Direitos autorais, ECAD e festa junina de escola


Imagine a seguinte situação
hipotética:

O colégio “Bons
Estudos” realizou uma festa junina na quadra da escola contando com a
participação dos alunos e pais.
Durante a festa foram executadas
diversas músicas folclóricas e culturais, tendo havido danças típicas etc.
Após o evento, o Escritório
Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD) ajuizou ação de cobrança contra o
colégio alegando que, mesmo notificada, a escola não pagou os valores relativos
aos direitos autorais das músicas executadas durante a festa.
A cobrança realizada foi feita com base
no art. 29, VIII, “b” e art. 68 da Lei nº 9.610/98:

Art. 29. Depende de autorização prévia
e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer modalidades, tais como:

(…)

VIII – a utilização, direta ou
indireta, da obra literária, artística ou científica, mediante:

a) representação, recitação ou declamação;

b) execução musical;

Art. 68. Sem prévia e expressa
autorização do autor ou titular, não poderão ser utilizadas obras teatrais,
composições musicais ou lítero-musicais e fonogramas, em representações e
execuções públicas.

O colégio contestou a demanda
argumentando que o evento foi gratuito e sem objetivo de lucro. Alegou que se
tratava de uma confraternização entre pais, alunos e professores, fazendo parte
do programa pedagógico da escola.

O pedido do ECAD deve ser julgado
procedente?

NÃO.
É
indevida a cobrança de direitos autorais pela execução, sem autorização prévia
dos titulares dos direitos autorais ou de seus substitutos, de músicas
folclóricas e culturais em festa junina realizada no interior de
estabelecimento de ensino, na hipótese em que o evento tenha sido organizado
como parte de projeto pedagógico, reunindo pais, alunos e professores, com
vistas à integração escola-família, sem venda de ingressos e sem a utilização
econômica das obras.

STJ. 2ª Seção. REsp 1.575.225-SP,
Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 22/6/2016 (Info 587).
Em regra, mesmo que o evento não
vise o lucrativo, deverá haver pagamento de direitos autorais

A Lei nº 9.610/98 (Lei de
Direitos Autorais), em regra, não exige que o evento tenha finalidade lucrativa
(direta ou indireta) para que seja obrigatório o pagamento dos direitos
autorais. Em outras palavras, em regra, mesmo a exibição da obra não tenha
objetivo de lucro, ainda assim, é dever o pagamento da retribuição autoral.
O fato gerador do pagamento dos
direitos autorais é a exibição pública da obra artística, em local de
frequência coletiva.
Exceção: execução musical nos
estabelecimentos de ensino sem intuito de lucro

A regra acima exposta tem uma
exceção prevista no art. 46, VI, da Lei nº 9.610/98. Veja:
Art. 46. Não constitui
ofensa aos direitos autorais:
(…)
VI – a representação teatral e a execução musical,
quando realizadas no recesso familiar ou, para fins
exclusivamente didáticos, nos estabelecimentos de ensino, não havendo em
qualquer caso intuito de lucro
;

A regra prevista no art. 46, VI,
por ser especial, tem prevalência sobre os arts. 29 e 68 que são consideradas regras
gerais.
Assim, o caráter pedagógico da
atividade – execução de músicas culturais e folclóricas em festa junina –
ocorrida, sem fins lucrativos, no interior de estabelecimento de ensino,
justifica o não cabimento da cobrança de direitos autorais.
Fins exclusivamente didáticos
(pedagógicos)

O ECAD defendia a tese de que,
quando o inciso VI do art. 46 fala em “fins exclusivamente didáticos”,
isso significa que só estaria dispensado do pagamento dos direitos autorais
escolas de música.
No entanto, a maioria dos
Ministros não deu essa interpretação tão restrita e entendeu que essa expressão
pode abranger também a realização de uma festa junina pela escola na qual há
execução de músicas culturais e folclóricas. Esse tipo de atividade é
considerada como tendo caráter pedagógico.
Tratando-se de festa de
confraternização, pedagógica, didática, de fins culturais, que congrega a
escola e a família, é fácil constatar que a admissão da cobrança de direitos
autorais representa um desestímulo a essa união. Esse desagregamento não deve
ser a tônica, levando-se em consideração a sociedade brasileira, tão marcada
pela violência e carente de valores sociais e culturais mais sólidos.
Deve ser analisado o evento no
caso concreto

O STJ esclareceu que cada solução
dependerá do caso concreto, pois as circunstâncias de cada evento é que irão
determinar seu devido enquadramento.
Quermesse, casamento, batizado, hotel
e hospital: deverá haver pagamento de direitos autorais

Ressalte-se,
por fim, que o STJ tem posição consolidada no sentido de que é devido o
pagamento de direitos autorais nos casos de reprodução musical realizada no
âmbito de quermesses (inclusive de igrejas), casamentos, batizados, hotel e
hospital. Esse entendimento continua em vigor. Isso porque tais situações não
se enquadram no art. 46, VI, devendo incidir, portanto, a regra geral de
proteção ao direito do autor.

Artigo Original em Dizer o Direito

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