Comentários à Lei 13.771/2018: altera as majorantes do feminicídio


Olá amigos do Dizer o Direito,

Outra importante novidade legislativa deste fim de ano foi a
Lei nº 13.771/2018, que alterou três causas de aumento de pena do feminicídio
(art. 121, § 7º do Código Penal).

Vejamos o que mudou.

O que é feminicídio?

Feminicídio é o homicídio doloso
praticado contra a mulher por “razões da condição de sexo feminino”, ou seja,
desprezando, menosprezando, desconsiderando a dignidade da vítima enquanto
mulher, como se as pessoas do sexo feminino tivessem menos direitos do que as
do sexo masculino.

O Código Penal prevê o feminicídio como
uma qualificadora do crime de homicídio. Confira:

Homicídio simples

Art. 121. Matar alguem:

Pena – reclusão, de seis a vinte anos.

(…)

§ 2º Se o homicídio é cometido:

Feminicídio

VI – contra a mulher por razões da
condição de sexo feminino.

(…)

Pena – reclusão, de doze a trinta anos.

O feminicídio foi incluído no Código Penal
pela Lei nº 13.104/2015.

Feminicídio X femicídio

Existe
diferença entre feminicídio e femicídio?

• Femicídio significa praticar
homicídio contra mulher (matar mulher);

• Feminicídio significa praticar
homicídio contra mulher por “razões da condição de sexo feminino” (por razões
de gênero).

O art. 121, § 2º, VI, do CP, trata
sobre FEMINICÍDIO, ou seja, pune mais gravemente aquele que mata mulher por
“razões da condição de sexo feminino” (por razões de gênero). Não basta a
vítima ser mulher.

Como
era a punição do feminicídio antes da Lei nº 13.104/2015?

Antes
da Lei nº 13.104/2015, não havia nenhuma punição especial pelo fato de o
homicídio ser praticado contra a mulher por razões da condição de sexo feminino.
Em outras palavras, o feminicídio era punido, de forma genérica, como sendo
homicídio (art. 121 do CP).

A
depender do caso concreto, o feminicídio (mesmo sem ter ainda este nome)
poderia ser enquadrado como sendo homicídio qualificado por motivo torpe
(inciso I do § 2º do art. 121) ou fútil (inciso II) ou, ainda, em virtude de
dificuldade da vítima de se defender (inciso IV). No entanto, o certo é que não
existia a previsão de uma pena maior para o fato de o crime ser cometido contra
a mulher por razões de gênero.

A
Lei nº 13.104/2015 veio alterar esse panorama e previu, expressamente, que o
feminicídio, deve agora ser punido como homicídio qualificado.

Sujeito
ativo

O
feminicídio pode ser praticado por qualquer pessoa (trata-se de crime comum).

O
sujeito ativo do feminicídio normalmente é um homem, mas também pode ser
mulher.

Sujeito
passivo

Obrigatoriamente
deve ser uma pessoa do sexo feminino (criança, adulta, idosa, desde que do sexo
feminino).


Mulher que mata sua companheira homoafetiva: pode haver feminicídio se o crime
foi por razões da condição de sexo feminino.


Homem que mata seu companheiro homoafetivo: não haverá feminicídio porque a
vítima deve ser do sexo feminino. Esse fato continua sendo, obviamente,
homicídio.

Razões
de condição de sexo feminino

O que são
“razões de condição de sexo feminino”?

O legislador previu, no § 2º-A do art.
121, uma norma penal interpretativa, ou seja, um dispositivo para esclarecer o
significado dessa expressão.

§ 2º-A Considera-se que há “razões de
condição de sexo feminino” quando o crime envolve:

I – violência doméstica e familiar;

II – menosprezo ou discriminação à
condição de mulher.

Causas
de aumento de pena

O
§ 7º do art. 121 do CP prevê causas de aumento de pena exclusivas para o
feminicídio.

A
Lei nº 13.771/2018 altera essas causas de aumento de pena.

Vamos comparar:

Antes
da Lei 13.771/2018

ATUALMENTE

Art.
121 (…)

§
7º A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o
crime for praticado:

Art.
121 (…)

§
7º A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o
crime for praticado:

I
– durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto;

Não
foi alterado. Continua a mesma redação.

II
– contra pessoa menor de 14 (quatorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou
com deficiência;

II
– contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos, com
deficiência ou portadora de doenças degenerativas que
acarretem condição limitante ou de vulnerabilidade física ou mental
;

III
– na presença de descendente ou de ascendente da vítima.

III
– na presença física ou virtual de descendente ou de
ascendente da vítima;

Não
havia inciso IV.

IV
– em descumprimento das medidas protetivas de urgência previstas nos incisos
I, II e III do caput do art. 22 da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006.

Mudança
no inciso II:

Foi
acrescentada a seguinte hipótese:

A
pena imposta ao feminicídio será aumentada de 1/3 a 1/2 se, no momento do crime,
a mulher (vítima) era portadora de doenças degenerativas que acarretem condição
limitante ou de vulnerabilidade física ou mental. Como exemplo, podemos citar a
esclerose lateral amiotrófica.

A
vítima, nesse caso, apresenta uma fragilidade (debilidade) maior, de forma que
a conduta do agente se revela com alto grau de covardia.

Mudança
no inciso III:

A
pena imposta ao feminicídio será aumentada se o delito foi praticado na
presença (física ou virtual) de descendente ou de ascendente da vítima.

Aqui
a razão do aumento está no intenso sofrimento que o autor provocou aos
descendentes ou ascendentes da vítima que presenciaram o crime, fato que irá
gerar graves transtornos psicológicos.

Semanticamente,
quando se fala que foi praticado “na presença de alguém”, isso não significa,
necessariamente, que a pessoa que presenciou estava fisicamente no local.

Assim,
particularmente, entendo que, mesmo antes da alteração, já poderia ser aplicada
a causa de aumento mesmo que não houvesse presença física do ascendente ou descendente, ou seja, essa presença poderia
ser “virtual”
.

A
fim de evitar polêmicas, o legislador resolveu deixar isso expresso.

Desse
modo, poderá haver a causa de aumento de pena do inciso III do § 7º do art. 121
do CP mesmo que o ascendente ou descendente não esteja fisicamente no mesmo ambiente
onde ocorre o homicídio. É o caso, por exemplo, em que o filho da vítima
presencia, por meio de webcam, o
agente matar sua mãe; ele terá presenciado o crime, mesmo sem estar fisicamente
no local do homicídio.

Apenas
para relembrar:


Ascendente: é o pai, mãe, avô, avó, bisavô, bisavó e assim por diante.


Descendente: é o filho(a), neto(a), bisneto(a) etc.

Atenção:
não haverá a causa de aumento se o
crime é praticado na presença de colateral
(ex: irmão, tio) ou na presença do cônjuge
da vítima.

Inserção
do inciso IV:

Vamos
entender melhor esse inciso com um exemplo:

Carla decidiu se separar de Pedro. Este, contudo, continuou
a procurá-la insistentemente e a fazer ameaças caso ela não reatasse o
relacionamento.

Diante disso, Carla procurou a Delegacia pedindo que fossem
tomadas providências.

A autoridade policial lavrou o boletim de ocorrência e
enviou um expediente ao juiz com o pedido de Carla para que Pedro não se
aproximasse mais dela (art. 12, III, da Lei nº 11.340/2006).

O juiz deferiu o pedido da ofendida e determinou, como
medidas protetivas de urgência, que Pedro mantivesse distância mínima de 500
metros de Maria e não tentasse nenhum contato com ela por qualquer meio de
comunicação, conforme autoriza o art. 22, III, “a” e “b”, da Lei nº
11.340/2006:

Art. 22. Constatada a prática de
violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz
poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes
medidas protetivas de urgência, entre outras:

(…)

III – proibição de determinadas
condutas, entre as quais:

a) aproximação da ofendida, de seus
familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes
e o agressor;

b) contato com a ofendida, seus
familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;

(…)

Na decisão, o magistrado consignou ainda que, em caso de
descumprimento de quaisquer das medidas impostas, seria aplicada ao requerido
multa diária de R$ 100, conforme previsto no § 4º, do art. 22 da Lei nº 11.340/2006.

Quais as consequências caso o indivíduo descumpra as medidas
protetivas de urgência?

• é possível a execução da multa imposta;

• é possível a decretação de sua prisão preventiva (art.
313, III, do CPP);

• o agente responderá pelo crime
do art. 24-A da Lei Maria da Penha:

Art. 24-A. Descumprir decisão judicial
que defere medidas protetivas de urgência previstas nesta Lei:

Pena – detenção, de 3 (três) meses a 2
(dois) anos.

Continuando em nosso exemplo:

Pedro foi regularmente intimado. Apesar disso, uma semana
depois procurou Carla em sua casa pedindo para que ela retomasse o relacionamento.
Como ela não aceitou, Pedro a matou com uma faca.

Neste caso, Pedro responderá por feminicídio e incidirá a
causa de aumento de pena prevista no art. 121, § 7º, IV, do CP.

Pergunta: responderá também pelo art. 24-A do CP?

NÃO. Isso porque o delito do art. 24-A do CP é absorvido
pela conduta mais grave, qual seja, a prática do art. 121, § 7º, IV, do CP.

Fazer incidir o art. 24-A da Lei nº 11.340/2006 e também
pelo inciso IV do § 7º do art. 121 do CP representaria punir duas vezes o
agente pelo mesmo fato (bis in idem),
o que é vedado.

Vigência

A Lei nº 13.771/2018 entrou em vigor na data de sua publicação
(20/12/2018).

Por ser uma lei mais gravosa, ela não se aplica para fatos
ocorridos antes de sua vigência.

Artigo Original em Dizer o Direito

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