É possível o inventário extrajudicial, ainda que exista testamento, se os interessados forem capazes e concordes e estiverem assistidos por advogado


Inventário

Inventário é o procedimento,
judicial ou extrajudicial, por meio do qual são arrecadados, descritos,
avaliados e liquidados os bens e outros direitos que pertenciam à pessoa morta,
e, após serem pagas as dívidas do falecido, o eventual saldo positivo será
distribuído entre os seus sucessores (partilha).

Espécies de inventário

• Inventário judicial: é um
processo judicial.

• Inventário extrajudicial: é o
inventário realizado por meio de escritura pública.

Obs: a possibilidade de o
inventário ser feito extrajudicialmente foi criada com a Lei nº 11.441/2007.
Antes dessa Lei, o inventário só podia ser judicial.

Quais são as exigências
para que o inventário seja feito extrajudicialmente?

Segundo a lição tradicional que
se encontra nos manuais de Direito Civil, o inventário extrajudicial exigiria o
cumprimento de quatro requisitos cumulativos:

1) herdeiros capazes: todos
os herdeiros devem ser capazes; havendo interessado incapaz, deve ser feito o inventário
judicial.

2) consenso: deve haver
consenso entre os herdeiros quanto à divisão dos bens; todos devem ser
concordes.

3) advogado: todas as
partes interessadas devem estar assistidas por advogado ou por defensor público.

4) inexistência de testamento:
o falecido não pode ter deixado testamento; pela lei, havendo testamento,
deveria ser feito inventário judicial.

Esses quatro
requisitos são extraídos do art. 610 do CPC/2015:

Art. 610. Havendo testamento ou
interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial.

§ 1º Se todos forem capazes e
concordes, o inventário e a partilha poderão ser feitos por escritura pública,
a qual constituirá documento hábil para qualquer ato de registro, bem como para
levantamento de importância depositada em instituições financeiras.

§ 2º O tabelião somente lavrará a
escritura pública se todas as partes interessadas estiverem assistidas por
advogado ou por defensor público, cuja qualificação e assinatura constarão do
ato notarial.

Vale ressaltar, contudo, que essa
quarta exigência (inexistência de testamento) sempre foi muito criticada pela
doutrina.

Anderson Schreiber, um dos
maiores civilistas da atualidade, afirma que a exigência relativa à ausência de
testamento “não tem razão de ser. Pelo contrário, cria no Brasil um cenário
insólito em que o testador que realiza testamento, pretendendo justamente
evitar conflitos futuros entre seus herdeiros, acaba por lhes impor a via
judicial, mesmo que não haja nenhum herdeiro incapaz e todos estejam de acordo
quanto à divisão dos bens. Trata-se de verdadeiro contrassenso.” (Direito
Civil contemporâneo
. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2020, p. 1432).

O STJ encampou essa crítica
da doutrina? Cumpridos os demais requisitos legais, é possível realizar o
inventário judicial mesmo que o falecido tenha deixado testamento? É possível afastar
essa quarta exigência acima exposta?

SIM. A 4ª
Turma do STJ decidiu que:

É possível o inventário extrajudicial, ainda que
exista testamento, se os interessados forem capazes e concordes e estiverem
assistidos por advogado, desde que o testamento tenha sido previamente
registrado judicialmente ou haja a expressa autorização do juízo competente.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.808.767-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão,
julgado em 15/10/2019 (Info 663).

O Min. Luis Felipe Salomão,
relator do recurso especial, propôs uma nova forma de interpretar o art. 610 do
CPC, de modo que, mesmo havendo testamento, seria possível o inventário
extrajudicial.

Para ele, a partir de uma leitura
sistemática do caput e do § 1º do art. 610 do CPC/2015 c/c os arts.
2.015 e 2.016 do CC/2002, mostra-se possível o inventário extrajudicial, ainda
que exista testamento, se os interessados forem capazes e concordes e estiverem
assistidos por advogado, desde que o testamento tenha sido previamente
registrado judicialmente ou haja a expressa autorização do juízo competente.

A mens legis que autorizou
o inventário extrajudicial foi justamente a de desafogar o Judiciário,
afastando a via judicial de processos nos quais não se necessita da chancela
judicial, assegurando solução mais célere e efetiva em relação ao interesse das
partes.

O processo deve ser um meio, e
não um entrave, para a realização do direito. Se a via judicial é prescindível,
não há razoabilidade em proibir, na ausência de conflito de interesses, que
herdeiros, maiores e capazes, socorram-se da via administrativa para dar
efetividade a um testamento já tido como válido pela Justiça.

Registrado judicialmente ou
expressa autorização do juízo competente: o que é isso?

Todo testamento, para o seu
cumprimento, deve, antes de qualquer outra providência, ser registrado em juízo
em processo judicial específico chamado “ação judicial de cumprimento de
testamento”, regulado pelos arts. 735 a 737 do CPC/2015.

Assim, mesmo que o falecido deixe
testamento será possível realizar o inventário extrajudicial desde que estejam
cumpridos os demais requisitos e desde que, antes do inventário, os herdeiros
instaurem o processo judicial para abertura, registro e cumprimento de
testamento.

“Nesse ato de abertura e registro
de testamento, que é judicial, possíveis vícios formais serão apreciados e o testamento
somente será executado se atender os requisitos formais. Assim, de um modo ou
de outro, o inventário extrajudicial somente poderá ser iniciado após o
registro do testamento e da ordem de cumprimento em processo judicial
específico,” (FIGUEIREDO, Ivanildo. Inventário extrajudicial na sucessão
testamentária: possibilidade, legalidade, alcance e eficácia
. Revista
Nacional de Direito de Família e Sucessões n. 8 – set./out./2015, pp. 97-98).

Enunciados doutrinários sobre o
tema

Como já dito, a decisão do STJ
acima exposta encontra eco na opinião da doutrina especializada que, por meio
de enunciados, já defendeu essa mesma posição:

• Enunciado 600 da VII Jornada de
Direito Civil do CJF: Após registrado judicialmente o testamento e sendo todos
os interessados capazes e concordes com os seus termos, não havendo conflito de
interesses, é possível que se faça o inventário extrajudicial.

• Enunciado 77 da I Jornada sobre
Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios: Havendo registro ou expressa
autorização do juízo sucessório competente, nos autos do procedimento de
abertura e cumprimento de testamento, sendo todos os interessados capazes e
concordes, o inventário e partilha poderão ser feitos por escritura pública,
mediante acordo dos interessados, como forma de pôr fim ao procedimento
judicial.

• Enunciado 51 da I Jornada de Direito
Processual Civil do CJF: Havendo registro judicial ou autorização expressa do
juízo sucessório competente, nos autos do procedimento de abertura, registro e
cumprimento de testamento, sendo todos os interessados capazes e concordes,
poderão ser feitos o inventário e a partilha por escritura pública.

• Enunciado 16 do IBDFAM: Mesmo quando
houver testamento, sendo todos os interessados capazes e concordes com os seus
termos, não havendo conflito de interesses, é possível que se faça o inventário
extrajudicial.

Cuidado com o que dizem
alguns livros

Muitos
livros explicam o tema de forma diferente e dizem que a ausência de testamento é
um requisito. Não é mais a posição a ser adotada nas provas. Veja esta questão
de prova que demonstra bem a mudança:

 (MP/PR 2014) A existência de testamento, mesmo
que todos os herdeiros sejam maiores e capazes, impede a realização de
inventário extrajudicial.

Na época da prova, o gabarito
indicou a resposta como CORRETA. No entanto, atualmente, o gabarito deveria assinar
como ERRADO.

Artigo Original em Dizer o Direito

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