Imagine a seguinte situação hipotética:

“Laís da Silva Fialho” participou de um
concurso de Juiz de Direito que foi anulado sob suspeita de fraude.

Seu nome constou em algumas reportagens
como sendo uma das eventuais beneficiárias do ilícito.

As investigações chegaram ao fim e não
foi provado que Laís tenha participado da suposta fraude.

Já se passaram mais de 10 anos desse
episódio. Apesar disso, quando se digita o nome completo de Laís no Google
aparecem várias menções à fraude, sem que exista qualquer reportagem que afirme
que ela foi inocentada.

Ação de obrigação de fazer

Diante disso, Laís ajuizou ação de
obrigação de fazer contra a Google Brasil Internet Ltda. pedindo a desindexação,
nos resultados das aplicações de busca mantida pela empresa, de notícias
relacionadas às suspeitas de fraude no referido concurso.

A autora alegou que a indexação desses
conteúdos causa danos à sua dignidade e à sua privacidade e, assim, requer a
filtragem dos resultados de buscas que utilizem seu nome como parâmetro, a fim
de desvinculá-la das mencionadas reportagens.

O pedido de Laís foi baseado, dentre
outros argumentos, no chamado “direito ao esquecimento”.

Os buscadores da internet (exs: Google,
Bing, Yahoo etc.) possuem responsabilidade pelos resultados de busca
apresentados?

NÃO. O STJ tem entendimento reiterado
no sentido de afastar a responsabilidade de buscadores da internet pelos
resultados de busca apresentados, reconhecendo a impossibilidade de lhe
atribuir a função de censor e impondo ao prejudicado o direcionamento de sua
pretensão contra os provedores de conteúdo, responsáveis pela disponibilização
do conteúdo indevido na internet.

Em outras palavras, em vez de ingressar
com a ação contra o Google (provedor de aplicação de busca na Internet), a
pessoa prejudicada pela notícia deve propor a demanda contra o site que a
divulga (provedor de conteúdo).

Essa é a REGRA GERAL.

Qual é a razão desse entendimento? Por
que os buscadores da internet não possuem responsabilidade pelos resultados
apresentados?

Os sites de busca (cujo maior exemplo,
mas não o único, é o Google) são uma ferramenta para que “o usuário realize
pesquisas acerca de qualquer assunto ou conteúdo existente na web, mediante
fornecimento de critérios ligados ao resultado desejado, obtendo os respectivos
links das páginas onde a

informação pode ser localizada” (STJ. 3ª
Turma. REsp 1.316.921/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 29/6/2012).

O site de busca fornece, portanto, uma espécie
de índice do conteúdo disponível na internet, qualquer que seja esse conteúdo,
facilitando o acesso às informações disponíveis, livre de qualquer filtragem ou
censura prévia.

Os provedores de pesquisa realizam suas
buscas dentro de um universo virtual, cujo acesso é público e irrestrito, ou
seja, seu papel se restringe à identificação de páginas na web onde determinado
dado ou informação, ainda que ilícito, estão sendo livremente veiculados.

Dessa forma, ainda que seus mecanismos
de busca facilitem o acesso e a consequente divulgação de páginas cujo conteúdo
seja potencialmente ilegal, fato é que essas páginas são públicas e compõem a
rede mundial de computadores e, por isso, aparecem no resultado dos sites de
pesquisa. Ora, se a página possui conteúdo ilícito, cabe ao ofendido adotar
medidas para que haja a supressão da página e, com isso, automaticamente, ele
não mais aparecerá nos resultados de busca virtual dos sites de pesquisa.

Foi o que decidiu o STJ no caso da ação
proposta pela apresentadora Xuxa, que ingressou com uma ação contra o Google
objetivando compelir a empresa a remover do seu site de pesquisas os resultados
relativos à busca pela expressão “xuxa pedófila”. Veja trecho da ementa:

(…) 6. Os provedores de pesquisa não
podem ser obrigados a eliminar do seu sistema os resultados derivados da busca
de determinado termo ou expressão, tampouco os resultados que apontem para uma
foto ou texto específico, independentemente da indicação do URL da página onde
este estiver inserido.

7. Não se pode, sob o pretexto de dificultar
a propagação de conteúdo ilícito ou ofensivo na web, reprimir o direito da
coletividade à informação. Sopesados os direitos envolvidos e o risco potencial
de violação de cada um deles, o fiel da balança deve pender para a garantia da
liberdade de informação assegurada pelo art. 220, § 1º, da CF/88, sobretudo
considerando que a Internet representa, hoje, importante veículo de comunicação
social de massa. (…)

STJ. 3ª Turma. REsp 1316921/RJ, Rel. Min.
Nancy Andrighi, julgado em 26/06/2012.

Circunstâncias excepcionalíssimas

Há, todavia, circunstâncias
excepcionalíssimas em que é necessária a intervenção pontual do Poder
Judiciário para fazer cessar o vínculo criado, nos bancos de dados dos
provedores de busca, entre dados pessoais e resultados da busca, que não
guardam relevância para interesse público à informação, seja pelo conteúdo
eminentemente privado, seja pelo decurso do tempo.

Nessas situações excepcionais, o
direito à intimidade e ao esquecimento, bem como a proteção aos dados pessoais
deverá preponderar, a fim de permitir que as pessoas envolvidas sigam suas
vidas com razoável anonimato, não sendo o fato desabonador corriqueiramente
rememorado e perenizado por sistemas automatizados de busca.

Caso concreto

No exemplo dado no início desta
explicação, Laís não pretende a responsabilização civil do Google.

O que ela argumenta é que o resultado
mais relevante obtido a partir da busca de seu nome, após mais de anos dos
fatos, é a notícia de que apontava que ela supostamente participou de uma fraude
em concurso público, como se não houvesse nenhum desdobramento da notícia, nem
fatos novos relacionados ao seu nome.

A manutenção desses resultados acaba
por retroalimentar o sistema, uma vez que, ao realizar a busca pelo nome de Laís
e se deparar com a notícia, o cliente acessará o conteúdo – até movido por
curiosidade despertada em razão da exibição do link – reforçando, no sistema
automatizado, a confirmação da relevância da página catalogada.

Assim, é imprescindível a atuação pontual
do Poder Judiciário para, em casos excepcionalíssimos, quebrar a vinculação
eternizada pelos sites de busca, desassociando os dados pessoais do resultado
cuja relevância se encontra superada pelo decurso do tempo. Essa é a essência do
direito ao esquecimento: não se trata de efetivamente apagar o passado, mas de permitir
que a pessoa envolvida siga sua vida com razoável anonimato, não sendo o fato desabonador
corriqueiramente rememorado e perenizado por sistemas automatizados de busca.

Por outro lado, aqueles que quiserem
ter acesso a informações relativas a fraudes em concurso público, não terão seu
direito de acesso impedido. Esses resultados continuarão a aparecer no Google,
mas desde que a pessoa procure o nome de Laís em conjunto com fraude no
concurso público.

Em outras palavras, o STJ afirmou o
seguinte: o Google não precisa retirar de seus resultados as notícias de Laís
relacionadas com a suposta fraude no concurso. Mas para que esses resultados
apareçam será necessário que o usuário faça uma pesquisa específica com
palavras-chaves que remetam à fraude. Por outro lado, se a pessoa digitar
unicamente o nome completo de Laís, sem qualquer outra informação, não se deve
mais aparecer os resultados relacionados com este fato desabonador que foi noticiado
há muitos anos.

Solução conciliadora

Tem-se, assim, uma via conciliadora do
livre acesso à informação e do legítimo interesse individual, porque não serão
excluídos da busca referências ao nome de Laís no evento da fraude ao concurso
público. O que se evitará é, tão somente, que uma busca exclusiva com o seu
nome completo dê como resultado mais relevante esse fato desabonador noticiado
há uma década, impedindo a superação daquele momento.

Dito de outro modo, o STJ não
determinou a retirada do resultado do “índice” do Google; o Tribunal determinou
apenas a “reordenação” do índice.

Esse entendimento reforça a compreensão
de que o direito ao esquecimento tutela a pretensão de se retornar ao estado de
anonimato, do qual se foi retirado pela ocorrência ou notícia do fato
desabonador, o que deve ser realizado, especialmente, quando não acarrete
prejuízo à liberdade de expressão, à memória histórica e ao direito de informar
(BRANCO, Sérgio. Memória e esquecimento na internet. Porto Alegre: Arquipélago
editorial, 2017, p. 151).

Em suma:

Determinada pessoa se envolveu em uma suspeita de fraude há
mais muitos anos, tendo sido inocentada das acusações.

Ocorre que todas as vezes que digita seu nome completo no
Google e demais provedores de busca, os primeiros resultados que aparecem até
hoje são de páginas na internet que trazem reportagens sobre seu suposto
envolvimento com a fraude.

Diante disso, ela ingressou com ação de obrigação de fazer
contra o Google pedindo a desindexação, nos resultados das aplicações de busca
mantida pela empresa, de notícias relacionadas às suspeitas de fraude no referido
concurso. Invocou, como fundamento, o direito ao esquecimento.

O STJ afirmou o seguinte: em regra, os provedores de busca
da internet (ex: Google) não tem responsabilidade pelos resultados de busca
apresentados. Em outras palavras, não se pode atribuir a eles a função de
censor, obrigando que eles filtrem os resultados das buscas, considerado que
eles apenas espelham o conteúdo que existe na internet. A pessoa prejudicada deverá
direcionar sua pretensão contra os provedores de conteúdo (ex: sites de notícia),
responsáveis pela disponibilização do conteúdo indevido na internet.

Há, todavia, circunstâncias excepcionalíssimas em que é
necessária a intervenção pontual do Poder Judiciário para fazer cessar o
vínculo criado, nos bancos de dados dos provedores de busca, entre dados
pessoais e resultados da busca, que não guardam relevância para interesse
público à informação, seja pelo conteúdo eminentemente privado, seja pelo
decurso do tempo.

Nessas situações excepcionais, o direito à intimidade e ao
esquecimento, bem como a proteção aos dados pessoais deverá preponderar, a fim
de permitir que as pessoas envolvidas sigam suas vidas com razoável anonimato,
não sendo o fato desabonador corriqueiramente rememorado e perenizado por
sistemas automatizados de busca.

No caso concreto, o STJ determinou que deveria haver a
desvinculação da pesquisa com base no nome completo da autora com resultados
que levassem às notícias sobre a fraude. Em outras palavras, o STJ afirmou o
seguinte: o Google não precisa retirar de seus resultados as notícias da autora
relacionadas com a suposta fraude no concurso. Mas para que esses resultados
apareçam será necessário que o usuário faça uma pesquisa específica com
palavras-chaves que remetam à fraude. Por outro lado, se a pessoa digitar
unicamente o nome completo da autora, sem qualquer outro termo de pesquisa que
remete à suspeita de fraude, não se deve mais aparecer os resultados relacionados
com este fato desabonador.

Assim, podemos dizer que é possível determinar o rompimento
do vínculo estabelecido por provedores de aplicação de busca na internet entre
o nome de prejudicado, utilizado como critério exclusivo de busca, e a notícia
apontada nos resultados.

O rompimento do referido vínculo sem a exclusão da notícia compatibiliza
também os interesses individual do titular dos dados pessoais e coletivo de
acesso à informação, na medida em que viabiliza a localização das notícias
àqueles que direcionem sua pesquisa fornecendo argumentos de pesquisa
relacionados ao fato noticiado, mas não àqueles que buscam exclusivamente pelos
dados pessoais do indivíduo protegido.

STJ. 3ª
Turma. REsp 1.660.168-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, Rel. Acd. Min. Marco
Aurélio Bellizze, julgado em 08/05/2018 (Info 628).

Relativização do entendimento
tradicional

Não se pode dizer que houve uma mudança
total de entendimento do STJ (caso “Xuxa”), mas o presente julgado representa
uma importantíssima relativização da posição tradicional do STJ.

Tribunal de Justiça Europeu

Vale ressaltar que a nova decisão do
STJ neste REsp 1.660.168-RJ está em harmonia com o que foi recentemente
decidido pelo Tribunal de Justiça Europeu. Isso porque, em 13/05/2014, o
Tribunal de Justiça Europeu, com fundamento na Diretiva 95/46/CE do Parlamento
Europeu e do Conselho, de 24 de outubro de 1995, relativa à proteção de dados
pessoais, decidiu que:

I. Um provedor de aplicação de buscas deve ser considerado
responsável pelos dados pessoais, nos termos da legislação europeia;

II. A responsabilidade existe mesmo quando o servidor do
provedor de aplicação de buscas se encontra fora do território europeu;

III. Preenchidos os requisitos legais, um provedor de aplicação
de buscas é obrigado a suprimir da lista de resultados, exibida na sequência de
uma pesquisa efetuada a partir do nome de uma pessoa, as conexões a outras páginas
web publicadas por terceiros e que contenham informações sobre essa pessoa,
mesmo quando a sua publicação nas referidas páginas seja, em si mesma, lícita;

IV. O indivíduo, ao exercer seu direito ao esquecimento, não
pode causar prejuízo a outra pessoa. Em princípio, esse direito prevalece sobre
o interesse econômico do buscador e sobre o interesse público em acessar a informação
numa pesquisa sobre o nome dessa pessoa. No entanto, não será esse caso se
houver razões especiais (por exemplo, se o requerente houver desempenhado
relevante papel na vida pública).

Artigo Original em Dizer o Direito

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