Mentir no currículo lattes configura o crime de falsidade ideológica?


Crime de falsidade ideológica

O crime de falsidade ideológica é
assim tipificado pelo Código Penal:

Art. 299. Omitir, em documento público ou particular, declaração
que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou
diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar
obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante:

Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é
público, e reclusão de um a três anos, e multa, se o documento é particular.

Parágrafo único – Se o agente é funcionário público, e comete o
crime prevalecendo-se do cargo, ou se a falsificação ou alteração é de
assentamento de registro civil, aumenta-se a pena de sexta parte.

Inserir informação falsa no
currículo lattes configura falsidade ideológica (art. 299 do CP)?

NÃO.

Não
configura falsidade ideológica a conduta do agente de inserir, em currículo
Lattes, dado que não condiz com a realidade.

STJ. 6ª Turma. RHC 81.451-RJ, Rel. Min.
Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 22/8/2017 (Info 610).

Plataforma Lattes não é
considerada documento

O currículo lattes não é
considerado como “documento” pelo STJ.

A plataforma Lattes, como se
sabe, é virtual e nela o usuário, após colocar seu “login” e senha,
insere as informações desejadas. Não se trata, portanto, de um escrito
palpável, ou seja, um papel do mundo real, mas sim de uma página em um sítio
eletrônico.

Para que seja documento
eletrônico, é necessária assinatura digital

Embora possa
existir “documento eletrônico”, não está ele presente no caso
concreto. Isso porque somente pode ser considerado “documento eletrônico”
aquele que consta em site que possa ter sua autenticidade aferida por
assinatura digital. Nesse sentido, a MP 2.200-2/2001, que instituiu a
Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil), dispõe no seu art.
1º:

Art. 1º Fica instituída a
Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil, para garantir a
autenticidade, a integridade e a validade jurídica de documentos
em forma eletrônica
, das aplicações de suporte e das aplicações habilitadas
que utilizem certificados digitais, bem como a realização de transações
eletrônicas seguras.

No Brasil, a infraestrutura de
chaves públicas é de responsabilidade de uma Autarquia Federal, o ITI –
Instituto Nacional de Tecnologia da Informação, ligado à Presidência da
República.

Para que pudesse ser considerado
documento eletrônico, a plataforma Lattes teria que ter a sua validade jurídica
atestada por meio da assinatura digital.

Logo, não se pode ter como
documento o currículo inserido na plataforma virtual do Lattes do CNPq, porque
desprovido de assinatura digital e, portanto, sem validade jurídica.

Currículo Lattes é passível de
averiguação e, portanto, não é objeto material de falsidade ideológica

O STJ foi além e disse o
seguinte: ainda que o currículo Lattes pudesse ser considerado um documento
digital válido para fins penais, mesmo assim não teria havido crime. Isso
porque, como qualquer currículo, seja clássico (papel escrito) ou digital, o currículo
Lattes é passível de averiguação, ou seja, as informações nele contidas deverão
ser objeto de aferição por quem nelas tenha interesse.

Quando o documento é passível de
averiguação, o STJ entende que não há crime de falsidade ideológica, mesmo que
o agente tenha inserido nele informações falsas. Nesse sentido:

(…) Já se sedimentou na doutrina e
na jurisprudência o entendimento de que a petição apresentada em Juízo não
caracteriza documento para fins penais, uma vez que não é capaz de produzir
prova por si mesma, dependendo de outras verificações para que sua fidelidade
seja atestada. (…)

STJ. 5ª Turma. RHC 70.596/MS, Rel.
Min. Jorge Mussi, julgado em 01/09/2016.

(…) somente se configura o crime de
falsidade ideológica se a declaração prestada não estiver sujeita a confirmação
pela parte interessada, gozando, portanto, de presunção absoluta de veracidade.
(…)

STJ. 6ª Turma. RHC 46.569/SP, Rel.
Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 28/04/2015.

É a opinião também da doutrina:

“(…) havendo necessidade
de comprovação – objetiva e concomitante -, pela autoridade, da autenticidade
da declaração, não se configura o crime, caso ela seja falsa ou, de algum modo,
dissociada da realidade.” (NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 13ª ed., São Paulo: RT, 2013, p. 1.138)

Artigo Original em Dizer o Direito

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