Imagine a seguinte situação
hipotética:

João mora no condomínio de
apartamentos “Viva la Vida”.
Em virtude de dificuldades
financeiras, ele se encontra devendo três meses da cota condominial.
Diante disso, o síndico proibiu
que João e seus familiares utilizem o centro recreativo do condomínio.
João foi reclamar com o síndico e
este mostrou o regimento interno do condomínio que, expressamente, proíbe os
condôminos inadimplentes de utilizarem as áreas comuns.
Não satisfeito, João propôs ação declaratória
de nulidade da cláusula do regimento interno cumulada com indenização por danos
morais.
Indaga-se: o regimento interno
poderá determinar que o condômino inadimplente fique proibido de utilizar as
áreas comuns do condomínio? Esta previsão é válida?

NÃO.
O
condomínio, independentemente de previsão em regimento interno, não pode
proibir, em razão de inadimplência, condômino e seus familiares de usar áreas
comuns, ainda que destinadas apenas a lazer.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.564.030-MG,
Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 9/8/2016 (Info 588).
Direito ao uso das áreas comuns
decorre do direito de propriedade

O direito do condômino ao uso das
partes comuns, seja qual for a destinação a elas atribuídas, não decorre de ele
estar ou não adimplente com as despesas condominiais. Este direito provém do
fato de que, por lei, a unidade imobiliária abrange não apenas uma fração ideal
no solo (unidade imobiliária), mas também as outras partes comuns. Veja o que
diz o Código Civil:
Art. 1.331. Pode haver, em
edificações, partes que são propriedade exclusiva, e partes que são propriedade
comum dos condôminos.
(…)
§ 3º A cada unidade
imobiliária caberá, como parte inseparável, uma fração ideal no solo e nas
outras partes comuns, que será identificada em forma decimal ou ordinária no
instrumento de instituição do condomínio.
Em outras palavras, a propriedade
da unidade imobiliária abrange a correspondente fração ideal de todas as partes
comuns. O proprietário do apartamento também é “dono” de parte das
áreas comuns.
Dessa forma, a proibição de que o
condômino tenha acesso a uma área comum (seja qual for a sua destinação) viola
o que se entende por condomínio, limitando, indevidamente, o direito de
propriedade.
Punições para o condômino
inadimplente

Os
condôminos possuem o dever de contribuir para as despesas condominiais,
conforme determina o art. 1.336, I, do CC. No entanto, as consequências pelo
seu descumprimento devem ser razoáveis e proporcionais.

No caso de descumprimento do
dever de contribuição pelas despesas condominiais, o Código Civil impõe ao
condômino inadimplente sanções de ordem pecuniária.
Em
um primeiro momento, a lei determina que o devedor seja obrigado a pagar juros
moratórios de 1% ao mês e multa de até 2% sobre o débito:

Art. 1.336 (…)
§ 1º O condômino que não
pagar a sua contribuição ficará sujeito aos juros moratórios convencionados ou,
não sendo previstos, os de um por cento ao mês e multa de até dois por cento
sobre o débito.
Se o condômino reiteradamente
apresentar um comportamento faltoso (o que não se confunde com o simples
inadimplemento involuntário de alguns débitos), será possível impor a ele
outras penalidades, também de caráter pecuniário, nos termos do art. 1.337:
Art. 1.337. O condômino,
ou possuidor, que não cumpre reiteradamente com os seus deveres perante o
condomínio poderá, por deliberação de três quartos dos condôminos restantes,
ser constrangido a pagar multa correspondente até ao quíntuplo do valor
atribuído à contribuição para as despesas condominiais, conforme a gravidade
das faltas e a reiteração, independentemente das perdas e danos que se apurem.
Parágrafo único. O
condômino ou possuidor que, por seu reiterado comportamento anti-social, gerar
incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores,
poderá ser constrangido a pagar multa correspondente ao décuplo do valor
atribuído à contribuição para as despesas condominiais, até ulterior
deliberação da assembleia.
Dessa
forma, a lei confere meios coercitivos, legítimos e idôneos, à satisfação do
crédito, descabendo ao condomínio valer-se de sanções outras que não as
pecuniárias expressa e taxativamente previstas no Código Civil para o
específico caso de inadimplemento das despesas condominiais. Em outros termos,
não existe margem discricionária para a imposição de outras sanções que não
sejam as pecuniárias estipuladas na Lei.

Veja um julgado que espelha esse
entendimento:
(…) 1. De acordo com o
art. 1.336, § 1º, do Código Civil, o condômino que não pagar a sua contribuição
ficará sujeito aos juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, os
de 1% (um por cento) ao mês e multa de até 2% (dois por cento) sobre o débito.
2. O condômino que deixar
de adimplir reiteradamente a importância devida a título de cotas condominiais
poderá, desde que aprovada a sanção em assembleia por deliberação de 3/4 (três
quartos) dos condôminos, ser obrigado a pagar multa em até o quíntuplo do valor
atribuído à contribuição para as despesas condominiais, conforme a gravidade da
falta e a sua reiteração.
3. A aplicação da sanção
com base no art. 1.337, caput, do Código Civil exige que o condômino seja
devedor reiterado e contumaz em relação ao pagamento dos débitos condominiais,
não bastando o simples inadimplemento involuntário de alguns débitos.
4. A multa prevista no §
1º do art. 1.336 do CC/2002 detém natureza jurídica moratória, enquanto a
penalidade pecuniária regulada pelo art. 1.337 tem caráter sancionatório, uma
vez que, se for o caso, o condomínio pode exigir inclusive a apuração das
perdas e danos. (…)
STJ. 4ª Turma. REsp
1247020/DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 15/10/2015.
Vedar acesso às áreas comuns
viola o princípio da dignidade da pessoa humana

Além  das 
sanções  pecuniárias,  a lei estabelece em favor do condomínio instrumentos
processuais efetivos e céleres para se cobrar as dívidas condominiais.
A Lei nº 8.009/90, por exemplo,
autoriza que a própria unidade condominial (apartamento, casa etc.) seja
penhorada para o pagamento dos débitos, não podendo o condômino devedor alegar
a proteção do bem de família. 
O CPC/2015, por sua vez, prevê
que as cotas condominiais possuem natureza de título executivo extrajudicial
(art. 784, VIII), permitindo, assim, o ajuizamento direto de ação executiva,
tornando a satisfação do  débito ainda
mais célere.
Desse modo, diante   de  
todos   esses  instrumentos colocados à disposição pelo ordenamento
jurídico percebe-se que não há razão legítima para que o condomínio se valha de
meios vexatórios de cobrança.

proibição de que o devedor tenha acesso e utilize as áreas comuns do condomínio
pelo simples fato de que ele está inadimplente acaba expondo
ostensivamente  a sua condição de
inadimplência perante o  meio social em
que reside, o que, ao final, viola o princípio da dignidade humana.
STJ avança no tema

Vale ressaltar que o presente
julgado representa um avanço na proteção da dignidade do condômino
inadimplente. Isso porque o STJ possuía um entendimento anterior que dizia o
seguinte: a assembleia geral de condôminos não pode proibir o condômino
inadimplente de usar os serviços essenciais do condomínio (ex: elevador); por
outro lado, segundo esta posição anterior, seria possível que se restringisse o
acesso do devedor a bens e serviços de caráter supérfluo, tais como piscina,
sauna, salão de festas etc. O julgado a que me refiro é o Resp 1.401.815-ES,
Min. Rel. Nancy Andrighi, julgado em 03/12/2013.
Dessa
forma, o STJ abandona esta distinção e afirma agora que não se pode negar o
direito do condômino inadimplente de ter acesso às áreas comuns do condomínio
independentemente de sua finalidade, ou seja, ele terá direito de usar tais
partes comuns, sejam elas de caráter essencial, sejam apenas destinadas ao
lazer.

Artigo Original em Dizer o Direito

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.