Imagine a seguinte situação
hipotética:

João mora no condomínio de
apartamentos “Viva la Vida”.

Em virtude de dificuldades
financeiras, ele se encontra devendo três meses da cota condominial.

Diante disso, o síndico proibiu
que João e seus familiares utilizem o centro recreativo do condomínio (piscina,
brinquedoteca, salão de jogos, entre outros itens).

João foi reclamar com o síndico e
este mostrou o regimento interno do condomínio que, expressamente, proíbe os
condôminos inadimplentes de utilizarem as áreas comuns.

Não satisfeito, João propôs ação
declaratória de nulidade da cláusula do regimento interno cumulada com
indenização por danos morais.

Indaga-se: o regimento interno
poderá determinar que o condômino inadimplente fique proibido de utilizar as
áreas comuns do condomínio? Esta previsão é válida?

NÃO.

O condomínio,
independentemente de previsão em regimento interno, não pode proibir, em razão
de inadimplência, condômino e seus familiares de usar áreas comuns, ainda que
destinadas apenas a lazer.

Assim, é ilícita a
disposição condominial que proíbe a utilização de áreas comuns do edifício por
condômino inadimplente e seus familiares como medida coercitiva para obrigar o
adimplemento das taxas condominiais.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.564.030-MG, Rel. Min. Marco Aurélio
Bellizze, julgado em 9/8/2016 (Info 588).

STJ. 4ª Turma. REsp 1.699.022-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão,
julgado em 28/05/2019 (Info 651).

Direito ao uso das áreas comuns
decorre do direito de propriedade

O direito do
condômino ao uso das partes comuns, seja qual for a destinação a elas atribuídas,
não decorre de ele estar ou não adimplente com as despesas condominiais. Este
direito provém do fato de que, por lei, a unidade imobiliária abrange não apenas
uma fração ideal no solo (unidade imobiliária), mas também as outras partes
comuns. Veja o que diz o Código Civil:

Art. 1.331. Pode haver, em
edificações, partes que são propriedade exclusiva, e partes que são propriedade
comum dos condôminos.

(…)

§ 3º A cada unidade imobiliária
caberá, como parte inseparável, uma fração ideal no solo e nas outras partes
comuns, que será identificada em forma decimal ou ordinária no instrumento de
instituição do condomínio.

Art. 1.335. São direitos do condômino:

(…)

II – usar das partes comuns, conforme
a sua destinação, e contanto que não exclua a utilização dos demais
compossuidores;

Em outras palavras, a propriedade
da unidade imobiliária abrange a correspondente fração ideal de todas as partes
comuns. O proprietário do apartamento também é “dono” de parte das áreas
comuns.

Dessa forma, a proibição de que o
condômino tenha acesso a uma área comum (seja qual for a sua destinação) viola
o que se entende por condomínio, limitando, indevidamente, o direito de
propriedade.

Portanto, além do direito a
usufruir e gozar de sua unidade autônoma, os condôminos têm o direito de usar e
gozar das partes comuns, já que a propriedade da unidade imobiliária abrange a
correspondente fração ideal de todas as partes de uso comum.

Punições para o condômino
inadimplente

Os
condôminos possuem o dever de contribuir para as despesas condominiais,
conforme determina o art. 1.336, I, do CC. No entanto, as consequências pelo
seu descumprimento devem ser razoáveis e proporcionais.

No caso de descumprimento do
dever de contribuição pelas despesas condominiais, o Código Civil impõe ao
condômino inadimplente sanções de ordem pecuniária.

Em um primeiro momento, a lei determina que o
devedor seja obrigado a pagar juros moratórios de 1% ao mês e multa de até 2%
sobre o débito:

Art. 1.336 (…)

§ 1º O condômino que não pagar a sua
contribuição ficará sujeito aos juros moratórios convencionados ou, não sendo
previstos, os de um por cento ao mês e multa de até dois por cento sobre o
débito.

Se o
condômino reiteradamente, apresentar um comportamento faltoso (o que não se
confunde com o simples inadimplemento involuntário de alguns débitos), será
possível impor a ele outras penalidades, também de caráter pecuniário, nos
termos do art. 1.337:

Art. 1.337. O condômino, ou possuidor,
que não cumpre reiteradamente com os seus deveres perante o condomínio poderá,
por deliberação de três quartos dos condôminos restantes, ser constrangido a
pagar multa correspondente até ao quíntuplo do valor atribuído à contribuição
para as despesas condominiais, conforme a gravidade das faltas e a reiteração,
independentemente das perdas e danos que se apurem.

Parágrafo único. O condômino ou
possuidor que, por seu reiterado comportamento anti-social, gerar
incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores,
poderá ser constrangido a pagar multa correspondente ao décuplo do valor
atribuído à contribuição para as despesas condominiais, até ulterior deliberação
da assembleia.

Dessa
forma, a lei confere meios coercitivos legítimos e idôneos à satisfação do
crédito, descabendo ao condomínio valer-se de sanções outras que não as
pecuniárias expressa e taxativamente previstas no Código Civil para o específico
caso de inadimplemento das despesas condominiais. Em outros termos, não existe
margem discricionária para a imposição de outras sanções que não sejam as
pecuniárias estipuladas na Lei.

Ausência de pagamento restringe o
direito de votar

O legislador,
quando quis restringir ou condicionar o direito do condômino em razão da
ausência de pagamento, o fez expressamente, como no caso do art. 1.335, III, do
CC:

Art. 1.335. São direitos do condômino:

(…)

III – votar nas deliberações da
assembléia e delas participar, estando quite.

Por questão de hermenêutica
jurídica, as normas que restringem direitos devem ser interpretadas
restritivamente, não comportando exegese ampliativa.

Vedar acesso às áreas comuns
viola o princípio da dignidade da pessoa humana

Além das sanções pecuniárias, a
lei estabelece em favor do condomínio instrumentos processuais efetivos e
céleres para se cobrar as dívidas condominiais.

A Lei nº 8.009/90, por exemplo,
autoriza que a própria unidade condominial (apartamento, casa etc.) seja
penhorada para o pagamento dos débitos, não podendo o condômino devedor alegar
a proteção do bem de família. 

O CPC/2015, por sua vez, prevê
que as cotas condominiais possuem natureza de título executivo extrajudicial
(art. 784, VIII), permitindo, assim, o ajuizamento direto de ação executiva,
tornando a satisfação do débito ainda mais célere.

Desse modo, diante de todos esses
instrumentos colocados à disposição pelo ordenamento jurídico, percebe-se que
não há razão legítima para que o condomínio se valha de meios vexatórios de
cobrança.

A proibição de que o devedor
tenha acesso e utilize as áreas comuns do condomínio pelo simples fato de que
ele está inadimplente acaba expondo ostensivamente a sua condição de
inadimplência perante o meio social em que reside, o que, ao final, viola o
princípio da dignidade humana.

Artigo Original em Dizer o Direito

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