Situação 1. Imagine a seguinte
situação hipotética:

Em 1995, Daniel ajuizou uma ação de
investigação de paternidade contra Honofre, seu suposto pai, tendo esta sido
julgada improcedente.

Vale ressaltar que, na época, não foi
realizado exame de DNA, que ainda era raro no Brasil.

A sentença transitou em julgado.

Daniel poderá ajuizar nova ação de investigação
de paternidade contra Honofre, pedindo agora a realização do exame de DNA? É
possível flexibilizar a coisa julgada material formada em investigação de
paternidade julgada improcedente e na qual não foi feito exame de DNA?

SIM,
é possível
a flexibilização da coisa julgada material nas ações de investigação de
paternidade, na situação em que o pedido foi julgado improcedente por falta de
prova.

Esse é o entendimento consolidado na
jurisprudência:

Deve ser relativizada a coisa julgada
estabelecida em ações de investigação de paternidade em que não foi possível
determinar-se a efetiva existência de vínculo genético a unir as partes, em
decorrência da não realização do exame de DNA, meio de prova que pode fornecer
segurança quase absoluta quanto à existência de tal vínculo.

STF. Plenário. RE 363889, Rel. Min.
Dias Toffoli, julgado em 02/06/2011 (repercussão geral).

Nas ações de investigação de
paternidade, o STJ e STF admitem a relativização da coisa julgada quando, na
demanda anterior, não foi possível a realização do exame de DNA, em observância
ao princípio da verdade real.

STJ. 3ª Turma. AgInt no REsp
1417628/MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 28/03/2017.

Situação 2. Imaginemos agora a
situação um pouco diferente:

Lucas ajuizou ação de investigação
de paternidade contra João alegando que este seria seu pai.

O réu recusou-se a fazer o exame
de DNA, razão pela qual o juiz julgou a demanda procedente e reconheceu que
Lucas é filho de João, aplicando o raciocínio da Súmula 301-STJ:

Súmula 301-STJ: Em ação
investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz
presunção juris tantum de paternidade.

Depois que esta sentença
transitou em julgado, João ingressou com ação negatória de paternidade contra
Lucas pedindo a relativização da coisa julgada e a realização de exame de DNA.

Isso é possível? O juiz deverá acolher
o pedido de João e realizar o exame de DNA?

NÃO. Esta ação deverá ser extinta
sem resolução do mérito pela coisa julgada (art. 485, V, do CPC).

A possibilidade de relativização
da coisa julgada nestes casos somente deve ser admitida quando o exame de DNA
não foi realizado em virtude de circunstâncias alheias à vontade das partes.

A relativização não pode ser
admitida quando a não realização da prova pericial (DNA) na ação investigatória
anterior deveu-se, exclusivamente, à recusa de uma das partes em comparecer ao
laboratório para a coleta de material biológico.

A parte que se recusou a fazer o
DNA e que agora quer desconstituir a coisa julgada sob o argumento de que não
foi realizado o referido exame e que este é essencial para a descoberta da
verdade real demonstra comportamento contrário à boa-fé objetiva, incidindo
naquilo que a doutrina denomina de venire
contra

factum proprium (proibição de comportamento contraditório), sendo
uma forma de abuso de direito.

Assim, como o autor negou-se a
produzir a prova que traria certeza à controvérsia nos autos da ação de
investigação de paternidade que transitou em julgado, não pode, agora,
utilizar-se, maliciosamente, da ausência da referida prova como fundamento para
a propositura de ação negatória de paternidade e, com isso, buscar ver alterada
a decisão que lhe foi desfavorável, sob pena de incorrer em violação da boa-fé
objetiva.

Em suma:

A
relativização da coisa julgada estabelecida em ação de investigação de
paternidade – em que não foi possível determinar-se a efetiva existência de
vínculo genético a unir as partes – não se aplica às hipóteses em que o
reconhecimento do vínculo se deu, exclusivamente, pela recusa do investigado ou
seus herdeiros em comparecer ao laboratório para a coleta do material
biológico.

STJ.
3ª Turma. REsp 1.562.239/MS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em
09/05/2017 (Info 604).

Artigo Original em Dizer o Direito

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