Quem compartilha vídeo de funcionário público e sugere, em texto, que ele praticou abuso de autoridade ofende sua dignidade. Com esse entendimento, a 3ª Turma Recursal Cível do Rio de Janeiro, por unanimidade, negou recurso do defensor público Eduardo Januário Newton e manteve sentença que o condenou a pagar R$ 15 mil de indenização por danos morais à juíza Yedda Christina Ching-San Filizzola Assunção. A decisão foi proferida em fevereiro.
Em 2017, uma defensora pública filmou Yedda, em plantão judicial, dando voz de prisão a um morador de rua por desobediência. Isso porque ele insistia em permanecer nos arredores do fórum, no centro do Rio. Newton compartilhou o vídeo em sua página no Facebook. Na publicação, ele opinou que a atitude, contra uma pessoa vulnerável, foi exagerada.
Yedda moveu ação de indenização por danos morais contra Newton. Segundo ela, o texto que o defensor postou foi pejorativo e ela passou a ser julgada pelo “tribunal virtual” – tanto que a publicação teve milhares de compartilhamentos. A juíza também alegou perseguição por Newton ter criticado sua conduta em entrevistas.
Em contestação, Eduardo Newton – defendido pelos criminalistas Jeferson Gomes e Alberto Sampaio Jr., do Gomes & Sampaio Jr. Advogados Associados – afirmou que não mencionou o nome de Yedda em sua publicação no Facebook e que, quando deu entrevista, estava exercendo sua liberdade de expressão e de crítica. Ele ressaltou que o foco de seus comentários não é a pessoa da magistrada, mas a duvidosa necessidade de prender o morador de rua. Além disso, o defensor disse que, no momento da gravação, Yedda exercia atividade judicante – logo, de interesse público.
Newton foi condenado em primeira instância a pagar indenização de R$ 15 mil à juíza, mas ele recorreu. A relatora do caso na 3ª Turma Recursal Cível, juíza Marcia Correia Hollanda, votou por manter a sentença. De acordo com ela, o defensor ofendeu a dignidade de Yedda ao sugerir que ela praticou abuso de autoridade contra pessoa vulnerável e indefesa.
Para Marcia Hollanda, Eduardo Newton abusou da liberdade de expressão. A relatora também rejeitou a alegação dele de que a juíza o perseguia, citando que, na realidade, ela é que passou a ser alvo de diversas manifestações do defensor nas redes sociais.
A defesa de Newton interpôs recurso extraordinário. Em 10 de abril, a 3ª vice-presidente do TJ-RJ, desembargadora Elisabete Filizzola Assunção declarou-se impedida para analisar o recurso, uma vez que Yedda é sua nora. A magistrada encaminhou a questão para o corregedor-geral de Justiça do Rio, desembargador Bernardo Moreira Garcez Neto, “para decidir como entender de direito”.
Sujeição a críticas
Quem exerce função pública abdica de certo grau de intimidade no exercício de suas funções e está suscetível a críticas da população. E aquele que compartilha vídeo de tal autoridade, sem fazer comentários ofensivos, não abusa da liberdade de expressão, ainda que outras pessoas possam criticar a atitude filmada.
Isso é o que afirmou o jurista e colunista da ConJur Lenio Streck ao opinar, em parecer, que Eduardo Newton não cometeu ato ilícito ao compartilhar em rede social vídeo em que Yedda Assunção dá voz de prisão a um homem em frente ao fórum central do Rio.
“Em nenhum momento se identificou lesão à imagem particular da magistrada, decorrente de ofensa ou humilhação por parte do defensor público. O simples fato da atitude da magistrada ter gerado desgosto por parte de alguns internautas não caracteriza abuso do direito fundamental à livre manifestação — frisa-se, inclusive, que houve opiniões favoráveis à voz de prisão efetuada pela juíza de direito. Do contrário teríamos o absurdo de que qualquer informação pública estaria sujeita a uma censura baseada na especulação se a pessoa envolvida gostaria ou não do conteúdo compartilhado”, apontou Lenio.
Com base na Teoria da Proteção Débil do Homem Público, o jurista destacou que o ocupante de cargo público está sujeito a críticas e deve saber lidar com elas. O colunista da ConJur também opinou que Newton não pode ser responsabilizado pelas críticas que a juíza sofreu de outras pessoas.
“Ora, aqui parece ser evidente que não se pode responsabilizar aquele que divulga a informação — como já salientada, ato cívico, honesto e democrático — pela eventual reação promíscua e ofensiva de terceiros. Fosse assim, estaria inviabilizada a atuação da imprensa e amplamente mitigado o direito à liberdade de expressão”.
Fonte: Conjur