A trabalhadora era portadora de Lúpus Eritematoso Sistêmico desde 2012, com poliartrite, nefrite e alopecia. Estava grávida quando teve o diagnóstico e aguardou o nascimento do filho para realização de pulsoterapia para atividade renal. Evoluiu, mas depois sofreu piora importante da função renal com várias complicações. Esse foi quadro de saúde relatado na perícia médica determinada em 1º Grau. Mas a conclusão do perito foi de que a operadora de caixa de um supermercado de João Monlevade estava com a doença controlada e sem incapacidade para o trabalho quando foi dispensada. O laudo também informou que a doença é grave, com insuficiência renal crônica e indicação de transplante de rins.
A contradição entre as considerações feitas pelo perito oficial do juízo chamou a atenção da desembargadora Denise Alves Horta, ao analisar o recurso da trabalhadora na 4ª Turma do TRT de Minas. Para a magistrada, não há dúvidas de que a dispensa foi discriminatória e arbitrária. Por essa razão, reformou a sentença e condenou o patrão a reintegrar a empregada. A condenação envolveu ainda uma indenização por danos morais no valor de R$ 10 mil.
A operadora de caixa começou a trabalhar no supermercado em 11/04/2011 e foi dispensada em 20/01/2016. Em seu voto, a relatora explicou que a possibilidade de o empregador rescindir o contrato de trabalho não é ilimitada. “O direito potestativo à resilição unilateral do contrato de trabalho pelo empregador não é absoluto, devendo se ater a parâmetros éticos e sociais, inclusive, como forma de preservar a dignidade do cidadão trabalhador e a valorização social do trabalho”, explicitou, destacando que a dispensa não pode ser utilizada de forma abusiva, discriminatória e alheia aos princípios e garantias constitucionais.
Nesse sentido, a decisão referiu-se ao artigo 170 da Constituição, segundo o qual “a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social (…)”. Como constou no voto, além do valor social do trabalho, são pilares da República Federativa do Brasil os princípios da dignidade da pessoa humana, da valorização do trabalho e do trabalhador, da não discriminação e da função social da empresa.
“Sempre que o indivíduo exerce seu direito subjetivo de forma contrária à finalidade social, excede os limites impostos tanto pelo direito positivo, quanto por normas da moral e da ética, que coexistem em todo sistema jurídico, incorrendo em abuso do direito, em que se inclui a dispensa discriminatória imotivada do empregado portador de doença grave”, registrou.
Na visão da julgadora, o fato de a trabalhadora ser portadora de Lúpus é capaz de suscitar estigma ou preconceito. Ao contrário do entendimento expresso na sentença, considerou aplicável o disposto no artigo 4º da Lei nº 9.029/95 e o entendimento contido na Súmula 443/TST. A legislação em questão proíbe qualquer prática discriminatória para efeitos de permanência da relação jurídica de trabalho, facultando ao empregado ser reintegrado ou receber, em dobro, indenização substitutiva. Por sua vez, a Súmula estabelece a presunção relativa de discriminação quando se tratar de despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito, com previsão do direito do trabalhador à reintegração no emprego.
Ainda segundo observou a relatora, apesar de a grave doença não constar nominalmente na discriminação contida no artigo 6º, XIV, da Lei nº 7.713/88 e no artigo 1º da Portaria Interministerial do Ministério da Previdência e Assistência Social e do Ministério da Saúde nº 2.998/01, ficou demonstrado que a trabalhadora padece de uma das complicações lá indicadas, a nefropatia grave.
“A necessidade de constantes afastamentos ao trabalho em virtude de consultas médicas e para a implementação de protocolos de tratamento de saúde, inclusive com internações hospitalares, aceita, como razoável, a presunção de que o empregado que verte seus préstimos laborais em tais condições é alvo de discriminação, ao menos, por parte de seu empregador”, avaliou. A conclusão alcançada foi a de que somente prova em sentido contrário poderia conduzir à conclusão diversa. Todavia, nenhum elemento de convicção foi apresentado para tanto.
A desembargadora ponderou que a empresa tinha ciência da doença da empregada, a qual vinha sofrendo com comprometimento de sua saúde, sobretudo da função renal. Ela estava tão doente quando foi dispensada, que poucos dias após o recebimento do aviso prévio passou a se submeter à hemodiálise. O próprio perito afirmou que estava em tratamento médico quando foi desligada, até porque a enfermidade é muito grave e não possui cura.
Nesse cenário, a decisão entendeu que a rescisão contratual é inválida, reiterando que o patrão não pode rescindir o contrato de trabalho quando o empregado estiver com a saúde debilitada. Conforme ressaltado, a etiologia da doença pouco importa. “O fato a ser objetivamente considerado é, tão-somente, o estado de adoecimento da obreira, por ocasião da dispensa”, registrou.
Com base nesse contexto, a rescisão do contrato foi declarada nula e o supermercado condenado a reintegrar a empregada, com todos os diretos trabalhistas do período em que esteve afastada, além de pagar as remunerações vencidas e a vencer.
Danos morais
Para a relatora, a situação de insegurança gerada pela conduta contrária ao direito adotada pela empresa configurou ofensa de ordem moral. “Houve vilipêndio a direitos afetos à personalidade, a bens integrantes da interioridade da pessoa, tais como a dignidade e a honra”, considerou, reconhecendo o manifesto o desgaste emocional e o estado de estresse experimentados pela trabalhadora, diante da compreensível angústia em relação à sua segurança econômica, vendo-se desempregada e doente.
Tendo em vista diversos parâmetros, inclusive o período de afastamento do trabalho, condenou o supermercado a pagar indenização por danos morais de R$10 mil.
Fonte: TRT 3