O princípio da
insignificância pode ser aplicado no caso de crimes tributários e no
descaminho?

SIM. É plenamente
possível que incida o princípio da insignificância tanto nos crimes contra a
ordem tributária previstos na Lei nº 8.137/90 como também no caso do descaminho
(art. 334 do CP).

O descaminho é também
considerado um crime contra a ordem tributária, apesar de estar previsto no
art. 334 do Código Penal e não na Lei nº 8.137/90.

Existe algum limite
máximo de valor para que possa ser aplicado o princípio da insignificância nos
crimes tributários?

SIM. A jurisprudência
criou a tese de que nos crimes tributários, para decidir se incide ou não o
princípio da insignificância, será necessário analisar, no caso concreto, o
valor dos tributos que deixaram de ser pagos.

E qual é, então, o
valor máximo considerado insignificante no caso de crimes tributários?

20 mil reais.

Assim, se o montante do
tributo que deixou de ser pago for igual ou inferior a 20 mil reais, não há
crime tributário (incluindo descaminho), aplicando-se o princípio da
insignificância.

Qual é o parâmetro para
se adotar a esse valor?

Esse valor foi fixado
pela jurisprudência tendo como base a Portaria MF nº 75, de 29/03/2012, na qual
o Ministro da Fazenda determinou, em seu art. 1º, inciso II, “o não ajuizamento de execuções fiscais de
débitos com a Fazenda Nacional, cujo valor consolidado seja igual ou inferior a
R$ 20.000,00 (vinte mil reais).

Em outros termos, essa
Portaria determina que, até o valor de 20 mil reais, os débitos inscritos como
Dívida Ativa da União não serão executados.

Com base nisso, a
jurisprudência construiu o seguinte raciocínio: ora, não há sentido lógico
permitir que alguém seja processado criminalmente pela falta de recolhimento de
um tributo que nem sequer será cobrado no âmbito administrativo-tributário. Se
a própria “vítima” não irá cobrar o valor, não faz sentido aplicar o direito
penal contra o autor desse fato.

Vale lembrar que o direito
penal é a ultima ratio. Se a Administração
Pública entende que, em razão do valor, não vale a pena movimentar a máquina
judiciária para cobrar a quantia, com maior razão também não se deve iniciar
uma ação penal para punir o agente.

Esse valor de 20 mil reais
é adotado tanto pelo STF como pelo STJ?

SIM.

Incide
o princípio da insignificância aos crimes tributários federais e de descaminho
quando o débito tributário verificado não ultrapassar o limite de R$ 20.000,00
(vinte mil reais), a teor do disposto no art. 20 da Lei n. 10.522/2002, com as
atualizações efetivadas pelas Portarias n. 75 e 130, ambas do Ministério da
Fazenda.

STJ. 3ª Seção. REsp 1.709.029/MG, Rel.
Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 28/02/2018 (recurso repetitivo).

O
princípio da insignificância deve ser aplicado ao delito de descaminho quando o
valor sonegado for inferior ao estabelecido no art. 20 da Lei 10.522/2002, com
as atualizações feitas pelas Portarias 75 e 130, ambas do Ministério da
Fazenda.

STF. 1ª Turma. HC 127173, Relator p/
Acórdão Min. Roberto Barroso, julgado em 21/03/2017.

STF. 2ª Turma. HC 136843, Rel. Min. Ricardo
Lewandowski, julgado em 08/08/2017.

Até aqui, tudo bem. Qual foi, no
entanto, a última “polêmica” sobre o tema?

Foi divulgado no Informativo 897
um julgado no qual a 1ª Turma do STF afirmou que não se deve aplicar o limite
de 20 mil reais (valor fixado na Portaria 75/2012).

Segundo o Min. Marco Aurélio, relator
deste julgado, o princípio da insignificância nos crimes tributários não deve
ter nenhuma relação com a quantia que a Administração Pública considera como sendo
de pequeno valor para ajuizar a execução fiscal.

Para o Ministro “a lei que
disciplina o executivo fiscal não repercute no campo penal. Tal entendimento,
com maior razão, deve ser adotado em relação à portaria do Ministério da
Fazenda.”

O art. 935 do Código Civil estabelece
o princípio da independência das esferas civil, penal e administrativa, de
forma que a repercussão no âmbito penal se dá apenas quando decisão proferida
em processo-crime declarar a inexistência do fato ou da autoria.

STF. 1ª Turma. HC 128063, Rel.
Min. Marco Aurélio, julgado em 10/4/2018 (Info 897).

Diante disso, muitos leitores indagaram:
o que fazer agora? Houve mudança de entendimento do STF? O STF deixou de
aplicar o limite de 20 mil reais da Portaria 75/2012?

NÃO. De fato, este julgado (HC
128063) vai contra aquilo que o STF vinha decidindo há anos sobre o tema. Isso
não significa, contudo, que o STF tenha mudado de posição.

O que houve, no presente caso,
foi uma decisão isolada decorrente de uma ausência temporária de dois Ministros
na Turma.

Vamos explicar com calma.

A 1ª Turma é composta por 5 Ministros:

Princípio
da insignificância e crimes tributários

Como julgam
os Ministros da 1ª Turma do STF?

Ministro

Adota o critério de R$ 20 mil?

Precedente

Roberto
Barroso

SIM

STF.
1ª Turma. HC 127173, Relator p/ Acórdão Min. Roberto Barroso, julgado em
21/03/2017.

Luiz
Fux

SIM

STF.
1ª Turma. HC 118067, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 25/03/2014.

Rosa
Weber

SIM

STF.
1ª Turma. HC 136984, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 18/10/2016.

Marco
Aurélio

NÃO

STF.
1ª Turma. HC 128063, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 10/4/2018 (Info
897).

A.
de Moraes

NÃO

STF.
1ª Turma. HC 128063, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 10/4/2018 (Info
897).

Desse modo, 3 Ministros adotam o
critério de R$ 20 mil contra 2 que não o acolhem.

No dia do julgamento do HC 128063,
estavam ausentes os Ministros Roberto Barroso e Luiz Fux. Logo, 2 Ministros
(Marco Aurélio e Alexandre de Moraes) votaram contra a insignificância e uma
Ministra (Rosa Weber) manifestou-se favoravelmente.

Se houvesse a presença de mais um
Ministro, o resultado teria sido diferente e o HC seria concedido ao réu (seja
pelo empate, seja pelo placar de 3×2).

Assim, não se pode dizer, pelo
menos não por enquanto, que tenha havido uma mudança de entendimento do STF.

O que ocorreu foi uma decisão
contrária à jurisprudência da Corte, em razão da ausência episódica de dois
Ministros.

Lamenta-se, apenas pela segurança
jurídica e pelo réu que deu “azar” e teve seu habeas corpus julgado em um dia no
qual dois Ministros favoráveis à tese estavam justificadamente ausentes. Se o
processo tivesse sido apreciado um dia antes ou depois talvez o resultado fosse
completamente diferente.

Artigo Original em Dizer o Direito

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