“O dolo consiste no emprego de meios astuciosos ou ardilosos, por um dos litigantes, atentatórios ao dever de lealdade e boa-fé, com o objetivo de impedir ou de dificultar a ação do adversário”. A citação do jurista Manoel Antônio Teixeira Filho compôs fundamentação de voto da desembargadora Nise Pedroso Lins de Sousa, que deu provimento parcial à Ação Rescisória proposta pelo Ministério Público do Trabalho em Pernambuco (MPT-PE), de modo a desconstituir acordo firmado entre a empresa Máximo Alimentos Ltda. e seu ex-diretor, por evidência de fraude. A referida conciliação foi pactuada no valor de R$ 1.615.000,00 (um milhão, seiscentos e quinze mil). A decisão foi unânime entre os membros do Pleno do Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região (TRT-PE).
Conforme o MPT-PE, o ex-empregado e autor da ação informou propositalmente endereço errado da companhia demandada, com o intuito de requerer citação por edital, obter a revelia desta e, assim, constituir crédito trabalhista em valor elevadíssimo, calculado sobre uma remuneração mensal in natura (também chamado de salário utilidade) e vultosas comissões pagas sem registro em contracheque.
A desembargadora relatora observou que o reclamante era diretor comercial da empresa quando esta mudou de endereço em novembro de 2009 e, novamente, em dezembro do mesmo ano, cujas alterações foram devidamente registradas nos atos constitutivos da sociedade. Concluiu, a magistrada, não ser crível que o autor da reclamação trabalhista não soubesse dessa ocorrência, em especial diante de seu alto cargo de gestão, a quem incumbia ‘acompanhar todo o processo de implantação e desenvolvimento das atividades da empresa em Pernambuco’.
Na ação rescisória, o MPT-PE também alegou que a fraude não partiu somente do ex-empregado, mas de um conluio com os antigos sócios da Máximo Alimentos Ltda. Para justificar a acusação, disse que a pessoa que compareceu à audiência de conciliação na Vara do Trabalho como representante da empresa, em agosto de 2015, na verdade, já havia deixado de ter cota-parte no negócio desde 2009, não tendo titularidade para representar a companhia em juízo naquela situação. No evento, o empresário confirmou como correto o endereço informado pelo reclamante na petição inicial da ação trabalhista, apesar de ele mesmo, quando ainda sócio, ter formalizado a sétima alteração contratual da sociedade, justamente registrando nova localização.
“Daí já se infere nebuloso comportamento, ainda que não se possa afirmar, com segurança, estar caracterizada a apontada colusão”, afirmou a magistrada. Na audiência foi homologado o acordo para pagamento de R$ 1,6 milhão ao antigo funcionário, de forma parcelada. A quitação dessas prestações, contudo, recaiu para a Urbano Agroindustrial Ltda. por sucessão empresarial da Máximo Alimentos Ltda.
Outra questão ressaltada pelo MPT-PE é que os depósitos das parcelas do acordo têm sido feitos em conta bancária de pessoa jurídica estranha à lide e que não pertence ao reclamante do processo. Procedimento este que, conforme a instituição pública, resulta em prejuízos ao erário, em razão da forma de calcular e cobrar o Imposto de Renda.
Vale destacar, também, que os dois antigos sócios da Máximo Alimentos Ltda. (o que participou da audiência de conciliação e um segundo) ingressaram com ação anulatória, na Justiça Comum, para invalidar a venda da empresa efetuada no fim de 2009. Esse processo foi ajuizado em 2015, cinco anos após a conclusão do negócio. Ocorre que um desses novos donos, quando intimado, falou ser vaqueiro e nunca ter participado da sociedade da empresa.
Diante de todo esse cenário, a desembargadora Nise Pedroso concluiu evidente o dolo da parte vencedora em informar o endereço errado, em fraude à lei e, ainda, implicando prejuízo a terceiros. E rescindiu a sentença que homologou o acordo, extinguindo o feito sem resolução do mérito, e determinando a devolução das parcelas já recebidas pelo autor da ação, condenando-o ao pagamento de multa e indenização no importe de R$ 5.000,00 (10%) e R$ 10.000,00 (20%), respectivamente, calculados sobre o valor atribuído à causa na reclamação trabalhista (R$ 50.000,00), além de custas processuais no valor de R$ 32.800,00.
Por outro lado, julgou não existir prova capaz de revelar a participação da Máximo Alimentos Ltda. ou da Urbano Agroindustrial Ltda. na fraude. E, também, de conduta antiprofissional do advogado representante do reclamante, por compreender que este teria atuado com base nas informações prestadas por seu cliente. Desse modo, o Pleno indeferiu os pedidos do MPT-PE relativos à responsabilização desses e expedições de ofícios.
Fonte: TRT 6