Imagine a seguinte situação
hipotética:

Chegaram indícios no Ministério
Público de que João, Promotor de Justiça vitalício, teria praticado solicitado,
em razão de sua função, vantagem indevida.

Diante disso, a Corregedoria do
Ministério Público instaurou Processo Administrativo Disciplinar para apurar o
suposto delito.

Em 2011, foi prolatada decisão no
PAD recomendando a propositura de ação penal e de ação civil de perda do cargo
contra o referido Promotor.

Neste PAD, o Promotor poderia ter
sido demitido? Se um membro do Ministério Público pratica uma infração
disciplinar grave, ele poderá ser condenado, em processo administrativo, a pena
de demissão?

NÃO. Os membros do MP gozam de vitaliciedade e somente podem perder o
cargo por sentença judicial transitada em julgado (art. 128, § 5º, I, “a”, da
CF/88).

Além da CF/88, essa vitaliciedade foi regulamentada pelo art. 38,
§ 1º da Lei nº 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do MP) e pelo art. 57, XX, da LC
75/93 (Estatuto do MPU). Essas leis preveem que é necessária a propositura de
uma ação civil para a decretação da perda do cargo contra o membro do
Ministério Público que tiver praticado uma infração disciplinar grave.

Lei nº 8.625/93

O § 2º do art. 38 da Lei nº 8.625/93 (que trata sobre os membros
do MP estadual) exige que a ação para perda do cargo seja proposta contra o
Promotor de Justiça pelo Procurador-Geral de Justiça, após autorização do
Colégio de Procuradores:

Art. 38. (…)

§ 1º O membro vitalício do Ministério Público somente perderá o
cargo por sentença judicial transitada em julgado, proferida em ação civil
própria, nos seguintes casos:

I – prática de crime incompatível com o exercício do cargo, após
decisão judicial transitada em julgado;

II – exercício da advocacia;

III – abandono do cargo por prazo superior a trinta dias corridos.

§ 2º A ação civil para a decretação da perda do cargo será
proposta pelo Procurador-Geral de Justiça perante o Tribunal de Justiça local,
após autorização do Colégio de Procuradores, na forma da Lei Orgânica.

LC 75/93

O inciso XX do art. 57 da LC 75/93 (que versa sobre os membros do
MPU) afirma que a ação para perda do cargo deve ser proposta pelo PGR, após
autorização do Conselho Superior do MPF:

Art. 57. Compete ao Conselho Superior do Ministério Público
Federal:

XX – autorizar, pela maioria absoluta de seus membros, que o
Procurador-Geral da República ajuíze a ação de perda de cargo contra membro
vitalício do Ministério Público Federal, nos casos previstos nesta lei;

(…)

Art. 242. As infrações disciplinares serão apuradas em processo
administrativo; quando lhes forem cominadas penas de demissão, de cassação de
aposentadoria ou de disponibilidade, a imposição destas dependerá, também, de
decisão judicial com trânsito em julgado.

Voltando ao exemplo:

Em 2012, o Procurador-Geral de
Justiça ajuizou ação penal contra o Promotor no Tribunal de Justiça (art. 96,
III, da CF/88) pela prática de corrupção passiva (art. 317 do CP).

Em 2016, o Tribunal de Justiça
condena o réu a uma pena de 2 anos.

Houve o trânsito em julgado.

O Tribunal de Justiça poderá
determinar a perda do cargo, com base no art. 92, I, “a”, do CP (São também
efeitos da condenação: a perda do quando aplicada pena privativa de liberdade
por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder
ou violação de dever para com a Administração Pública)?

NÃO. As regras sobre a perda do
cargo de membro do Ministério Público estadual estão previstas em norma especial,
qual seja, Lei nº 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público), que
dispõe que a perda do referido cargo somente pode ocorrer após o trânsito em
julgado de ação civil proposta para esse fim.

Em outras palavras, o art. 92, I,
“a”, do CP não se aplica para membros do Ministério Público.

STJ. 5ª Turma. REsp 1.251.621-AM,
Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 16/10/2014 (Info 552).

Ação civil de perda do cargo

Em 2017, o Procurador-Geral de
Justiça ajuizou ação civil contra João pedindo a perda de seu cargo.

Em sua
defesa, João alegou que esta ação civil está prescrita. Isso porque os prazos
prescricionais para punições contra os membros do Ministério Público estão
previstos no art. 244 da LC 75/93 (Estatuto do MPU):

Art. 244. Prescreverá:

I – em um ano, a falta punível com
advertência ou censura;

II – em dois anos, a falta punível com
suspensão;

III – em quatro anos, a falta punível
com demissão e cassação de aposentadoria ou de disponibilidade.

Parágrafo único. A falta, prevista na
lei penal como crime, prescreverá juntamente com este.

Segundo a tese de João, a falta
disciplinar por ele praticada é prevista como crime (corrupção passiva – art. 317
do CP). Logo, deve ser aplicado o art. 244, parágrafo único, da LC 75/93.

Como João recebeu pena de 2 anos
pelo crime praticado, a prescrição deverá ser contada com base nessa pena em
concreto. Assim, o prazo prescricional seria de 4 anos, nos termos do art. 109,
V, do CP:

Art. 109.  A prescrição, antes de transitar em julgado a
sentença final, salvo o disposto no § 1º do art. 110 deste Código, regula-se
pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se:

(…)

V – em quatro anos, se o máximo da
pena é igual a um ano ou, sendo superior, não excede a dois;

De acordo com João, este prazo
prescricional iniciou-se na data da decisão do PAD, em 2011.

Primeira pergunta: a LC 75/93
pode ser aplicada à situação de João, mesmo ele sendo membro do Ministério
Público estadual?

SIM. A Lei Orgânica do Ministério
Público (Lei nº 8.625/93) determina que a LC 75/93 deverá ser aplicada de forma
subsidiária:

Art. 80. Aplicam-se aos Ministérios
Públicos dos Estados, subsidiariamente, as normas da Lei Orgânica do Ministério
Público da União.

Segunda pergunta: o prazo
prescricional da ação civil de perda do cargo do membro do Ministério Público é
regido pelo art. 244 da LC 75/93?

SIM.

Terceira pergunta: em caso de falta
disciplinar que também é crime, o prazo prescricional será regido pela pena em
concreto que foi aplicada? Em nosso exemplo, o prazo prescricional deve ser
calculado a partir da pena de 2 anos?

NÃO. O prazo prescricional deve
ser contado com base na pena máxima em abstrato do crime imputado. Nesse
sentido:

(…) 3. Quando o promotor comete uma
infração administrativa, a prescrição é aquela disciplinada em um dos incisos
do art. 244 da Lei Complementar nº 75/93; já quando a infração cometida é
prevista também na lei penal, o prazo prescricional é aquele referente ao crime
praticado.

4. A disposição da lei de que a falta
administrativa prescreverá no mesmo prazo da lei penal, leva a uma única
interpretação possível, qual seja, a de que este prazo será o mesmo da pena em
abstrato, pois este, por definição originária, é o prazo próprio prescricional
dos crimes em espécie. (…)

STJ. 6ª Turma. REsp 379.276/SP, Rel. Min.
Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 14/12/2006.

Em nosso exemplo, o crime
imputado é o de corrupção passiva (art. 317), cuja pena máxima é de 12 anos.
Logo, aplicando-se o art. 109, II, do CP, o prazo prescricional para ajuizar a
ação contra João seria de 16 anos.

Quarta pergunta: esse prazo
prescricional para o ajuizamento da ação é contado a partir de quando?

A partir do trânsito em julgado
da condenação criminal. Isso porque o art. 38, § 1º, I, da Lei nº 8.625/93 afirma
que a ação civil para perda do cargo somente deve ser interposta após o trânsito
em julgado da sentença penal, nos casos em que a falta funcional corresponde
também a uma conduta criminosa.

Assim, uma das condições de
procedibilidade da ação civil para perda do cargo é a existência de decreto
condenatório proferido no juízo criminal e transitado em julgado.

Logo, se a ação somente pode ser
proposta após o trânsito em julgado, não se pode contar a prescrição antes dessa
condição ocorrer.

Prescrição somente ocorre quando
alguém, podendo agir, deixa de fazê-lo, no tempo oportuno.

Em suma:

Na
hipótese de membro de Ministério Público Estadual praticar falta administrativa
também prevista na lei penal como crime, o prazo prescricional da ação civil
para a aplicação da pena administrativa de perda do cargo somente tem início
com o trânsito em julgado da sentença condenatória na órbita penal.

STJ. 2ª Turma. REsp 1.535.222-MA, Rel.
Min. Og Fernandes, julgado em 28/3/2017 (Info 601).

Artigo Original em Dizer o Direito

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