Lei de Abuso de Autoridade – parte 2


DECRETAÇÃO DE MEDIDA PRIVATIVA DE LIBERDADE
EM DESCONFORMIDADE COM A LEI

Art. 9º Decretar medida de
privação da liberdade em manifesta desconformidade com as hipóteses legais:

Pena – detenção, de 1 (um) a 4
(quatro) anos, e multa.

Parágrafo único. Incorre na mesma
pena a autoridade judiciária que, dentro de prazo razoável, deixar de:

I – relaxar a prisão
manifestamente ilegal;

II – substituir a prisão
preventiva por medida cautelar diversa ou de conceder liberdade provisória,
quando manifestamente cabível;

III – deferir liminar ou ordem de
habeas corpus, quando manifestamente cabível.

CRIME DO
CAPUT

Em que consiste o delito:

A autoridade judicial decreta
medida privativa de liberdade em desacordo com as hipóteses autorizadas pela lei.

Medidas de privação de liberdade

Medidas de privação de liberdade
previstas no ordenamento jurídico e que podem ser objeto deste crime:

• Prisão cautelar (prisão
temporária, prisão preventiva);

• Prisão para cumprimento da
execução provisória da pena;

• Prisão para cumprimento da
execução definitiva da pena;

• Medida de segurança detentiva
(internação) (art. 96, I, do CP);

• Semiliberdade (art. 120 do ECA);

• Internação (art. 121 do ECA);

• Internação psiquiátrica (art.
6º da Lei nº 10.216/2001).

Sujeito ativo

A autoridade judicial (Juiz,
Desembargador, Ministro).

Sujeito passivo

É o Estado e também a pessoa que
teve privada a sua liberdade.

Elemento subjetivo

Dolo acrescido do elemento
subjetivo especial (finalidade específica de prejudicar outrem ou beneficiar a
si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal).

Não se pune a conduta culposa.

Consumação

O crime se consuma com a
decretação, ou seja, com a prolação da decisão determinando a medida de privação
da liberdade, ainda que ela não se consuma.

Trata-se, portanto, de crime
formal, que não depende da produção de resultado naturalístico.

Desse modo, imagine que o juiz
decreta a prisão mesmo sendo manifestamente descabida. Antes que a providência seja
cumprida, o indivíduo consegue do Tribunal uma ordem em habeas corpus cassando
a decisão de 1ª instância. Em tese, o crime estará consumado mesmo não tendo
havido a efetiva condução coercitiva.

Suspensão condicional do processo

Como a pena mínima é igual a 1 ano, cabe suspensão
condicional do processo (art. 89 da Lei nº 9.099/95).

CRIME DO
PARÁGRAFO ÚNICO

Providências que o juiz deverá
adotar diante de uma prisão em flagrante

Segundo o art. 310 do CPP, o
juiz, ao receber o auto de prisão em flagrante, deverá, fundamentadamente:

I – relaxar a prisão ilegal; ou

II – converter a prisão em
flagrante em prisão preventiva, quando: 

• estiverem presentes os
requisitos do art. 312 do CPP e

• se revelarem inadequadas ou
insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou

III – conceder liberdade
provisória, com ou sem fiança.

Os incisos I e II do parágrafo
único do art. 9º têm por objetivo principal punir o magistrado que, dentro de
prazo razoável, deixa de dar cumprimento adequado ao art. 310 do CPP.

Inciso I

A prisão ilegal deve ser relaxada
pela autoridade judiciária competente.

É o caso, por exemplo, em que o
juiz recebe o auto de prisão em flagrante e constata que o indivíduo foi preso
por conta de um fato atípico ou percebe que não havia situação de flagrância.
Nestas hipóteses, exemplificativas, cabe ao juiz relaxar a prisão do indivíduo,
colocando-o em liberdade, salvo se houver algum outro motivo para o cárcere.

Inciso II

O estudo do inciso II deve ser
dividido em duas partes:

1) deixar de “substituir a prisão
preventiva por medida cautelar diversa”.

Prisão preventiva é uma espécie
de prisão de natureza cautelar, decretada na fase das investigações ou durante
a ação penal, desde que presentes os pressupostos e requisitos previstos nos
arts. 312 e 313 do CPP.

Ocorre que a prisão preventiva é
uma medida extrema e somente deve ser decretada (ou mantida) se não couber
nenhuma outra medida cautelar. A prisão é a última das medidas cautelares que
deverá ser adotada. Assim, somente será determinada a prisão quando não for
cabível a sua substituição por outra medida cautelar (art. 282, § 6º do CPP).

O art. 319 do CPP prevê a lista
de medidas cautelares diversas da prisão:

Art. 319. São medidas cautelares
diversas da prisão:

I – comparecimento periódico em juízo,
no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar
atividades;

II – proibição de acesso ou frequência
a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o
indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de
novas infrações;

III – proibição de manter contato com
pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o
indiciado ou acusado dela permanecer distante;

IV – proibição de ausentar-se da
Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação
ou instrução;

V – recolhimento domiciliar no período
noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e
trabalho fixos;

VI – suspensão do exercício de função
pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo
receio de sua utilização para a prática de infrações penais;

VII – internação provisória do acusado
nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os
peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal)
e houver risco de reiteração;

VIII – fiança, nas infrações que a
admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução
do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial;

IX – monitoração eletrônica.

2) deixar “de conceder liberdade
provisória, quando manifestamente cabível”

Liberdade provisória é uma medida
de contracautela concedida pela autoridade judicial que, ao receber o auto de
prisão em flagrante, constata que a prisão efetuada foi legal, mas que não há
motivos para se decretar a prisão preventiva, razão pela qual o flagranteado
deverá ser solto, com ou sem a imposição de medidas cautelares diversas.

A liberdade
provisória é relacionada, portanto, com a prisão em flagrante, não sendo a
medida adequada para o caso de já ter sido decretada a prisão preventiva. Vamos
comparar e entender os institutos:

Relaxamento da prisão

Revogação da               
prisão preventiva

Liberdade provisória

É a decisão do magistrado
reconhecendo que a prisão é ilegal, ou seja, que não atende os requisitos
formais.

É a decisão do magistrado
reconhecendo que não há motivos para a prisão preventiva, devendo, portanto,
esta medida ser revogada.

É a decisão do magistrado
reconhecendo que a prisão em flagrante foi legal, mas que não há motivos para
convertê-la em prisão preventiva, motivo pelo qual o flagranteado deve ser
solto, com ou sem a imposição de medidas cautelares.

Inciso III

Deixar de “deferir liminar ou
ordem de habeas corpus, quando manifestamente cabível”.

Este inciso III é extremamente
amplo. Isso porque ele não se limita aos casos de prisão em flagrante. Na
verdade, não se restringe nem mesmo aos casos de prisão.

Explico. No Brasil, o habeas
corpus apresenta uma feição bem ampla, sendo cabível mesmo quando o paciente
não está preso e mesmo quando ato impugnado não implicar risco imediato de
prisão.

Nesse sentido, o STF recentemente
decidiu que:

Cabe habeas corpus mesmo nas hipóteses
que não envolvem risco imediato de prisão, como na análise da licitude de
determinada prova ou no pedido para que a defesa apresente por último as
alegações finais, se houver a possibilidade de condenação do paciente. Isso
porque neste caso a discussão envolve liberdade de ir e vir.

STF. 2ª Turma. HC 157627 AgR/PR, rel.
orig. Min. Edson Fachin, red.
p/ o ac.
Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 27/8/2019 (Info 949).

Assim, o inciso III do parágrafo
único do art. 9º pune, em suma, a demora no julgamento do habeas corpus.

Liminar em habeas corpus: é a
decisão concedendo o pedido formulado pelo impetrante antes que o processo de
habeas corpus chegue ao fim.

Ordem de habeas corpus: é a
decisão concedendo o pedido formulado pelo impetrante, mas já ao final do
processo de habeas corpus.

Vale relembrar que, apesar de ser
mais comum a impetração de habeas corpus nos Tribunais, existe também a
possibilidade de o juízo de 1ª instância julgar habeas corpus. É o caso, por
exemplo, em que o impetrante questiona um ato do Delegado de Polícia.

Dentro de prazo razoável

A grande dúvida e polêmica
envolvendo este tipo penal diz respeito ao conceito de “prazo razoável”.
Trata-se de conceito aberto que deverá ser analisado com base nas peculiaridades
do caso concreto.

Artigo Original em Dizer o Direito

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