Lei 13.934/2019: regulamenta o contrato de desempenho, previsto no § 8º do art. 37 da Constituição Federal


Olá, amigos do Dizer o Direito,

Foi publicada hoje a Lei nº
13.934/2019, que regulamenta o contrato referido no § 8º do art. 37 da
Constituição Federal, denominado “contrato de desempenho”, no âmbito da
administração pública federal direta de qualquer dos Poderes da União e das
autarquias e fundações públicas federais.

Vamos entender melhor o tema.

O chamado “contrato de
gestão” previsto no § 8º do art. 37 da CF/88

O art. 37, § 8º da CF/88 prevê
que…

– a autonomia gerencial
(administrativa), orçamentária e financeira

– dos órgãos e entidades da
administração pública direta e indireta

– poderá ser ampliada

– caso os administradores desses
órgãos e entidades

– assinem um “contrato” com o
poder público

– e nesse ajuste se obriguem a
cumprir determinadas metas de desempenho.

Veja a redação do dispositivo:

Art. 37 (…)

§ 8º A autonomia gerencial,
orçamentária e financeira dos órgãos e entidades da administração direta e
indireta poderá ser ampliada mediante contrato, a ser firmado entre seus administradores e o
poder público, que tenha por objeto a fixação de metas de desempenho para o
órgão ou entidade, cabendo à lei dispor sobre:

I – o prazo de duração do contrato;

II – os controles e critérios de
avaliação de desempenho, direitos, obrigações e responsabilidade dos
dirigentes;

III – a remuneração do pessoal.

A doutrina denominava esse
instrumento de “contrato de gestão”.

Vejam como
Ricardo Alexandre e João de Deus explicam, com extrema didática, o tema:

“O contrato de
gestão, também conhecido por acordo-programa, é uma espécie de ajuste feito
entre, de um lado, a Administração Direta e, de outro, órgãos da própria
Administração Direta ou entidades da Administração Indireta ou, ainda,
entidades do chamado Terceiro Setor. O objetivo do contrato de gestão é o
atingimento de determinadas metas de desempenho pelos órgãos ou entidades em
troca de determinado benefício concedido pelo Poder Público.

A menção
expressa ao contrato de gestão na Constituição Federal ocorreu com a alteração
promovida pela EC 19/1998, que introduziu o § 8º no art. 37 da Carta Magna
(….)

Como se
percebe, o dispositivo constitucional menciona apenas a palavra contrato, sem
qualificá-lo expressamente como “de gestão”. Não obstante, conforme
entendimento unânime da doutrina, o “contrato” a que alude o § 8º no art. 37 da
Constituição Federal é o “contrato de gestão”.

A finalidade
última do contrato de gestão é a mesma pretendida pela administração pública
gerencial (public management), qual seja a busca da eficiência (melhoria
dos resultados qualitativos e quantitativos). Para alcançar a eficiência, o
contrato de gestão deve fixar metas de desempenho e conceder maior autonomia às
entidades ou órgãos administrativos (flexibilizando os controles rotineiros),
passando a priorizar o controle de resultados, feito a posteriori.

(…)

Em resumo,
podemos afirmar que o contrato de gestão surgiu como uma das novidades
jurídicas implementadas pela Reforma Administrativa, a qual, buscando tornar
mais eficiente a prestação de serviços públicos, propôs-se a implantar no
Brasil a administração pública gerencial. Dentro desse contexto, o contrato de
gestão se constitui em instrumento destinado à concretização do princípio da
eficiência, mudando o foco do controle, que deixa de ser os procedimentos e
passa a ser os resultados.” (ALEXANDRE, Ricardo; DEUS, João de. Direito Administrativo
esquematizado
. São Paulo: Método, 2015, p. 183-184).

Espécies de contrato de
gestão

É possível identificar
a existência de duas espécies de contrato de gestão. Vou resumi-las abaixo:

Contrato de gestão* do § 8º do art. 37 da CF/88
(contrato de gestão interno ou endógeno)

Contrato de gestão
da Lei nº 9.637/98 (contrato de gestão externo ou exógeno)

Assinado
entre o Poder Público e os administradores dos órgãos entidades da Administração
Pública.

Assinado
entre o Poder Público e a entidade qualificada como organização social (OS).

Organização
social são pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos,
prestadoras de atividades de interesse público e que, por terem preenchido
determinados requisitos previstos na Lei 9.637/98, recebem essa qualificação de
“organização social”.

Finalidades:


ampliar a autonomia gerencial, orçamentária e financeira dos órgãos e
entidades da administração direta e indireta mediante a fixação de metas de
desempenho para esse órgão ou entidade;


serve como um dos requisitos necessários para que as autarquias e fundações
públicas federais possam ser qualificadas como agências executivas.

A
finalidade deste contrato é formar uma parceria com o Poder Público para que
a organização social possa ter incentivos para executar suas atividades de ensino,
pesquisa científica etc.

No
contrato de gestão serão listadas as atribuições, responsabilidades e
obrigações do Poder Público e da organização social.

O
contrato de gestão deve ser submetido ao Ministro de Estado da área
correspondente à atividade fomentada. Ex: se a OS desenvolve atividades de
saúde, quem aprovará o contrato será o Ministro da Saúde.

* com a Lei nº 13.934/2019 passa
a ser chamado de “contrato de desempenho”.

Críticas da doutrina à
expressão “contrato”

A doutrina administrativista
critica bastante a utilização da palavra “contrato” no § 8º do art. 37 da
CF/88. Rafael Oliveira, por exemplo, aponta duas impropriedades:

“a) impossibilidade da figura do ‘contrato
consigo mesmo’ ou autocontrato: em razão da ausência de personalidade jurídica
do órgão, a sua atuação é imputada à respectiva pessoa jurídica, motivo pelo
qual a pessoa jurídica estabeleceria direitos e obrigações para ela mesma;

b) inexistência de interesses
contrapostos: no ‘contrato de gestão’ não há interesses antagônicos,
característica tradicional dos contratos, mas, sim, interesses comuns e
convergentes dos partícipes, o que revelaria a natureza de ato complexo ou de
acordo administrativo do ajuste.

Por
essas razões, o ‘contrato de gestão’ do art. 37, § 8º, da CRFB deve ser
encarado como verdadeiro ato administrativo complexo (convênio) ou acordo
administrativo. Em consequência, cada Ente federado terá autonomia para
regulamentar, por meio de lei ordinária, o art. 37, § 8º, da CRFB.” (OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de Direito
Administrativo
. São Paulo: Método, 2017
, p. 180).

Regulamentação
infraconstitucional

A Lei nº 13.934/2019 regulamenta
o contrato previsto no § 8º do art. 37 da Constituição Federal no âmbito da
administração pública federal direta de qualquer dos Poderes da União e das
autarquias e fundações públicas federais.

Vamos verificar os principais
pontos dessa regulamentação.

Lei conferiu nome diverso
daquele que era dado pela doutrina

Conforme vimos acima, a doutrina
denominou de “contrato de gestão” o ajuste previsto no art. 37, § 8º da CF/88.

A Lei nº 13.934/2019, contudo,
adotou outra nomenclatura e denominou este ajuste de “contrato de desempenho”.

Agiu corretamente o legislador
considerando que a Lei nº 9.637/98 fala em “contrato de gestão” para um ajuste
completamente diferente. Com isso, evita-se confusões.

Desse modo, a partir da Lei nº
13.934/2019, acabam as duas espécies de “contrato de gestão” e temos agora o
seguinte cenário:

• Contrato do § 8º do art. 37 da
CF/88: contrato de desempenho (Lei nº 13.934/2019);

• Contrato entre o Poder Público
e a organização social: contrato de gestão (Lei nº 9.637/98).

Conceito de contrato de
desempenho

Contrato de desempenho é o acordo
celebrado entre…

– o órgão ou entidade supervisora
(de um lado)

– e o órgão ou entidade
supervisionada (de outro)

– tendo como objetivo estabelecer
metas de desempenho para o órgão ou entidade supervisionada

– devendo ser estipulados prazos para
a execução das tarefas e indicadores de qualidade

– e, em contrapartida, o órgão ou
entidade supervisionada recebe flexibilidades ou autonomias especiais.

Veja a redação do texto legal:

Art. 2º Contrato de desempenho é o acordo celebrado entre o órgão
ou entidade supervisora e o órgão ou entidade supervisionada, por meio de seus
administradores, para o estabelecimento de metas de desempenho do
supervisionado, com os respectivos prazos de execução e indicadores de
qualidade, tendo como contrapartida a concessão de flexibilidades ou autonomias
especiais.

O contrato de desempenho
constitui:

• para o supervisor, uma forma de
autovinculação;

• para o supervisionado, uma condição
para a fruição das flexibilidades ou autonomias especiais.

O que é meta de desempenho?

Meta de desempenho é o nível
desejado de atividade ou resultado.

Deve ser estipulada de forma
mensurável e objetiva para determinado período.

O que é indicador de qualidade?

Indicador de qualidade é o
referencial utilizado para avaliar o desempenho do supervisionado.

O que são flexibilidade e
autonomias especiais?

É a ampliação da autonomia
gerencial, orçamentária e financeira do supervisionado.

Quais são as flexibilidades
e autonomias especiais que podem ser concedidas?

O contrato de desempenho poderá
conferir ao supervisionado, pelo período de sua vigência, as seguintes
flexibilidades e autonomias especiais, sem prejuízo de outras previstas em lei
ou decreto:

I – definição de estrutura
regimental, sem aumento de despesas, conforme os limites e as condições
estabelecidos em regulamento;

II – ampliação de autonomia
administrativa quanto a limites e delegações relativos a:

a) celebração de contratos;

b) estabelecimento de limites
específicos para despesas de pequeno vulto;

c) autorização para formação de
banco de horas.

Objetivo

O contrato de desempenho tem como
objetivo fundamental a promoção da melhoria do desempenho do supervisionado,
visando especialmente a:

I – aperfeiçoar o acompanhamento
e o controle de resultados da gestão pública, mediante instrumento
caracterizado por consensualidade, objetividade, responsabilidade e
transparência;

II – compatibilizar as atividades
do supervisionado com as políticas públicas e os programas governamentais;

III – facilitar o controle social
sobre a atividade administrativa;

IV – estabelecer indicadores
objetivos para o controle de resultados e o aperfeiçoamento das relações de
cooperação e supervisão;

V – fixar a responsabilidade de
dirigentes quanto aos resultados;

VI – promover o desenvolvimento e
a implantação de modelos de gestão flexíveis, vinculados ao desempenho e
propiciadores de envolvimento efetivo dos agentes e dos dirigentes na obtenção
de melhorias contínuas da qualidade dos serviços prestados à comunidade.

Cláusulas obrigatórias

O contrato de desempenho deverá
conter, entre outras, cláusulas que estabeleçam:

I – metas de desempenho, prazos
de consecução e respectivos indicadores de avaliação;

II – estimativa dos recursos
orçamentários e cronograma de desembolso dos recursos financeiros necessários à
execução das ações pactuadas, referentes a toda a vigência do contrato;

III – obrigações e
responsabilidades do supervisionado e do supervisor em relação às metas
definidas;

IV – flexibilidades e autonomias
especiais conferidas ao supervisionado;

V – sistemática de acompanhamento
e controle, contendo critérios, parâmetros e indicadores a serem considerados
na avaliação do desempenho;

VI – penalidades aplicáveis aos
responsáveis, em caso de falta pessoal que provoque descumprimento
injustificado do contrato;

VII – condições para revisão,
prorrogação, renovação, suspensão e rescisão do contrato;

VIII – prazo de vigência, não
superior a 5 anos nem inferior a 1 ano.

Obrigações formais do
supervisionado quanto ao contrato

O supervisionado deve:

I – publicar o extrato do
contrato em órgão oficial, sendo a publicação condição indispensável para a
eficácia do contrato;

II – promover ampla e integral
divulgação do contrato por meio eletrônico.

Obrigações dos
administradores do supervisionado

Constituem obrigações dos
administradores do supervisionado:

I – promover a revisão dos
processos internos para sua adequação ao regime especial de flexibilidades e
autonomias, com definição de mecanismos de controle interno;

II – alcançar as metas e cumprir
as obrigações estabelecidas, nos respectivos prazos.

Obrigações dos
administradores do supervisor

Constituem obrigações dos
administradores do supervisor:

I – estruturar procedimentos
internos de gerenciamento do contrato de desempenho e acompanhar e avaliar os
resultados, de acordo com os prazos, os indicadores e as metas de desempenho
pactuados;

II – dar orientação técnica ao
supervisionado nos processos de prestação de contas.

O que acontece se as metas
não forem atingidas

O não atingimento de metas
intermediárias, comprovado objetivamente, dá ensejo, mediante ato motivado, à
suspensão do contrato e da fruição das flexibilidades e autonomias especiais,
enquanto não houver recuperação do desempenho ou repactuação das metas.

Rescisão do contrato

O contrato poderá ser rescindido:

• por acordo entre as partes ou

• por ato do supervisor nas
hipóteses de insuficiência injustificada do desempenho do supervisionado ou de
descumprimento reiterado das cláusulas contratuais.

Regulamentação

Os chefes dos Poderes editarão,
por atos normativos próprios:

I – os órgãos ou entidades
supervisores responsáveis por analisar, aprovar e assinar o contrato;

II – os requisitos gerenciais e
demais critérios técnicos a serem observados para celebrar o contrato de
desempenho.

Vigência

A Lei nº 13.934/2019 entra em vigor
após decorridos 180 dias de sua publicação oficial, ou seja, em 09/06/2020.

Artigo Original em Dizer o Direito

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