Antes da Lei
nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime), a jurisprudência entendia que o juiz, após
receber o auto de prisão em flagrante, poderia, de ofício,
converter a prisão em flagrante em prisão preventiva. A conclusão era baseada
na redação do art. 310, II, do CPP:

Art. 310.
Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente:

(…)

II –
converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos
constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou
insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou

 

Ocorre que a Lei nº 13.964/2019
revogou os trechos do CPP que previam a possibilidade de decretação da prisão
preventiva ex officio.

Diante disso, tanto o STJ como o
STF passaram a entender que não é mais possível que o juiz ou Tribunal decretem,
de ofício, a prisão preventiva. É sempre necessário o requerimento:

Após o advento da Lei nº 13.964/2019, não é mais possível a
conversão da prisão em flagrante em preventiva sem provocação por parte ou da
autoridade policial, do querelante, do assistente, ou do Ministério Público,
mesmo nas situações em que não ocorre audiência de custódia.

STJ. 3ª Seção. RHC 131.263, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior,
julgado em 24/02/2021 (Info 686).

STF. 2ª Turma.
HC 188888/MG, Rel.
Min. Celso de Mello, julgado em 6/10/2020 (Info 994).

 

O que acontece se o juiz decretar
a prisão preventiva de ofício (sem requerimento)?

·
Regra: a prisão deverá ser relaxada por se tratar de prisão ilegal.

· Exceção:
se, após a decretação, a autoridade policial ou o Ministério Público requererem
a manutenção da prisão, o vício de ilegalidade que maculava a custódia é
suprido (convalidado) e a prisão não será relaxada. Foi o que decidiu a 5ª
Turma do STJ:

 

Exemplo:

Em 11/09/2020, João foi preso em
flagrante pela prática de tráfico de drogas.

Em razão da pandemia, não foi
realizada a audiência de custódia.

No mesmo dia, o juiz, de ofício, decretou
a prisão preventiva.

Em 15/09/2020, a autoridade
policial representou pela decretação da prisão preventiva de João, tendo o
Ministério Público emitido parecer em sentido favorável.

O magistrado manteve a prisão.

A defesa impetrou habeas corpus
alegando que o juiz não poderia ter decretado a prisão de ofício antes do
requerimento e que o fato de, posteriormente, ter havido a representação da autoridade
policial e a manifestação favorável do Ministério Público não supre o vício
relacionado com a decretação cautelar.

Diante disso, a defesa pediu o
reconhecimento da nulidade da prisão e a soltura do preso.

 

O pedido foi acolhido pelo
STJ?

NÃO.

O desrespeito das normas relacionadas
com devido processo legal implica, em regra, a nulidade do ato. Para isso, no
entanto, é necessário que fique demonstrado que esse descumprimento gerou
efetivo e comprovado prejuízo. Isso porque em matéria de nulidades vigoram os princípios
do pas de nullité sans grief e da instrumentalidade. Nesse sentido:

O reconhecimento de nulidades no curso do processo penal reclama
uma efetiva demonstração do prejuízo à parte, sem a qual prevalecerá o
princípio da instrumentalidade das formas positivado pelo art. 563 do CPP (pas
de nullité sans grief).

STJ. 5ª Turma. AgInt
no AREsp 442.923/SP, Rel.
Min. Ribeiro Dantas, DJe 11/05/2018.

 

O vício decorrente do fato de a
prisão ter sido decretada de ofício foi superado pelo posterior requerimento da
autoridade policial pela prisão preventiva. Ficou, assim, garantida a higidez
do feito, de modo que não se configura nenhuma nulidade passível de correção,
tendo sido observado o devido processo legal.

Vale ressaltar que a eventual
concessão da ordem no sentido de revogar a prisão preventiva seria inócua,
considerando que tanto a autoridade policial, como o Ministério Público
entendem que é caso de prisão preventiva. Assim, haveria novamente o
requerimento, sendo, então, mais uma vez decretada a custódia cautelar.

Artigo Original em Dizer o Direito

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