Dois
temas geravam muita polêmica no Direito Administrativo:

1)
A Lei de improbidade administrativa aplica-se ou não aos agentes políticos?

2)
Existe ou não foro por prerrogativa de função (“foro privilegiado”) nas ações
de improbidade administrativa?

Vamos
entender com calma.

Crimes de responsabilidade

Os agentes políticos estão sujeitos à prática de crimes de
responsabilidade.

Os crimes de responsabilidade são infrações
político-administrativas praticadas por pessoas que ocupam determinados cargos
públicos. Caso o agente seja condenado por crime de responsabilidade, ele não
receberá sanções penais (prisão ou multa), mas sim sanções
político-administrativas (perda do cargo e inabilitação para o exercício de
função pública).

Crimes de responsabilidade x improbidade administrativa

Como os crimes de responsabilidade infrações são muito
próximas (parecidas) com os atos de improbidade administrativa, surgiu a tese
de que se o agente político pudesse ser condenado por crime de responsabilidade
e também improbidade administrativa, haveria bis in idem.

Assim, defendeu-se o argumento de que os agentes políticos
deveriam estar sujeitos apenas e tão somente aos crimes de responsabilidade
(não sendo a eles aplicados os atos de improbidade administrativa).

Essa tese prevalece atualmente?

NÃO. O entendimento atual é o de que, em regra, os agentes
políticos podem sim responder por ato de improbidade administrativa.

Vigora aquilo que a jurisprudência chamou de “duplo regime
sancionatório”, ou seja, o fato de o agente estar sujeito a:

• crime de responsabilidade e

• improbidade administrativa.

Constituição prevê crime de responsabilidade e improbidade como
institutos autônomos

Fazendo uma interpretação sistemática do texto
constitucional, conclui-se que há nítida distinção entre os conceitos de
improbidade administrativa e de crime de responsabilidade. 

A Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92) foi
editada com fundamento no art. 37, §4º, da CF:

§ 4º Os atos de improbidade
administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função
pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e
gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

Por outro lado, a CF/88 trata sobre os crimes de
responsabilidade em outros dispositivos:

Art. 52. Compete privativamente ao
Senado Federal:

I – processar e julgar o Presidente e
o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade, bem como os
Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica
nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles; (Redação dada pela EC 23/99)

[…]

Art. 85. São crimes de
responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a
Constituição Federal e, especialmente, contra:

[…]

V – a probidade na administração;

[…]

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal
Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I – processar e julgar,
originariamente:

[…]

c) nas infrações penais comuns e nos
crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha,
do Exército e da Aeronáutica, ressalvado o disposto no art. 52, I, os membros
dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de
missão diplomática de caráter permanente; (Redação dada pela EC 23/99)

Assim, a tentativa de imunizar os agentes políticos das
sanções da ação de improbidade administrativa a pretexto de que essas seriam de
absorvidas pelo crime de responsabilidade não tem fundamento constitucional.

“Eu entendo que há, no Brasil, uma
dupla normatividade em matéria de improbidade, com objetivos distintos: em
primeiro lugar, existe aquela específica da Lei 8.429/1992, de tipificação
cerrada mas de incidência sobre um vasto rol de possíveis acusados, incluindo
até mesmo pessoas que não tenham qualquer vínculo funcional com a Administração
Pública (Lei 8.429/1992, art. 3º); e uma outra normatividade relacionada à
exigência de probidade que a Constituição faz em relação aos agentes políticos,
especialmente ao chefe do Poder Executivo e aos ministros de Estado, ao
estabelecer no art. 85, inciso V, que constituem crime de responsabilidade os
atos do Presidente da República que atentem contra a probidade da
administração. No plano infraconstitucional essa segunda normatividade se
completa com o art. 9º da Lei 1.079/1950.

Trata-se de disciplinas normativas
diversas, as quais, embora visando, ambas, à preservação do mesmo valor ou
princípio constitucional, – isto é, a moralidade na Administração Pública –
têm, porém, objetivos constitucionais diversos.

(…)

Não há impedimento à coexistência
entre esses dois sistemas de responsabilização dos agentes do Estado.”

STF. Plenário. Pet 3923 QO, Rel. Min. Joaquim
Barbosa, julgado em 13/06/2007;

Desse modo, o que prevalece atualmente é que os agentes
políticos, em regra, submetem-se às punições por ato de improbidade
administrativa (Lei nº 8.429/92), sem prejuízo de também poderem ser punidos
por crimes de responsabilidade. Nesse sentido:

(…) O Superior Tribunal de Justiça
firmou o entendimento de que os agentes políticos se submetem aos ditames da
Lei de Improbidade Administrativa, sem prejuízo da responsabilização política e
criminal. (…)

STJ. 2ª Turma. AgInt no REsp
1607976/RJ, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 17/10/2017.

Por que se falou “em regra”? Existe algum caso em que o agente político
não responderá por improbidade administrativa (devendo ser punido apenas por
crime de responsabilidade)?

SIM. O Presidente da República.

Os agentes políticos, com exceção do presidente da
República, encontram-se sujeitos a um duplo regime sancionatório, e se submetem
tanto à responsabilização civil pelos atos de improbidade administrativa quanto
à responsabilização político-administrativa por crimes de responsabilidade.

ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA. PREFEITO MUNICIPAL. DUPLO REGIME SANCIONATÓRIO DOS AGENTES
POLÍTICOS: LEGITIMIDADE. PRECEDENTES.

1. A jurisprudência assentada no STJ,
inclusive por sua Corte Especial, é no sentido de que, “excetuada a
hipótese de atos de improbidade praticados pelo Presidente da República (art.
85, V), cujo julgamento se dá em regime especial pelo Senado Federal (art. 86),
não há norma constitucional alguma que imunize os agentes políticos, sujeitos a
crime de responsabilidade, de qualquer das sanções por ato de improbidade
previstas no art. 37, § 4º. Seria incompatível com a Constituição eventual
preceito normativo infraconstitucional que impusesse imunidade dessa
natureza” (Rcl 2.790/SC, DJe de 04/03/2010). (…)

STJ. 1ª Turma. AgRg no REsp
1099900/MG, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, julgado em 16/11/2010.

E quanto ao foro competente? Existe foro por prerrogativa de função nas
ações de improbidade administrativa?

NÃO. A ação de improbidade administrativa possui natureza
cível. Em outras palavras, é uma ação civil e não uma ação penal.

Em regra, somente existe foro por prerrogativa de função no
caso de ações penais (e não em demandas cíveis).

Ex1: se for proposta uma ação penal contra um Deputado
Federal por crime que ele tenha cometido durante o seu mandato e que esteja
relacionado com as suas funções, esta deverá ser ajuizada no STF.

Ex2: se for ajuizada uma ação de cobrança de dívida contra
esse mesmo Deputado, a demanda será julgada por um juízo de 1ª instância.

Por
que existe essa diferença?

Porque
a Constituição assim idealizou o sistema. Com efeito, as competências do STF e
do STJ foram previstas pela CF/88 de forma expressa e taxativa.

Nos
arts. 102 e 105 da CF/88, que estabelecem as competências do STF e do STJ,
existe a previsão de que as ações penais contra determinadas autoridades serão
julgadas por esses Tribunais. Não há, contudo, nenhuma regra que disponha que
as ações de improbidade serão julgadas pelo STF e STJ.

Lei nº 10.628/2012 previu foro por prerrogativa de função para a ação
de improbidade:

Em 24/12/2002, foi editada a Lei nº 10.628, que acrescentou
o § 2º ao art. 84 do CPP, prevendo foro por prerrogativa de função para as
ações de improbidade. Veja:

Art. 84. A competência pela
prerrogativa de função é do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de
Justiça, dos Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça dos Estados e
do Distrito Federal, relativamente às pessoas que devam responder perante eles
por crimes comuns e de responsabilidade.

(…)

§ 2º A ação de improbidade, de que
trata a Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, será proposta perante o tribunal
competente para processar e julgar criminalmente o funcionário ou autoridade na
hipótese de prerrogativa de foro em razão do exercício de função pública,
observado o disposto no § 1º.

Diante
dessa alteração legislativa, foi proposta a ADI 2797 contra a Lei nº
10.628/2002 e o STF julgou inconstitucional o referido § 2º do art. 84 do CPP,
decisão proferida em 15/09/2005.

O Supremo decidiu que:

“no plano federal, as hipóteses de
competência cível ou criminal dos tribunais da União são as previstas na
Constituição da República ou dela implicitamente decorrentes. (…) Quanto aos
Tribunais locais, a Constituição Federal — salvo as hipóteses dos seus arts.
29, X e 96, III —, reservou explicitamente às Constituições dos Estados-membros
a definição da competência dos seus tribunais, o que afasta a possibilidade de
ser ela alterada por lei federal ordinária.”

STF. Plenário. ADI 2797, Rel. Min.
Sepúlveda Pertence, julgado em 15/09/2005.

Em
suma, o STF afirmou que, como a Constituição não estabeleceu foro por
prerrogativa de função para as ações de improbidade administrativa, a lei
ordinária assim não poderia prever.

Desse
modo, com a decisão da ADI 2797, ficou prevalecendo o entendimento de que as
ações de improbidade administrativa deveriam ser julgadas em 1ª instância.

No dia de hoje (10/05/2018), o STF apreciou novamente o tema. O que
decidiu a Corte? Existe foro por prerrogativa de função nas ações de
improbidade administrativa?

NÃO. O STF reafirmou, por 10 x 1, que:

Não
existe foro por prerrogativa de função em ação de improbidade administrativa proposta
contra agente político.

O
foro por prerrogativa de função é previsto pela Constituição Federal apenas
para as infrações penais comuns, não podendo ser estendida para ações de
improbidade administrativa, que têm natureza civil.

STF. Plenário. Pet 3240/DF, Rel. para
acórdão Min. Roberto Barroso, julgado em 10/05/2018.

Artigo Original em Dizer o Direito

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