Imagine a seguinte situação
hipotética:

João era casado com Regina.

João faleceu e Regina descobriu
que ele tinha uma relação extraconjugal com Francisca.

A viúva soube disso porque Francisca
tentou receber a pensão por morte deixada por João, tendo ela própria juntado
diversas provas dessa relação, como cartas, fotografias, presentes etc.

Alguns dias depois, Regina descobriu
na gaveta do falecido marido documentos de um seguro de vida que ele havia
contratado.

Ao procurar a seguradora, Regina teve
outra surpresa. Isso porque João indicou Francisca como beneficiária prioritária
do valor do seguro.

 

Pode-se dizer que Francisca
tinha uma união estável com João?

NÃO. Como o indivíduo já era casado, a segunda relação
firmada não pode ser reconhecida juridicamente como união estável. João
mantinha com Regina algo que é denominado de “concubinato”, nos termos do art.
1.727 do Código Civil:

Art. 1.727. As relações não eventuais
entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato.

 

“Etimologicamente, concubinato é
comunhão de leito. Vem do latim cum (com); cubrare (dormir):
concubinatos. Seria a união ilegítima do homem e da mulher. E, segundo o
sentido de concubinatus, o estado de mancebia, ou seja, a companhia de
cama sem provação legal.” (ROSA, Conrado Paulina da. Direito de Família
Contemporâneo.
Salvador: Juspodivm, 2021, p. 125).

Em virtude da tradição do direito
brasileiro de proteger a monogamia em detrimento da autonomia privada, a
jurisprudência não admite a existência concomitante de casamento e união
estável. Também não se admite a existência concomitante de duas uniões
estáveis.

 

Tal vedação encontra-se expressamente prevista na legislação,
mais especificamente na primeira parte do § 1º do art. 1.723 do Código Civil:

Art. 1.723 (…)

§ 1º A união estável não se constituirá
se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; (…)

 

Art. 1.521. Não podem casar:

(…)

VI – as pessoas casadas;

 

Assim, a regra é a seguinte:

• pessoa casada com “A” não pode
simultaneamente ter união estável com “B”;

• pessoa que já vive em união
estável com “A” não pode simultaneamente ter união estável com “B”.

 

Exceção:

O Código Civil prevê uma exceção a essa regra e diz que, se
o indivíduo casado estiver separado de fato, ele poderá ter união estável com
outra pessoa. É a segunda parte do § 1º do art. 1.723:

Art. 1723 (…)

§ 1º A união estável não se constituirá
se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do
inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou
judicialmente.

 

Assim, em nosso exemplo, se João
estivesse separado de fato de Regina, aí sim a sua relação com Francisca
poderia ser considerada como união estável.

 

Segunda pergunta: Francisca
terá direito à pensão por morte?

NÃO. Segundo entendimento
consolidado do STF:

É incompatível com a Constituição Federal o reconhecimento de
direitos previdenciários (pensão por morte) à pessoa que manteve, durante longo
período e com aparência familiar, união com outra casada, porquanto o
concubinato não se equipara, para fins de proteção estatal, às uniões afetivas
resultantes do casamento e da união estável.

STF. Plenário. RE 883168/SC,
Rel. Dias Toffoli, julgado em 2/8/2021 (Repercussão Geral – Tema 526) (Info
1024).

 

Terceira pergunta: Francisca
poderá receber o seguro?

NÃO.

A doutrina e a jurisprudência afirmam que é proibido que a
concubina seja a beneficiária do seguro de vida. Essa conclusão é baseada em
uma interpretação teleológica do art. 550 do Código Civil, que diz:

Art. 550. A doação do cônjuge adúltero
ao seu cúmplice pode ser anulada pelo outro cônjuge, ou por seus herdeiros
necessários, até dois anos depois de dissolvida a sociedade conjugal.

 

Como reforço a essa conclusão, cita-se o art. 793:

Art. 793. É válida a instituição do
companheiro como beneficiário, se ao tempo do contrato o segurado era separado
judicialmente, ou já se encontrava separado de fato.

 

Vale ressaltar que essa interpretação
existe desde o Código Civil de 1916.

Para o STJ, esse entendimento se
harmoniza com o recente julgamento pelo STF do RE 1.045.273/SE, com repercussão
geral reconhecida, no qual foi estabelecida a seguinte tese:

A preexistência de casamento ou de união estável de um dos
conviventes, ressalvada a exceção do artigo 1.723, § 1º, do Código Civil,
impede o reconhecimento de novo vínculo referente ao mesmo período, inclusive
para fins previdenciários, em virtude da consagração do dever de fidelidade e
da monogamia pelo ordenamento jurídico-constitucional brasileiro.

STF. Plenário. RE 1045273, Rel. Min. Alexandre de Moraes,
julgado em 18/12/2020 (Repercussão Geral – Tema 529) (Info 1003).

 

Quem vai receber, então, o
valor da indenização securitária?

João, o segurado, ao preencher o
cartão proposta instituiu Francisca como beneficiária e, na sua falta, o seu
filho João Júnior.

Assim, não sendo válida a
designação da concubina (primeira beneficiária), a indenização deve ser paga
respeitando a indicação alternativa feita pelo falecido segurado para a
hipótese de não prevalecer a primeira beneficiária, no caso, o filho oriundo do
relacionamento (segundo beneficiário).

Mas João Júnior é filho de João
com Francisca… mesmo assim ele pode receber? Sim. Isso porque não se estende
a ele a vedação do art. 793 do Código Civil. Ao contrário. Vigora o princípio
da igualdade entre os filhos.

 

Em suma:

O seguro de vida não pode ser instituído por pessoa
casada em benefício de parceiro em relação concubinária.

STJ. 4ª
Turma. REsp 1.391.954 – RJ, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em
22/03/2022 (Info 731).

Artigo Original em Dizer o Direito

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