o crime se:

• o agente divulga a fotografia ou o vídeo em publicação de
natureza jornalística, científica, cultural ou acadêmica sem identificar a
vítima;

• o agente divulga a fotografia ou o vídeo em publicação de natureza
jornalística, científica, cultural ou acadêmica identificando a vítima, desde
que ela seja maior de 18 anos e tenha dado autorização para isso.

Em nenhuma hipótese será permitida a identificação da vítima
se ela for menor de 18 anos, sendo nulo seu consentimento ou de seus
representantes legais.

III – ALTERAÇÃO NO
CRIME DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL

Uma outra alteração promovida pela Lei nº 13.718/2018 foi no
crime de estupro de vulnerável.

O
estupro de vulnerável é previsto no art. 217-A ao Código Penal:

Estupro
de vulnerável

Art.
217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14
(catorze) anos:

Pena
– reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.

§
1º Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que,
por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para
a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer
resistência.

§
2º (VETADO)

§
3º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave:

Pena
– reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos.

§
4º Se da conduta resulta morte:

Pena
– reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.

Esse tipo proíbe, portanto,
manter relação sexual (conjunção carnal ou outros atos libidinosos) com pessoa
que é vulnerável. Vale ressaltar que será caracterizado o crime mesmo que não
tenha havido violência ou grave ameaça.

Quem é vulnerável para os fins do art. 217-A
do CP?

1) Pessoa menor de 14 anos;

2) Pessoa que, por apresentar
alguma enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento
para a prática do ato;

3) Pessoa que, por qualquer
causa, não pode oferecer resistência. Ex: em estado de coma.

Toda pessoa com enfermidade ou deficiência
mental será considerada vulnerável, para os fins do art. 217-A do CP?

NÃO. Pela leitura do § 1º do
art. 217-A do CP, pode-se concluir que a pessoa com enfermidade ou deficiência
mental somente será considerada vulnerável para fins de estupro de vulnerável
se ela não tiver “o necessário discernimento para a prática do ato”.

Se o agente praticar conjunção carnal
(penetração vaginal) ou outro ato libidinoso (ex: coito anal) com uma pessoa
vulnerável, haverá o crime do art. 217-A do CP mesmo que a vítima consinta
(concorde) com o ato sexual?

Esse tema foi
exaustivamente discutido no que tange às pessoas menores de 14 anos. Suponhamos,
por exemplo, que Beatriz (13 anos de idade) pratica sexo com Rodolfo (seu
namorado de 18 anos). Neste caso, ele terá cometido o crime de estupro de
vulnerável mesmo que essa relação sexual tenha sido consentida? Imagine que
Rodolfo seja o segundo namorado da moça e que ela já tenha tido relações
sexuais com seu primeiro namorado. Mesmo assim Rodolfo terá praticado o crime?

A resposta é sim.

O STJ apreciou o tema e, a fim de que não houvesse mais dúvidas
quanto a isso, editou um enunciado nos seguintes termos:

Súmula 593-STJ: O crime de estupro de vulnerável se configura com a
conjunção carnal ou prática de ato libidinoso com menor de 14 anos, sendo
irrelevante eventual consentimento da vítima para a prática do ato, sua
experiência sexual anterior ou existência de relacionamento amoroso com o
agente.

O Congresso Nacional decidiu incorporar na legislação esse
entendimento e acrescentou o § 5º ao art. 217-A do CP repetindo, em parte, a
conclusão da súmula

Art. 217-A. (…)

§ 5º As penas previstas no caput e nos
§§ 1º, 3º e 4º deste artigo aplicam-se independentemente do consentimento da
vítima ou do fato de ela ter mantido relações sexuais anteriormente ao crime.
(Inserido pela Lei nº 13.718/2018)

Consentimento e pessoas com deficiência

Se você observar a Súmula
593 do STJ verá que ela tratou apenas de uma das hipóteses de pessoa
vulnerável, qual seja, a pessoa menor de 14 anos.

O novo § 5º, por sua vez, levou
o entendimento exposto na súmula para as outras duas situações de
vulnerabilidade previstas no § 1º do art. 217-A:

• Pessoa que, por
enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a
prática do ato;

• Pessoa que, por qualquer
causa, não pode oferecer resistência.

Deve-se ter muito cuidado
com a aplicação deste § 5º para as pessoas com deficiência. Isso porque em
regra, a pessoa com deficiência possui os mesmos direitos de que dispõe uma
pessoa sem deficiência. Nesse sentido é o art. 4º da Lei nº 13.146/2015
(Estatuto da Pessoa com deficiência):

Art.
4º Toda pessoa com deficiência tem direito à igualdade de oportunidades com as
demais pessoas e não sofrerá nenhuma espécie de discriminação.

Isso significa que, em
regra, a pessoa com deficiência pode fazer livremente suas escolhas diárias bem
como decidir autonomamente sobre os destinos de sua vida, tendo, inclusive,
liberdade sexual, conforme prevê expressamente o art. 6º, II, da Lei nº
13.146/2015:

Art.
6º A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para:

(…)

II
– exercer direitos sexuais e reprodutivos;

Logo, o simples fato de ter
havido sexo consensual com pessoa com deficiência não gera o crime de estupro
de vulnerável. É necessário que a pessoa com deficiência seja vulnerável, ou
seja, que ela não tenha o necessário discernimento para a prática do ato.

Assim, a interpretação do §
5º do art. 217-A, no caso de pessoas com deficiência, deve ser a seguinte: a
pena prevista no § 1º do art. 217-A aplica-se independentemente do
consentimento da vítima ou do fato de ela ter mantido relações sexuais
anteriormente ao crime se a pessoa com deficiência não puder dar um
consentimento válido em virtude de não ter o necessário discernimento para a
prática do ato.

Por outro lado, se a pessoa
com deficiência tiver discernimento para a prática do ato, seu consentimento
será sim válido e irá excluir o crime do art. 217-A do CP, considerando que,
neste caso, a pessoa com deficiência não será vulnerável.

IV – NOVA CAUSA DE
AUMENTO DE PENA PARA OS ESTUPROS COLETIVO E CORRETIVO (ART. 226 DO CP)

O art. 226 do Código Penal traz algumas causas de aumento de
pena para os crimes sexuais.

A Lei nº 13.718/2018 acrescenta uma nova causa de aumento de
pena punindo com mais rigor o estupro “coletivo” e o estupro “corretivo”.

Veja o inciso IV que foi inserido pela Lei nº 13.718/2018:

Art.
226. A pena é aumentada:

I
– de quarta parte, se o crime é cometido com o concurso de 2 (duas) ou mais
pessoas;

II
– de metade, se o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão,
cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por
qualquer outro título tiver autoridade sobre ela;

III
– (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005)

IV – de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois
terços), se o crime é praticado:

Estupro coletivo

a) mediante concurso de 2 (dois) ou
mais agentes;

Estupro corretivo                                                                                             

b) para controlar o comportamento social
ou sexual da vítima.

(Inciso IV inserido pela Lei nº
13.718/2018)

O estupro coletivo (inciso IV, “a”) é cometido necessariamente com o
concurso de 2 pessoas. Como compatibilizá-lo com o inciso I do art. 226? Quando
se aplica um ou o outro?

• Inciso IV, “a”: aplicado apenas para os casos de estupro (arts.
213 e 217-A do CP). Isso porque o nomen iuris da causa de aumento fala em “estupro
coletivo” e “estupro corretivo”.

• Inciso I: aplicado para os casos demais crimes contra a
dignidade sexual.

Em que consiste esse estupro corretivo?

Rogério Sanches explica com maestria o tema:

“Já a majorante do estupro corretivo abrange, em regra,
crimes contra mulheres lésbicas, bissexuais e transexuais, no qual o abusador
quer “corrigir” a orientação sexual ou o gênero da vítima. A violação tem
requintes de crueldade e é motivada por ódio e preconceito, justificando a nova
causa de aumento. A violência é usada como um castigo pela negação da mulher à
masculinidade do homem. Uma espécie doentia de ‘cura’ por meio do ato sexual à
força. A característica desta forma criminosa é a pregação do agressor ao
violentar a vítima.

Os meios de comunicação indicam casos em que os agressores
chegam a incitar a “penetração

corretiva” em grupos das redes sociais e sites na internet
(o que, isoladamente, pode caracterizar o crime do art. 218-C – apologia ou
induzimento à prática do estupro – caso sejam veiculados fotografias ou
registros audiovisuais).” (Lei 13.718/18: Introduz modificações nos crimes contra
a dignidade sexual. Disponível em: http://meusitejuridico.com.br/2018/09/25/lei-13-71818-introduz-modificacoes-nos-crimes-contra-dignidade-sexual/.
Acesso em 02/10/2018).

Infelizmente são cada vez mais comuns esses abomináveis
casos havendo relatos de lésbicas que foram estupradas por homens que diziam agora
você “vai aprender aprender a gostar de homem” ou “agora você vira mulher de
verdade” (https://universa.uol.com.br/noticias/redacao/2017/11/02/vai-virar-mulher-de-verdade-estupro-corretivo-vitimiza-mulheres-lesbicas.htm)

V – NOVAS CAUSAS DE
AUMENTO DE PENA PARA OS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL (ART. 234-A DO CP)

O art. 234-A do Código Penal traz duas causas de aumento de
pena para os crimes contra a dignidade sexual. Tais hipóteses foram alteradas
pela Lei nº 13.718/2018:

                                         

Antes da Lei nº 13.718/2018

Depois da Lei nº 13.718/2018 (atualmente)

Art. 234-A. Nos crimes
previstos neste Título (crimes contra a
dignidade sexual)
a pena é aumentada:

(…)

III – de metade, se do
crime resultar gravidez; e

IV – de um sexto até a
metade, se o agente transmite à vitima doença sexualmente transmissível de
que sabe ou deveria saber ser portador.

Art. 234-A. Nos crimes
previstos neste Título (crimes contra a
dignidade sexual)
a pena é aumentada:

(…)

III – de metade a 2/3 (dois terços), se do crime resulta
gravidez;

IV – de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), se o
agente transmite à vítima doença sexualmente transmissível de que sabe ou
deveria saber ser portador, ou se a vítima é idosa
ou pessoa com deficiência
.

Vítima pessoa com deficiência e estupro de vulnerável

Uma das hipóteses de estupro de vulnerável ocorre quando a conjunção
carnal ou ato libidinoso diverso é praticado com pessoa que, “por enfermidade
ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato”
(art. 217-A, § 1º do CP).

Desse modo, uma das vítimas do estupro de vulnerável é a
pessoa com deficiência que não tenha discernimento.

Em tais casos, penso que não deve ser aplicada essa nova causa
de aumento de pena do art. 234-A, IV, do CP. Isso porque haveria aí um bis in idem considerando que, com outras
palavras, o fato de a vítima ser pessoa com deficiência é uma das elementares
do tipo do art. 217-A, § 1º do CP.

VI – AÇÃO PENAL NOS
CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL

A ação penal nos crimes sexuais deve
ser analisada em três momentos históricos. Acompanhe:

AÇÃO PENAL NOS CRIMES SEXUAIS

Redação originária

do CP

Regra: ação penal privada.

Exceções:

a) se a vítima ou seus pais não tivessem dinheiro para o
processo: ação pública condicionada à representação.

b) se o crime era cometido com abuso do poder familiar, ou
da qualidade de padrasto, tutor ou curador: ação pública incondicionada.

c) se da violência resultasse lesão grave ou morte da
vítima: ação pública incondicionada.

d) se o crime de estupro fosse praticado mediante o
emprego de violência real: ação pública incondicionada.

Redação da

Lei 12.015/09

Regra: ação penal pública condicionada à representação.

Exceções:

a) Vítima menor de 18 anos: incondicionada.

b) Vítima vulnerável: incondicionada.

c) Se foi praticado mediante violência real:
incondicionada (Súm. 608-STF).

d) Se resultou lesão corporal grave ou morte: polêmica, mas
prevalecia que deveria ser aplicado o mesmo raciocínio da Súmula 608-STF.

Redação da

Lei 13.718/18 (quadro atual)

Ação pública incondicionada (sempre).

Todos os crimes contra a dignidade sexual são de ação
pública incondicionada. Não há exceções!

Veja a nova redação do art. 225 do CP:

Art. 225.  Nos crimes definidos nos Capítulos I e II
deste Título, procede-se mediante ação penal pública incondicionada. (Redação
dada pela Lei nº 13.718/2018).

O art. 225 do CP fala apenas nos Capítulos I e II do Título VI. E os
crimes previstos nos demais Capítulos deste Título? Qual será a ação penal
neste caso?

Também será ação pública incondicionada. Isso por força do
art. 100 do CP (Art. 100 – A ação penal é pública, salvo quando a lei expressamente
a declara privativa do ofendido.).

Assim, repito: todos os crimes contra a dignidade sexual são
de ação pública incondicionada.

Súmula
608-STF

Em
1984, o STF editou uma súmula afirmando que, se o estupro fosse praticado
mediante violência real, a ação penal seria pública incondicionada. Confira:

Súmula 608-STF: No crime de estupro,
praticado mediante violência real, a ação penal é pública incondicionada.

Com
a edição da Lei nº 12.015/2009, a maioria da doutrina defendeu a ideia de que
esta súmula teria sido superada. Isso porque, como vimos, com a Lei nº
12.015/2009, a regra geral no estupro passou a ser a ação pública condicionada.
Ao tratar sobre as exceções nas quais o crime seria de ação pública
incondicionada, o parágrafo único do art. 225 não falou em estupro com
violência real. Logo, para os autores, teria havido uma omissão voluntária do
legislador.

O STF, contudo, não
acatou esta tese. Para o STF, mesmo após a Lei nº 12.015/2009, o estupro
praticado mediante violência real continuou a ser de ação pública incondicionada:

A
Súmula 608 do STF permanece válida mesmo após o advento da Lei nº 12.015/2009.

Assim,
em caso de estupro praticado mediante violência real, a ação penal é pública
incondicionada.

STF. 1ª Turma. HC 125360/RJ, rel. Min.
Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 27/2/2018
(Info 892).

A
Lei nº 13.718/2018 retira qualquer dúvida que ainda poderia existir e,
portanto, o enunciado da súmula 608 do STF continua válido, apesar de ser
atualmente óbvio/inútil considerando que todos os crimes contra a dignidade
sexual são de ação pública incondicionada.

Por que a ação penal nos crimes sexuais (que são delitos graves e
abomináveis) eram, em regra, de ação penal pública condicionada à
representação?

Para evitar o strepitus
judicii
do processo e a revitimização.

Strepitus judicii

Em uma tradução literal do latim, strepitus judicii significa o barulho, o ruído, o escândalo decorrente
do julgamento.

Quando uma mulher é vítima de um estupro, por exemplo, o
fato de se instaurar um inquérito policial e, posteriormente, uma ação penal
gera uma exposição do seu caso na comunidade. Isso porque, por mais que o
processo corra em sigilo (art. 234-B do CP), é normal que a notícia acerca da
existência da ação penal se torne conhecida de outras pessoas, gerando um
sentimento de vergonha na vítima.

Além disso, infelizmente, algumas teses defensivas ainda
hoje procuram transferir ou dividir a responsabilidade pelos crimes sexuais
para a vítima. Submeter a vítima a ouvir ou ler tal espécie de argumentação
implica, sem dúvidas, mais sofrimento.

Revitimização

A
vítima de um crime, especialmente em delitos sexuais ou violentos, todas as
vezes em que for inquirida sobre os fatos, ela é, de alguma forma, submetida a
um novo trauma, um novo sofrimento ao ter que relatar um episódio triste e
difícil de sua vida para pessoas estranhas, normalmente em um ambiente formal e
frio. Desse modo, a cada depoimento, a vítima sofre uma violência psíquica.

Assim,
revitimização consiste nesse sofrimento continuado ou repetido da vítima ao ter
que relembrar esses fatos.

Alguns
autores afirmam que a revitimização é uma forma de “violência institucional”
cometida pelo Estado contra a vítima.

“A revitimização no atendimento às
mulheres em situação de violência, por vezes, tem sido associada à repetição do
relato de violência para profissionais em diferentes contextos o que pode gerar
um processo de traumatização secundária na medida em que, a cada relato, a
vivência da violência é reeditada.

Além da revitimização decorrente do
excesso de depoimentos, revitimizar também pode estar associado a atitudes e
comportamentos, tais como: paternalizar; infantilizar; culpabilizar;
generalizar histórias individuais; reforçar a vitimização; envolver-se em
excesso; distanciar-se em excesso; não respeitar o tempo da mulher; transmitir
falsas expectativas. A prevenção da revitimização requer o atendimento
humanizado e integral, no qual a fala da mulher é valorizada e respeitada.”
(Diretrizes gerais e protocolos de atendimento. Programa “Mulher, viver sem
violência”. Brasil: Governo Federal. Secretaria Especial de Políticas para
mulheres. 2015).

Por essas duas razões, o legislador entendia que, sendo a
vítima maior de idade e pessoa não vulnerável, ela é quem deveria decidir se
desejaria ou não deflagrar a instauração do processo, ponderando seu desejo de
justiça com as agruras que ainda teria que enfrentar.

O certo é que o legislador fez uma opção e acabou com a ação
penal condicionada nos crimes sexuais. São todos eles agora delitos de ação
pública incondicionada. Obviamente que, na prática, a vítima ainda continuará
tendo certa autonomia. Isso porque a maioria desses delitos ocorrem às
escondidas, sem testemunhas, cabendo a decisão à vítima se irá levar tal fato
ao conhecimento das autoridades.

Vigência

A Lei nº 13.718/2018 entrou em vigor na data de sua
publicação (25/09/2018). Como se trata de lei penal mais gravosa (novatio legis in pejus), ela é
irretroativa, não alcançando fatos praticados antes da sua vigência.

Essa regra de irretroatividade vale, inclusive, para as ações
penais. Assim, por exemplo, se, em 24/09/2018, o agente cometeu contra uma
mulher maior de 18 anos um assédio sexual (art. 216-A do CP), a ação penal
continua sendo pública condicionada à representação.

Márcio André Lopes Cavalcante

Juiz Federal. Foi Defensor Público, Promotor de Justiça e
Procurador do Estado.

Artigo Original em Dizer o Direito

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