Reincidência

A definição de reincidência, para o
Direito Penal, é encontrada a partir da conjugação do art. 63 do CP com o art.
7º da Lei de Contravenções Penais.

Com base nesses dois dispositivos, podemos encontrar as
hipóteses em que alguém é considerado reincidente para o Direito Penal
(inspirado no quadro contido no livro de CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal. Salvador:
Juspodivm, 2013, p. 401):

Se a pessoa é
condenada definitivamente por

E depois da
condenação definitiva pratica novo(a)

Qual será a
consequência?

CRIME

(no
Brasil ou exterior)

CRIME

REINCIDÊNCIA

CRIME

(no
Brasil ou exterior)

CONTRAVENÇÃO

(no
Brasil)

REINCIDÊNCIA

CONTRAVENÇÃO

(no
Brasil)

CONTRAVENÇÃO

(no
Brasil)

REINCIDÊNCIA

CONTRAVENÇÃO

(no
Brasil)

CRIME

NÃO HÁ
reincidência.

Foi uma
falha da lei.

Mas gera maus antecedentes

CONTRAVENÇÃO

(no
estrangeiro)

CRIME
ou CONTRAVENÇÃO

NÃO HÁ
reincidência

Contravenção
no estrangeiro não serve aqui.

 

A reincidência é uma agravante da pena

Se o réu for reincidente, sofrerá
diversos efeitos negativos no processo penal.

O
principal deles é que, no momento da dosimetria da pena em relação ao segundo delito,
a reincidência será considerada como uma agravante genérica (art. 61, I, do
CP), fazendo com que a pena imposta seja maior do que seria devida caso ele
fosse primário.

Art. 61. São circunstâncias que sempre
agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime:

I – a reincidência;

 

Porte de droga para consumo pessoal

A Lei nº
11.343/2006 prevê o crime de posse/porte de droga para consumo pessoal nos
seguintes termos:

Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver
em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem
autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será
submetido às seguintes penas:

I – advertência sobre os efeitos das
drogas;

II – prestação de serviços à
comunidade;

III – medida educativa de comparecimento
a programa ou curso educativo.

 

Tese de que o art. 28 não seria crime

Assim que
a Lei de Drogas foi editada, Luis Flávio Gomes defendeu a tese de que o
porte/posse de droga para consumo pessoal havia deixado de ser crime. Em outras
palavras, LFG sustentou que o art. 28 não traria a definição de crime, já que
ele não prevê pena privativa de liberdade nem multa. Logo, estaria “fora” do
conceito de crime trazido pela Lei de Introdução ao Código Penal (DL
3.914/1941):

Art. 1º Considera-se crime a infração
penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer
alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração
penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou
ambas, alternativa ou cumulativamente.

 

O STF aceitou essa tese?

NÃO. O STF decidiu que o art. 28 da Lei
de Drogas, mesmo sem prever pena privativa de liberdade, continua definindo
conduta criminosa. Assim, não houve uma descriminalização da conduta (abolitio
criminis), mas sim uma despenalização. A despenalização ocorre quando o
legislador prevê sanções alternativas para o crime que não sejam penas
privativas de liberdade.

Confira a ementa do julgado no STF:

 (…) 1. O art. 1º da LICP – que se limita a
estabelecer um critério que permite distinguir quando se está diante de um
crime ou de uma contravenção – não obsta a que lei ordinária superveniente
adote outros critérios gerais de distinção, ou estabeleça para determinado
crime – como o fez o art. 28 da L. 11.343/06 – pena diversa da privação ou
restrição da liberdade, a qual constitui somente uma das opções constitucionais
passíveis de adoção pela lei incriminadora (CF/88, art. 5º, XLVI e XLVII).

2. Não se pode, na interpretação da L.
11.343/06, partir de um pressuposto desapreço do legislador pelo “rigor
técnico”, que o teria levado inadvertidamente a incluir as infrações
relativas ao usuário de drogas em um capítulo denominado “Dos Crimes e das
Penas”, só a ele referentes. (L. 11.343/06, Título III, Capítulo III,
arts. 27/30).

(…)

4. Soma-se a tudo a previsão, como
regra geral, ao processo de infrações atribuídas ao usuário de drogas, do rito
estabelecido para os crimes de menor potencial ofensivo, possibilitando até
mesmo a proposta de aplicação imediata da pena de que trata o art. 76 da L.
9.099/95 (art. 48, §§ 1º e 5º), bem como a disciplina da prescrição segundo as
regras do art. 107 e seguintes do C. Penal (L. 11.343, art. 30).

6. Ocorrência, pois, de “despenalização”,
entendida como exclusão, para o tipo, das penas privativas de liberdade.

7. Questão de ordem resolvida no
sentido de que a L. 11.343/06 não implicou abolitio criminis (C.Penal, art.
107). (…)

STF. 1ª Turma. RE 430105 QO, Rel. Min.
Sepúlveda Pertence, julgado em 13/02/2007.

 

Assim, não há dúvidas de que o art. 28
da Lei de Drogas possui natureza jurídica de CRIME.

 

Se um indivíduo é condenado, com
trânsito em julgado, pelo delito de porte de drogas para consumo próprio (art.
28 da Lei nº 11.343/2006) e depois pratica outro delito, ele será considerado
reincidente na dosimetria desse segundo crime?

NÃO. A condenação por porte de drogas
para consumo próprio (art. 28 da Lei nº 11.343/2006) NÃO gera reincidência.

 

Mas você não acabou de dizer que o art.
28 da LD é crime…?

Sim. O art. 28 da LD é crime. No
entanto, para a jurisprudência, mesmo sendo crime, não gera reincidência.

 

Por quê?

A jurisprudência apresenta a seguinte
linha de argumentação:

• a
condenação anterior por contravenção penal não gera reincidência, ou seja, um
indivíduo condenado por contravenção penal, se praticar em seguida um crime,
quando for julgado, não se aplicará a ele a agravante da reincidência. Isso
porque o art. 63 do Código Penal é expresso ao se referir à prática de novo
crime ao dispor:

Art. 63. Verifica-se a reincidência quando o agente
comete novo crime
, depois de transitar em julgado a sentença que, no
País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior. (veja que o agente tem que ter sido condenado por crime anterior)

 

• em outras palavras, como vimos na
tabela acima, se a pessoa é condenada definitivamente por CONTRAVENÇÃO e,
depois desta condenação, pratica um CRIME, ao ser julgada por esta segunda
infração não sofrerá os efeitos da reincidência. Se a primeira infração
praticada foi uma contravenção, não há reincidência.

• a contravenção é punida com prisão
simples e/ou multa (art. 5º, do DL 3688/41).

• o art. 28 da LD é punido apenas com
“advertência sobre os efeitos das drogas”, “prestação de serviços à comunidade”
e “medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo”. Em nenhuma
hipótese, a prática do crime do art. 28 da LD poderá gerar condenação que leve
à prisão.

• desse modo, comparando a pena das
contravenções penais com a do crime do art. 28 da LD, chega-se à conclusão de
que as penas previstas para as contravenções são mais gravosas (mais duras) do
que as sanções cominadas para o art. 28 da LD.

• diante disso, se as sanções do art.
28 da LD são menos graves que as das contravenções, não se mostra proporcional
considerar que o art. 28 da LD gera reincidência se a contravenção penal não
tem esse efeito negativo.

• em suma:

– o crime do art. 28 da LD tem sanções
menos graves que uma contravenção;

– a contravenção não gera reincidência;

– logo, é desproporcional que o crime
do art. 28 da LD (sendo menos grave que a contravenção) gere reincidência.

 

Resumindo:

O porte de droga
para consumo próprio, previsto no art. 28 da Lei nº 11.343/2006, possui
natureza jurídica de crime.

O porte de droga
para consumo próprio foi somente despenalizado pela Lei nº 11.343/2006, mas não
descriminalizado.

Obs: despenalizar
é a medida que tem por objetivo afastar a pena como tradicionalmente
conhecemos, em especial a privativa de liberdade. Descriminalizar significa
deixar de considerar uma conduta como crime.

Mesmo sendo crime,
o STJ entende que a condenação anterior pelo art. 28 da Lei nº 11.343/2006
(porte de droga para uso próprio) NÃO configura reincidência.

Argumento
principal: se a contravenção penal, que é punível com pena de prisão simples,
não configura reincidência, mostra-se desproporcional utilizar o art. 28 da LD
para fins de reincidência, considerando que este delito é punido apenas com
“advertência”, “prestação de serviços à comunidade” e “medida educativa”, ou,
seja, sanções menos graves e nas quais não há qualquer possibilidade de
conversão em pena privativa de liberdade pelo descumprimento.

Há de se
considerar, ainda, que a própria constitucionalidade do art. 28 da LD está
sendo fortemente questionada.

STJ. 5ª Turma. HC 453.437/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca,
julgado em 04/10/2018.

STJ. 6ª Turma. REsp 1672654/SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado
em 21/08/2018 (Info 632).

 

A 2ª Turma do STF comungou do
mesmo entendimento e decidiu que:

Viola o
princípio da proporcionalidade a consideração de condenação anterior pelo
delito do art. 28 da Lei nº 11.343/2006, “porte de droga para consumo pessoal”,
para fins de reincidência.

STF. 2ª Turma. RHC 178512 AgR/SP, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em
22/3/2022 (Info 1048).

 

O delito previsto no art. 28 da
Lei nº 11.343/2006 não comina pena privativa de liberdade, mas tão somente
“advertência sobre os efeitos das drogas” (inc. I); “prestação de serviços à
comunidade” (inc. II) e “medida educativa de comparecimento à programa ou curso
educativo” (inc. III).

Não se afigura razoável,
portanto, permitir que uma conduta que possui vedação legal quanto à imposição
de prisão, a fim de evitar a estigmatização do usuário de drogas, possa dar azo
à posterior configuração de reincidência.

Deve-se ponderar, ainda, que a
reincidência depende da constatação de que houve condenação criminal com
trânsito em julgado, o que não ocorre em grande parte dos casos de incidência
do art. 28 da Lei nº 11.343/2006.

Artigo Original em Dizer o Direito

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.