Imagine a seguinte situação
hipotética:

João dirigia seu veículo quando,
por imprudência, acabou batendo no carro de um órgão público estadual em
serviço.
Ficou provado, por meio da
perícia, que o particular foi o culpado pelo acidente.
O órgão público consertou o
veículo, tendo isso custado R$ 10 mil.
Sete anos depois do acidente, o
Estado ajuizou ação de indenização contra João cobrando os R$ 10 mil gastos com
o conserto do carro.
A defesa de João alegou que houve
prescrição.
Tese da imprescritibilidade

A Fazenda Pública refutou o
argumento do réu afirmando que as ações de ressarcimento ao erário são imprescritíveis
por expressa previsão do art. 37, § 5º da CF/88:
Art. 37 (…)
§ 5º A lei estabelecerá os
prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou
não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as
respectivas ações de ressarcimento
.
Nesse dispositivo existem duas
regras:
1ª) a lei deve fixar prazo prescricional
para que o Poder Público proponha ações judiciais contra pessoas que causaram
prejuízos ao erário.
2ª) para que o Poder Público ajuíze
ações pedindo o ressarcimento do erário não há prazo prescricional.
Assim, a Fazenda Pública
sustentou a seguinte tese: as ações de ressarcimento ao erário propostas em
caso de ilícitos civis praticados contra o Poder Público são imprescritíveis.
Essa tese foi aceita pelo STF?

NÃO.
É
prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de
ilícito civil.

Dito
de outro modo, se o Poder Público sofreu um dano ao erário decorrente de um
ilícito civil e deseja ser ressarcido ele deverá ajuizar a ação no prazo prescricional
previsto em lei.

STF. Plenário. RE 669069/MG, Rel.
Min. Teori Zavascki, julgado em 03/02/2016 (repercussão geral).
Principais argumentos

A prescritibilidade é a regra no
Direito brasileiro, ou seja, em regra, as pretensões indenizatórias estão
sujeitas a prazos de prescrição. Para que uma pretensão seja imprescritível, é
indispensável que haja previsão expressa neste sentido.
O § 5º do art. 37 da CF/88 deve
ser lido em conjunto com o § 4º, de forma que ele, em princípio, se refere
apenas aos casos de improbidade administrativa.
Se fosse realizada uma
interpretação ampla da ressalva final contida no § 5º, isso faria com que toda
e qualquer ação de ressarcimento movida pela Fazenda Pública fosse
imprescritível, o que seria desproporcional.
A prescrição é um instituto importante
para se garantir a segurança e estabilidade das relações jurídicas e da
convivência social. É uma forma de se assegurar a ordem e a paz na sociedade.
Desse modo, a ressalva contida na
parte final do § 5º do art. 37 da CF/88 deve ser interpretada de forma estrita
e não se aplica para danos causados ao Poder Público por força de ilícitos
civis.
Cuidado. A tese acima fixada não
vale para improbidade administrativa

É possível que uma pessoa cause
prejuízo ao erário por meio da prática de um ato de improbidade administrativa.
Ex: um administrador público que compra, por meio de licitação fraudulenta, mercadorias
por preço superfaturado.
Neste caso, será possível o
ajuizamento de ação de improbidade contra este agente público pedindo que ele
seja condenado às sanções previstas no art. 12 da Lei de Improbidade
Administrativa – Lei n.º 8.429/92 (perda de bens e valores, ressarcimento
integral do dano, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos,
entre outras).
O prazo para ajuizamento da ação de
improbidade administrativa é de 5 anos (art. 23). No entanto, a doutrina e
jurisprudência entendem que, no caso de ressarcimento ao erário, a ação é
imprescritível por força do § 5º do art. 37 da CF/88.
(…) Improbidade
administrativa. Alegação de prescrição. Embora imprescritíveis as ações de
ressarcimento contra os agentes públicos que ilicitamente causaram lesão ao
patrimônio público (art. 37, § 5º, da CF), verifica-se a ocorrência da prescrição
no que tange às sanções previstas na Lei nº 8429/92. (…)

(STF. 1ª Turma. AI 744973
AgR, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 25/06/2013)
(…) É pacífico o
entendimento desta Corte Superior no sentido de que a pretensão de
ressarcimento por prejuízo causado ao erário, manifestada na via da ação civil
pública por improbidade administrativa, é imprescritível. Daí porque o art. 23
da Lei nº 8.429/92 tem âmbito de aplicação restrito às demais sanções prevista
no corpo do art. 12 do mesmo diploma normativo. (…)
(STJ. 2ª Turma. AgRg no
REsp 1442925/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 16/09/2014)
Assim, se passaram mais de 5
anos, não se pode mais ajuizar ação de improbidade administrativa contra o
agente que praticou o ato de improbidade pedindo que lhe seja aplicada uma das
penas do art. 12. Em outras palavras, ele ficará livre das sanções de suspensão
dos direitos políticos, multa etc. No entanto, ainda será possível ajuizar ação
de ressarcimento contra ele pedindo que indenize o Poder Público pelos
prejuízos causados ao erário.
Por enquanto, podemos
dizer que a jurisprudência entende o seguinte:
• Ações de ressarcimento decorrentes de ato
de improbidade administrativa: IMPRESCRITÍVEIS (§ 5º do art. 37 da CF/88).

Obs: apesar de
já existirem precedentes neste sentido, isso poderá ser alterado pelo STF que
irá novamente apreciar a questão em outro recurso extraordinário. O Ministros Roberto
Barroso e Marco Aurélio, por exemplo, indicaram que irão votar no sentido de
que mesmo as pretensões de ressarcimento nas ações de improbidade são
prescritíveis.
• Ações de reparação de danos à Fazenda
Pública decorrente de ilícito civil: estão sujeitas à prescrição (são
prescritíveis) (RE 669069/MG).

Tudo bem. Entendi que as ações
propostas pelo Estado buscando o ressarcimento ao erário decorrente de ilícito
civil são prescritíveis. A pergunta que surge em seguida é: qual o prazo
prescricional?

Este é um debate que ainda vai se
acirrar bastante. Por enquanto, temos duas correntes:
·      
3 anos, com base no art. 206, § 3º, V, do CC
(prescreve em três anos a pretensão de reparação civil);
·      
5 anos, aplicando-se, com base no princípio da isonomia,
o prazo trazido pelo Decreto 20.910/32. Este dispositivo prevê que o prazo
prescricional para ações propostas contra a Fazenda Pública é de cinco anos.
Logo, o mesmo prazo deveria ser aplicado para as ações ajuizadas pela Fazenda
Pública.
Prazo de 3 anos: acórdão mantido pelo
STF

No julgamento acima explicado, o
Tribunal de origem adotou a 1ª corrente (prazo de 3 anos) e o STF manteve a
decisão. Vale ressaltar, no entanto, que o objeto do recurso extraordinário não
era esse, de forma que a questão ainda se encontra em aberto na Corte. Penso que
não é possível afirmar ainda que se trata da posição do STF. No entanto, como foi
trazido no Informativo, poderá ser cobrado nas provas. Fique atento com o enunciado
da questão (“segundo o STF” ou “segundo o STJ”).
Prazo de 5 anos: posição pacífica
do STJ

(…) 4. A jurisprudência
desta Corte firmou-se no sentido de que a prescrição contra
a Fazenda Pública é quinquenal, mesmo em ações indenizatórias, uma vez que é
regida pelo Decreto  20.910/32, norma
especial que prevalece sobre lei geral. (…)

5. O STJ tem entendimento
jurisprudencial no sentido de que o prazo prescricional da Fazenda Pública deve
ser o mesmo prazo previsto no Decreto 20.910/32, em razão do princípio da
isonomia. (…)

(STJ. 2ª Turma. AgRg no
AREsp 768.400/DF, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 03/11/2015)

Artigo Original em Dizer o Direito

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