Olá amigos do Dizer o Direito,
estamos preparando o Informativo 505 do STJ. No entanto, enquanto ele não é publicado,
gostaríamos de comentar um tema muito difícil e interessante que certamente
será cobrado em breve numa prova discursiva de concurso da magistratura.
A pergunta é a seguinte:
Na fase de liquidação da sentença, se o juiz entender que as provas
produzidas não foram suficientes para definir o quantum debeatur, o que ele deverá fazer?
Antes de responder a pergunta, vamos
rememorar o tema:
Liquidação
da sentença
Um dos requisitos da sentença é que ela
seja líquida.
Para o CPC, sentença líquida é aquela
que define o quantum debeatur, ou
seja, é aquela que fixa o valor da obrigação devida.
Pode acontecer, no entanto, de a
sentença prolatada ser ilíquida, isto é, não fixar o valor certo que o réu foi
condenado a pagar.
Neste caso, deverá ser realizada a
liquidação da sentença, conforme prevê o CPC:

Art. 475-A. Quando a sentença não
determinar o valor devido, procede-se à sua liquidação.

Desse modo, a liquidação da sentença é a
etapa do processo que ocorre após a fase de conhecimento e que se destina a descobrir
o valor da obrigação (quantum debeatur)
quando não foi possível fixar essa quantia diretamente na sentença.
Objetivo
da liquidação
A finalidade da liquidação é descobrir
o quantum debeatur e, assim, poder permitir
o cumprimento da sentença (execução).
É
possível que, na liquidação, não se consiga obter provas do quanto é devido ao
credor?
SIM. É possível que seja iniciada a
fase de liquidação da sentença, sejam buscadas provas para se conseguir definir
o quantum debeatur e, mesmo assim, o
juiz entenda que não foram produzidos elementos suficientes para fixar o valor
devido.
Exemplo
(julgado pelo STJ, com algumas adaptações):
Certo programa de TV divulgou,
indevidamente, imagens de uma menor em situação vexatória, fato ocorrido em
1991. A menor, devidamente, assistida por seus pais, ajuizou ação de indenização
por danos morais e materiais contra a emissora, demanda que foi julgada
procedente.
Na sentença, o juiz fixou um valor certo
para os danos morais (100 salários-mínimos).
Quanto aos danos materiais, o juiz condenou
a emissora a pagar o valor correspondente ao minuto cobrado pela emissora por
anúncios publicitários multiplicado pela quantidade de minutos que a menor ficou
exposta.
Perceba que o valor dos danos morais é
líquido, mas a quantia referente aos danos materiais é ilíquida já que não será
possível executar imediatamente essa quantia. Para saber qual é essa soma, será
necessário, primeiro, definir qual era o valor do minuto de publicidade na época
dos fatos e quanto tempo a menor foi exposta (incluindo não apenas o programa
em si, mas também as chamadas divulgadas antes que o programa fosse ao ar).
Foi iniciada a liquidação da sentença e,
durante essa fase, tentou-se obter a cópia da grade de programação para saber quantas
chamadas foram divulgadas do programa e em quantos minutos a garota aparecia. Tentou-se
também chegar a um valor exato do quanto era cobrado por minuto pela emissora
em cada um dos horários.
Ocorre que, quando foi proferida a
sentença, a emissora não tinha mais essas informações, nem mesmo as gravações
da época. Isso se mostrou justificável pelo fato de que a ação somente foi julgada
20 anos após o programa ter ido ao ar, e como não se determinou, em nenhum
momento, que a TV guardasse essas gravações, o STJ considerou que não houve irregularidade
no procedimento adotado pela empresa de reaproveitar o material gravando outros
programas por cima.
O certo é que não havia meios de conseguir
provar a quantidade de minutos e o valor do minuto. Em outros termos, não havia
meios de provar o quantum debeatur.
O
que o juiz deve fazer caso isso ocorra?
A 3ª Turma do STJ decidiu que, neste
caso, o juiz deve declarar o non liquet.
Em suma, o juiz declara que não irá decidir o mérito da liquidação. Non liquet significa isso: o juiz deixa
de decidir a controvérsia posta à sua apreciação.
Como o juiz deixa de decidir em virtude
da ausência de elementos de prova necessários para resolver a controvérsia,
significa dizer que ele profere uma decisão terminativa (e não de mérito).
A decisão terminativa não produz coisa
julgada material (o processo é extinto sem resolução do mérito). Na prática,
isso significa que a liquidação pode ser reproposta desde que o autor consiga
reunir novas provas que consigam demonstrar o quantum debeatur.
Essa
decisão do juiz reconhecendo o non liquet
encontra previsão no CPC atual?
NÃO. Situações como essa não contam com
previsão expressa no CPC de 1973 (atual). No CPC/39 (anterior), existia essa possibilidade
em seu art. 915, que permitia a declaração de non liquet, com extinção da liquidação sem resolução de mérito e
eventual repetição do procedimento, no futuro, caso se tornasse possível
apresentar a prova necessária para a condenação.
Segundo decidiu o STJ, apesar dessa
regra não ter sido repetida no CPC atual, ela poderá ser aplicada ainda hoje.
Assim,
sendo impossível apurar,
na
liquidação, o quantum debeatur em
virtude da ausência de provas, o processo deve ser extinto sem resolução do
mérito, facultando-se ao autor reiniciar a liquidação no futuro, caso reúna,
com novos elementos, provas suficientes para definir esse valor.
Em sede doutrinária,
há certa divergência sobre esse assunto, mas o julgado do STJ está de acordo
com a posição de Cândido Rangel Dinamarco (Instituições de Direito Processual
Civil).
Uma última pergunta:
No caso concreto, o juiz, diante da ausência das gravações
e do valor do horário publicitário da emissora, poderia ele fazer uma
estimativa de tais informações?
NÃO. Segundo
decidiu o STJ, não é possível ao juízo promover a liquidação da sentença
valendo-se, de maneira arbitrária, de meras estimativas, na hipótese em que a
sentença fixa a obrigatoriedade de indenização do dano, mas as partes sem culpa
estão impossibilitadas de demonstrar a sua extensão.
Processo mencionado: STJ. Terceira
Turma. REsp 1.280.949-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 25/9/2012.

Artigo Original em Dizer o Direito

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