Em 37 anos de Constituição Cidadã, STF reconheceu direitos a quem antes só vivia às margens da sociedade 

Neste domingo (5), a Constituição Cidadã comemora 37 anos. O apelido não é fortuito. É uma lembrança de que, em 5 de outubro de 1988, encerrando um ciclo de mais de 20 anos de ditadura, a democracia brasileira decidiu ter rosto, voz e nome ao reafirmar o lugar de todos os brasileiros e brasileiras na vida do país — inclusive daqueles que antes eram invisibilizados.  

Foi na Carta de 1988 que mulheres encontraram proteção contra a violência; que povos indígenas viram assegurado o vínculo com suas terras; e que quilombolas puderam reivindicar memória e território. Nela, pessoas com deficiência conquistaram a promessa de inclusão, e famílias homoafetivas tiveram reconhecido o direito de existir sem esconderijos.  

STF guardião  

Nada disso se deu de uma vez. Vieram batalhas jurídicas, disputas políticas, gestos de resistência. E, ao longo dessas quase quatro décadas, coube e cabe ao Supremo Tribunal Federal (STF) sustentar a letra da Constituição contra os ventos contrários — às vezes com cautela, outras com ousadia, mas sempre chamado a lembrar que cidadania não é favor; é fundamento.  

Para quem já tem direitos consolidados não apenas na lei, mas também na cultura, pode passar despercebido que o papel da Constituição é garantir e proteger a cidadania de quem ainda não os tem — e reafirmar, sob o princípio da igualdade, que uma democracia madura trata pessoas sem fazer distinção de gênero, etnia, raça, capacidade ou orientação sexual.  

Longo caminho  

Trinta e sete anos depois, a Constituição segue sendo menos um monumento da história de nossa democracia e mais um território em disputa. Seu aniversário não se mede apenas pela data, mas pela distância já percorrida desde 1988 — e pelo caminho que ainda resta para que o país inteiro, sem distinções, caiba, de fato, dentro de suas páginas.  

Confira os principais avanços:  

Proteção à mulher  

Em 2012, o STF entendeu que o poder público pode adotar medidas especiais de proteção à mulher nos casos de violência doméstica e familiar. O julgamento conjunto da ADC 19 e da ADI 4424 ajudou a consolidar a Lei Maria da Penha, que, desde 2006, tem se tornado o maior impulsionador das denúncias contra agressores e transformado de forma radical a maneira como o tema é tratado no país.  

Em 2023, no julgamento da ADPF 779, o Supremo declarou inconstitucional a tese da “legítima defesa da honra” em casos de violência contra mulheres e feminicídio. Herança de práticas do século XVII que admitiam que o homem matasse a mulher em flagrante de adultério, a tese afrontava princípios centrais da Constituição Cidadã: o direito à vida, a dignidade da pessoa humana e a igualdade entre os sexos.  

Em 2024, o Supremo analisou a ADPF 1107 e decidiu que é inconstitucional considerar a vida pregressa ou o modo de ser da vítima na apuração dos crimes de violência sexual. A decisão impôs um novo paradigma cultural ao reforçar que a responsabilidade recai exclusivamente sobre o agressor e que nada no comportamento da vítima pode justificar a violência sofrida.  

Proteção dos povos indígenas  

Em 2009, no julgamento da PET 3388, o STF determinou que o Executivo concluísse a demarcação da Reserva Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. Marcada por conflitos entre indígenas e não indígenas, a área foi reconhecida como pertencente às etnias Macuxi, Wapixana, Patamona, Ingaricó e Taurepang, abrindo caminho para um novo entendimento sobre os direitos indígenas no Brasil.  

Em 2023, o STF decidiu, no RE 1017365, que a promulgação da Constituição de 1988 não pode servir como marco temporal para a demarcação de terras indígenas. O entendimento assegurou o direito à terra também às comunidades removidas à força, mas que permanecem historicamente ligadas a seus territórios, e teve efeito direto em mais de 300 processos de demarcação.  

Igualdade racial  

Em 2012, o STF declarou constitucional o sistema de cotas étnico-raciais nas universidades, reconhecendo a desigualdade histórica no acesso ao ensino superior enfrentada por pessoas pretas, pardas e indígenas. O entendimento, firmado no julgamento da ADPF 186, alcançou os concursos públicos em 2017, no sentido de garantir cotas à população negra e ampliar sua presença no serviço público.  

Em 2018, o Supremo decidiu que os quilombolas podem se identificar como membros de suas comunidades para garantir o reconhecimento e a regularização das terras que ocupam. A medida, definida no julgamento da ADI 3239, abriu caminho para que mais de 1,3 milhão de brasileiros tenham seus territórios oficialmente reconhecidos.  

Já em 2021, no HC 154248, a Corte estabeleceu que a injúria racial é uma espécie de racismo e, portanto, é imprescritível. A decisão amplia a possibilidade de que os autores do crime sejam punidos com o rigor da lei, não importando quando o tenham cometido.    

Comunidade LGBTQIAPN+  

Em 2011, o STF reconheceu a união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, com a mesma proteção jurídica das uniões heterossexuais. A decisão, no julgamento conjunto da ADPF 132 e da ADI 4277, abriu caminho para que casais homoafetivos tivessem reconhecidos direitos como herança, pensão, inclusão em planos de saúde, adoção conjunta, benefícios previdenciários, partilha de bens e declaração conjunta do Imposto de Renda.  

Em 2018, o STF julgou a ADI 4275 e garantiu às pessoas trans o direito de alterar nome e gênero no registro civil, sem necessidade de cirurgia ou decisão judicial: basta a manifestação de vontade para retificar os documentos. No ano seguinte, a Corte analisou o MI 4733 e a ADO 26 e concluiu pela equiparação do crime de homofobia ao de racismo, até que o Congresso Nacional legisle sobre o tema.  Já em 2020, nas ADPFs 460, 461 e 465 e nas ADIs 5580, 6038 e 5537, o Tribunal considerou inconstitucional proibir que escolas ensinem sobre orientação sexual e de gênero.   

Pessoas com deficiência e idosos 

Em 2013, ao analisar a RCL 4374 e o RE 580963, o STF flexibilizou os critérios para concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC) a pessoas idosas ou com deficiência que não conseguem se sustentar, considerando estudos da ONU que mostram que, em países de baixa renda, elas têm 50% mais chances de enfrentar gastos extras com saúde.   

Já em 2022, a Corte julgou o RE 1237867 e garantiu a servidores estaduais e municipais que sejam pais ou responsáveis legais por pessoas com deficiência o direito à jornada especial, sem compensação ou corte de salário. A decisão dialoga com pesquisas que apontam que mães solteiras nessas condições têm menor probabilidade de participar do mercado de trabalho do que aquelas com filhos sem deficiência.  

(Gustavo Aguiar/CR//CF)   

Com informações do STF

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