Previsão do desacato no direito
brasileiro
brasileiro
O Código Penal prevê o crime de
desacato no art. 331:
desacato no art. 331:
Art. 331. Desacatar
funcionário público no exercício da função ou em razão dela:
funcionário público no exercício da função ou em razão dela:
Pena – detenção, de seis meses
a dois anos, ou multa.
a dois anos, ou multa.
Desacatar significa
“menosprezar a função pública exercida por determinada pessoa. Em outras
palavras, ofende-se o funcionário público com a finalidade de humilhar a
dignidade e o prestígio da atividade administrativa.” (MASSON, Cleber. Direito Penal esquematizado. 4ª ed., São
Paulo: Método, 2014, p. 748).
“menosprezar a função pública exercida por determinada pessoa. Em outras
palavras, ofende-se o funcionário público com a finalidade de humilhar a
dignidade e o prestígio da atividade administrativa.” (MASSON, Cleber. Direito Penal esquematizado. 4ª ed., São
Paulo: Método, 2014, p. 748).
O bem jurídico protegido é o
respeito da função pública. Tanto isso é verdade que a vítima primária deste
delito é o Estado. O servidor ofendido é apenas o sujeito passivo secundário.
respeito da função pública. Tanto isso é verdade que a vítima primária deste
delito é o Estado. O servidor ofendido é apenas o sujeito passivo secundário.
Convenção Americana de Direitos
Humanos
Humanos
O Brasil é signatário da Convenção
Americana de Direitos Humanos, que ficou conhecida como “Pacto de São José
da Costa Rica”. Neste tratado internacional, promulgado pelo Decreto nº 678/92,
foi previsto como um dos direitos ali consagrados a liberdade de expressão.
Confira:
Americana de Direitos Humanos, que ficou conhecida como “Pacto de São José
da Costa Rica”. Neste tratado internacional, promulgado pelo Decreto nº 678/92,
foi previsto como um dos direitos ali consagrados a liberdade de expressão.
Confira:
Artigo 13. Liberdade de
pensamento e de expressão
pensamento e de expressão
1. Toda pessoa tem direito à liberdade de
pensamento e de expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar,
receber e difundir informações e ideias de toda natureza, sem consideração de
fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou
por qualquer outro processo de sua escolha.
pensamento e de expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar,
receber e difundir informações e ideias de toda natureza, sem consideração de
fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou
por qualquer outro processo de sua escolha.
2. O exercício do direito previsto no inciso
precedente não pode estar sujeito a censura prévia, mas a responsabilidades
ulteriores, que devem ser expressamente fixadas pela lei e ser necessárias para
assegurar:
precedente não pode estar sujeito a censura prévia, mas a responsabilidades
ulteriores, que devem ser expressamente fixadas pela lei e ser necessárias para
assegurar:
a. o respeito aos direitos
ou à reputação das demais pessoas; ou
ou à reputação das demais pessoas; ou
b. a proteção da segurança
nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas.
nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas.
3. Não se pode restringir
o direito de expressão por vias ou meios indiretos, tais como o abuso de
controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de frequências
radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação,
nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação
de ideias e opiniões.
o direito de expressão por vias ou meios indiretos, tais como o abuso de
controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de frequências
radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação,
nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação
de ideias e opiniões.
4. A lei pode submeter os
espetáculos públicos a censura prévia, com o objetivo exclusivo de regular o
acesso a eles, para proteção moral da infância e da adolescência, sem prejuízo
do disposto no inciso 2.
espetáculos públicos a censura prévia, com o objetivo exclusivo de regular o
acesso a eles, para proteção moral da infância e da adolescência, sem prejuízo
do disposto no inciso 2.
5. A lei deve proibir toda
propaganda a favor da guerra, bem como toda apologia ao ódio nacional, racial
ou religioso que constitua incitação à discriminação, à hostilidade, ao crime
ou à violência.
propaganda a favor da guerra, bem como toda apologia ao ódio nacional, racial
ou religioso que constitua incitação à discriminação, à hostilidade, ao crime
ou à violência.
Comissão Interamericana de
Direitos Humanos
Direitos Humanos
Há muitos anos, a Comissão
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) vem decidindo que a criminalização do
desacato contraria o artigo 13 do Pacto de San José da Costa Rica.
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) vem decidindo que a criminalização do
desacato contraria o artigo 13 do Pacto de San José da Costa Rica.
Em 1995, a Comissão afirmou que
as leis de desacato se prestam ao abuso, como meio para silenciar ideias e
opiniões consideradas incômodas pelo establishment,
bem assim proporcionam maior nível de proteção aos agentes do Estado do que aos
particulares, em contravenção aos princípios democrático e igualitário (CIDH,
Relatório sobre a compatibilidade entre as leis de desacato e a Convenção
Americana sobre Direitos Humanos, OEA/Ser. L/V/II.88, doc. 9 rev., 17 de
fevereiro de 1995, 197-212).
as leis de desacato se prestam ao abuso, como meio para silenciar ideias e
opiniões consideradas incômodas pelo establishment,
bem assim proporcionam maior nível de proteção aos agentes do Estado do que aos
particulares, em contravenção aos princípios democrático e igualitário (CIDH,
Relatório sobre a compatibilidade entre as leis de desacato e a Convenção
Americana sobre Direitos Humanos, OEA/Ser. L/V/II.88, doc. 9 rev., 17 de
fevereiro de 1995, 197-212).
Em 2000, a CIDH aprovou a
Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão onde reafirmou sua
posição sobre a invalidade da tipificação do desacato:
Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão onde reafirmou sua
posição sobre a invalidade da tipificação do desacato:
“11. Os funcionários
públicos estão sujeitos a um maior controle por parte da sociedade. As leis que
punem a manifestação ofensiva dirigida a funcionários públicos, geralmente
conhecidas como ‘leis de desacato’, atentam contra a liberdade de expressão e o
direito à informação.”
públicos estão sujeitos a um maior controle por parte da sociedade. As leis que
punem a manifestação ofensiva dirigida a funcionários públicos, geralmente
conhecidas como ‘leis de desacato’, atentam contra a liberdade de expressão e o
direito à informação.”
Em suma, para a CIDH, as leis de
desacato restringem indiretamente a liberdade de expressão, porque carregam
consigo a ameaça do cárcere ou multas para aqueles que insultem ou ofendam um
funcionário público. Por essa razão, este tipo penal (desacato) é inválido por
contrariar o artigo 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos.
desacato restringem indiretamente a liberdade de expressão, porque carregam
consigo a ameaça do cárcere ou multas para aqueles que insultem ou ofendam um
funcionário público. Por essa razão, este tipo penal (desacato) é inválido por
contrariar o artigo 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos.
A jurisprudência do STJ acolhe
esta tese? O desacato deixou de ser crime no ordenamento jurídico brasileiro
por força do Pacto de San Jose da Costa Rica?
esta tese? O desacato deixou de ser crime no ordenamento jurídico brasileiro
por força do Pacto de San Jose da Costa Rica?
NÃO.
Desacatar
funcionário público no exercício da função ou em razão dela continua a ser
crime, conforme previsto no art. 331 do Código Penal.
funcionário público no exercício da função ou em razão dela continua a ser
crime, conforme previsto no art. 331 do Código Penal.
STJ. 3ª Seção. HC 379.269/MS, Rel. para
acórdão Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em 24/05/2017.
acórdão Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em 24/05/2017.
Desacato não viola a liberdade de
expressão
expressão
A figura penal do desacato não
prejudica a liberdade de expressão, pois não impede o cidadão de se manifestar,
“desde que o faça com civilidade e educação”.
prejudica a liberdade de expressão, pois não impede o cidadão de se manifestar,
“desde que o faça com civilidade e educação”.
A responsabilização penal por
desacato existe para inibir excessos e constitui uma salvaguarda para os
agentes públicos, expostos a todo tipo de ofensa no exercício de suas funções.
desacato existe para inibir excessos e constitui uma salvaguarda para os
agentes públicos, expostos a todo tipo de ofensa no exercício de suas funções.
Descriminalizar o desacato não
traria benefícios porque o fato constituiria injúria
traria benefícios porque o fato constituiria injúria
A exclusão do desacato como tipo
penal não traria benefício concreto para o julgamento dos casos de ofensas
dirigidas a agentes públicos. Isso porque com o fim do crime de desacato, as
ofensas a agentes públicos passariam a ser tratadas pelos tribunais como
injúria (art. 140 do CP), crime para o qual a lei já prevê um acréscimo de 1/3
da pena quando a vítima é servidor público (art. 141, II).
penal não traria benefício concreto para o julgamento dos casos de ofensas
dirigidas a agentes públicos. Isso porque com o fim do crime de desacato, as
ofensas a agentes públicos passariam a ser tratadas pelos tribunais como
injúria (art. 140 do CP), crime para o qual a lei já prevê um acréscimo de 1/3
da pena quando a vítima é servidor público (art. 141, II).
Corte IDH admite que excessos na
liberdade de expressão sejam punidos
liberdade de expressão sejam punidos
Apesar da posição da Comissão Interamericana
de Direitos Humanos ser contrária à criminalização do desacato, a Corte
Interamericana de Direitos Humanos, órgão que efetivamente julga os casos
envolvendo indivíduos e estados, já deixou claro em mais de um julgamento que o
Direito Penal pode punir as condutas que representem excessos no exercício da liberdade
de expressão.
de Direitos Humanos ser contrária à criminalização do desacato, a Corte
Interamericana de Direitos Humanos, órgão que efetivamente julga os casos
envolvendo indivíduos e estados, já deixou claro em mais de um julgamento que o
Direito Penal pode punir as condutas que representem excessos no exercício da liberdade
de expressão.
Assim, o Poder Judiciário
brasileiro deve continuar a repudiar reações arbitrárias eventualmente adotadas
por agentes públicos, punindo pelo crime de abuso de autoridade quem, no
exercício de sua função, reagir de modo autoritário a críticas e opiniões que
não constituam excesso intolerável do direito de livre manifestação do
pensamento.
brasileiro deve continuar a repudiar reações arbitrárias eventualmente adotadas
por agentes públicos, punindo pelo crime de abuso de autoridade quem, no
exercício de sua função, reagir de modo autoritário a críticas e opiniões que
não constituam excesso intolerável do direito de livre manifestação do
pensamento.
Alguns de vocês podem estar
pensando: mas eu li em algum lugar que o STJ havia considerado que o desacato
não é mais crime…
pensando: mas eu li em algum lugar que o STJ havia considerado que o desacato
não é mais crime…
É verdade… houve uma decisão do
STJ neste sentido no final de 2016:
STJ neste sentido no final de 2016:
O crime de desacato não mais subsiste
em nosso ordenamento jurídico por ser incompatível com o artigo 13 do Pacto de
San José da Costa Rica.
em nosso ordenamento jurídico por ser incompatível com o artigo 13 do Pacto de
San José da Costa Rica.
A criminalização do desacato está na
contramão do humanismo, porque ressalta a preponderância do Estado –
personificado em seus agentes – sobre o indivíduo.
contramão do humanismo, porque ressalta a preponderância do Estado –
personificado em seus agentes – sobre o indivíduo.
A existência deste crime em nosso
ordenamento jurídico é anacrônica, pois traduz desigualdade entre funcionários
e particulares, o que é inaceitável no Estado Democrático de Direito
preconizado pela CF/88 e pela Convenção Americana de Direitos Humanos.
ordenamento jurídico é anacrônica, pois traduz desigualdade entre funcionários
e particulares, o que é inaceitável no Estado Democrático de Direito
preconizado pela CF/88 e pela Convenção Americana de Direitos Humanos.
STJ. 5ª Turma. REsp 1640084/SP, Rel.
Min. Ribeiro Dantas, julgado em 15/12/2016.
Min. Ribeiro Dantas, julgado em 15/12/2016.
Este precedente (a favor da
descriminalização) foi da 5ª Turma e o novo acórdão (mantendo o crime) foi
prolatado pela 3ª Seção.
descriminalização) foi da 5ª Turma e o novo acórdão (mantendo o crime) foi
prolatado pela 3ª Seção.
No STJ, existem duas Turmas que
julgam normalmente os processos que envolvem matéria criminal: 5ª e 6ª Turmas. Cada
Turma possui 5 Ministros.
julgam normalmente os processos que envolvem matéria criminal: 5ª e 6ª Turmas. Cada
Turma possui 5 Ministros.
Determinados processos (ex:
embargos de divergência) são julgados pela 3ª Seção, que é a reunião dos
Ministros da 5ª e 6ª Turmas.
embargos de divergência) são julgados pela 3ª Seção, que é a reunião dos
Ministros da 5ª e 6ª Turmas.
É também possível que o Ministro Relator
proponha que determinado processo que seria julgado pela Turma seja, em vez
disso, apreciado pela Seção. Isso ocorre normalmente quando o tema é polêmico e
se deseja uniformizar o assunto.
proponha que determinado processo que seria julgado pela Turma seja, em vez
disso, apreciado pela Seção. Isso ocorre normalmente quando o tema é polêmico e
se deseja uniformizar o assunto.
Foi isso o que aconteceu no caso concreto.
Havia uma decisão da 5ª Turma
dizendo que desacato não seria crime. O tema, contudo, ainda não estava
pacificado no âmbito do STJ.
dizendo que desacato não seria crime. O tema, contudo, ainda não estava
pacificado no âmbito do STJ.
Diante disso, o Ministro Relator
do HC 379.269/MS, que também tratava sobre esse mesmo assunto, decidiu levar o
processo para ser apreciado pela 3ª Seção que decidiu em sentido contrário ao
precedente da 5ª Turma.
do HC 379.269/MS, que também tratava sobre esse mesmo assunto, decidiu levar o
processo para ser apreciado pela 3ª Seção que decidiu em sentido contrário ao
precedente da 5ª Turma.
O que vai prevalecer então no STJ?
A decisão da 3ª Seção, ou seja, o
entendimento de que desacato continua sendo crime (HC 379.269/MS).
entendimento de que desacato continua sendo crime (HC 379.269/MS).
A tendência é que os Ministros da
5ª Turma se curvem à decisão da 3ª Seção.
5ª Turma se curvem à decisão da 3ª Seção.
O STF possui algum precedente
sobre o tema?
sobre o tema?
Ainda não. O tema, contudo, será
em breve apreciado pelo STF.
em breve apreciado pelo STF.
Enquanto isso não ocorre,
desacato continua sendo crime.
desacato continua sendo crime.