A rotina de trabalho começava por volta da uma hora da tarde e seguia até às duas horas da madrugada. O cumprimento da jornada de 13 horas ocorreu por cerca de dois anos e meio e implicou condenação à empresa BRF ao pagamento pelo dano moral causado ao empregado do frigorífico.
Na reclamação trabalhista, o ex-supervisor de produção da unidade da BRF no município de Várzea Grande (MT) relatou que o longo expediente se devia ao fato de ter que chegar às 13h para acompanhar a produção no setor de abate, que começava no início da tarde, seguindo pela produção do setor de evisceração, a partir das 16h, e, por fim, o setor de miúdos, cujas atividades iam das 18h às 2h do outro dia. Só então podia ir embora.
Além disso, mesmo fora do horário de expediente, se mantinha ligado aos assuntos do trabalho por meio do celular, pelo qual tinha que repassar informações a seu superior.
A empresa afirmou, em sua defesa, que o supervisor não trabalhava em jornada excessiva, sendo observado o limite definido por lei. Informou que a jornada era das 14h às 23h48, ou das 16h às 01h48, de segunda a sexta-feira, com uma hora de intervalo.
Entretanto, após analisar os depoimentos do representante da empresa e das testemunhas indicadas tanto pelo trabalhador quanto pelo frigorífico, além do registro de ponto e mensagens eletrônicas trocadas entre o supervisor e seu superior hierárquico, o juiz Pedro Ivo Nascimento, em atuação na 3ª Vara do Trabalho de Várzea Grande, concluiu que o empregado esteve submetido a um regime de trabalho extenuante e muito superior ao limite legal de até duas horas extras por dia.
Conforme o magistrado, a jornada exaustiva e as constantes mensagens de texto que lhe eram encaminhadas fora do expediente revelam que o supervisor não tinha respeitado o seu direito ao lazer e desconexão, vitais para a saúde física e mental de qualquer pessoa, além de direitos fundamentais reconhecidos no artigo 6º da Constituição da República.
Ele ressaltou que não é o caso de ignorar a Súmula do TRT de Mato Grosso, quanto a não se presumir a ocorrência de danos morais ou existenciais pela prestação de trabalho extraordinário constante. “Contudo, evidencia-se que o trabalho de 13h seguidas por cinco dias na semana durante mais de dois anos seguidos, com a constante importunação por parte do superior hierárquico com o envio de mensagens sobre assuntos ligados ao trabalho, fora da jornada de trabalho do empregado, evidencia sim ofensa a essa esfera da dignidade humana”, assinalou.
Isso porque, explicou o magistrado, é possível deduzir, a partir do próprio senso comum, que em tais circunstância o trabalhador estava impossibilitado de exercer com qualidade outras dimensões de sua vida, “a exemplo do convívio social com a família e amigos, praticar esportes ou exercícios físicos, estudar ou participar de alguma prática religiosa, ou mesmo simplesmente conseguir permanecer em ócio completo sem ter que se preocupar com questões afetas ao trabalho fora do horário destinado a tal”.
Assim, após concluir que a conduta da empresa de exigir jornada extenuante e não permitir o descanso do empregado feriu os princípios da dignidade da pessoa humana e da valorização social do trabalho, previstos no artigo 1º da Constituição, o juiz concluiu pela necessidade de a empresa reparar o dano, condenando-a a pagar R$ 7 mil ao supervisor.
Para a fixação do valor, o magistrado levou em consideração os critérios estabelecidos pelo artigo 223-G incluído na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) pela Lei 13.467 de 2017, entre eles a intensidade do sofrimento, os reflexos pessoais e sociais da ação ou da omissão, a extensão e a duração dos efeitos da ofensa, o grau de dolo ou culpa e a situação social e econômica das partes envolvidas.
Fonte:TRT23