Conceito de prescrição

Prescrição é a perda do direito
do Estado de punir (pretensão punitiva) ou de executar uma punição já imposta
(pretensão executória) em razão de não ter agido (inércia) nos prazos previstos
em lei.

Espécies

Existem duas espécies de prescrição:

I – Prescrição da pretensão punitiva,
que pode ser:

I.a) prescrição da pretensão punitiva
propriamente dita;

I.b) prescrição superveniente ou
intercorrente;

I.c) prescrição retroativa;

II – Prescrição da pretensão executória.

Prescrição da pretensão executória
(prescrição da condenação)

Ocorre quando o Estado perde o
seu poder-dever de executar uma sanção penal já definitivamente imposta pelo
Poder Judiciário em razão de não ter agido nos prazos previstos em lei.

Cálculo da prescrição executória
no caso de pena privativa de liberdade

A prescrição da pretensão
executória da pena privativa de liberdade é calculada com base na pena concreta, fixada na sentença ou no acórdão, que já transitou
em julgado e, portanto, não pode mais ser alterada.

Termo inicial

Como vimos, o Estado tem um prazo
máximo para fazer com que o réu condenado inicie o cumprimento da pena. Caso
não o faça, ocorre a prescrição executória.

A pergunta é: a partir de que dia
começa a correr esse prazo que o Estado tem para fazer com que o condenado
inicie o cumprimento da pena? Dito de outra forma: qual é o termo inicial do
prazo da prescrição da pretensão executória?

A resposta
encontra-se no art. 112, I do CP:

Termo inicial da prescrição após a
sentença condenatória irrecorrível

Art. 112. No caso do art. 110 deste
Código [que trata da prescrição
executória]
, a prescrição começa a correr:

I – do dia em que
transita em julgado a sentença condenatória, para a acusação
, ou a que
revoga a suspensão condicional da pena ou o livramento condicional;

Desse modo, segundo o art. 112, I do
CP, o termo inicial da prescrição executória é a data do trânsito em julgado da
sentença condenatória para a acusação.

E se o MP não recorre, mas a defesa
apresenta recurso?

Nesse caso, a sentença condenatória
transitou em julgado para a acusação. Logo, segundo a redação do art. 112, I do
CP, inicia-se a contagem do prazo de prescrição executória mesmo ainda estando
pendente a apreciação do recurso interposto pela defesa.

Veja o seguinte exemplo hipotético

João foi condenado a 4 anos de reclusão
pelo Tribunal de Justiça.

O Ministério Público concorda com o acórdão
e não recorre, razão pela qual ocorre trânsito em julgado para a acusação no
dia 18/02/2010.

O advogado do réu apresenta recurso
extraordinário, de forma que, para a defesa, não houve trânsito em julgado.

Qual é o prazo de prescrição executória
quando o réu é condenado a 4 anos?

A prescrição ocorre em 8 anos (art.
109, IV, do CP). Em outras palavras, se o réu for condenado a 4 anos, o Estado
tem o poder-dever de fazer com que esse condenado inicie o cumprimento da pena
em até 8 anos. Se passar desse prazo, o Estado perde o poder de executar a
sanção e o condenado não mais terá que cumprir a pena imposta.

Em nosso exemplo, quando se iniciou a
contagem do prazo de prescrição executória (levando-se em consideração a regra
do art. 112, I do CP)?

No dia 18/02/2010, data em que a
sentença transitou em julgado para a acusação. Isso significa que o Estado
tinha um prazo de 8 anos para fazer com que o réu iniciasse o cumprimento da
pena.

Se o réu não começou a cumprir a pena
até 18/02/2018, aconteceu a prescrição.

Essa é a regra que está presente no
art. 112, I do CP.

Crítica à regra do art. 112, I do CP

A CF/88 prevê que ninguém poderá ser
considerado culpado até que haja o trânsito em jugado da sentença penal
condenatória (art. 5º, LVII). Por força desse princípio, durante os anos de
2009 até 2016 prevaleceu no STF o entendimento de que não existia no Brasil a
execução provisória (antecipada) da pena.

Assim, de 2009 até 2016 o STF entendia
que, enquanto não tivesse havido trânsito em julgado para a acusação e para a
defesa, o réu não poderia ser obrigado a iniciar o cumprimento da pena.

Se ainda estava pendente de julgamento
qualquer recurso da defesa, o condenado não podia iniciar o cumprimento da pena
porque ainda era presumivelmente inocente.

Isso perdurou, como já dito, de 2009 (STF.
Plenário. HC 84078, julgado em 05/02/2009) até 2016, quando o STF mudou sua
jurisprudência no HC 126292/SP, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 17/2/2016.

Desse modo, perceba a seguinte situação
estranha que o art. 112, I, ocasionava (entre 2009 a 2016):

• se o réu fosse condenado, a defesa
recorresse e o MP não, esse condenado não podia iniciar o cumprimento da pena
enquanto estivesse pendente o recurso;

• apesar disso, pela redação literal do
art. 112, I, do CP, já começava a correr o prazo da prescrição executória.

Diante desse paradoxo que podia ser
ocasionado pela regra do art. 112, I do CP, alguns doutrinadores e membros do
Ministério Público idealizaram a seguinte tese:

O início do prazo da prescrição
executória devia ser o momento em que ocorre o trânsito em julgado para ambas
as partes, ou seja, tanto para a acusação como para a defesa.

Não se pode dizer que o prazo
prescricional começa com o trânsito em julgado apenas para a acusação, uma vez
que, se a defesa recorreu, o Estado não pode dar início à execução da pena, já que
ainda não haveria uma condenação definitiva.

Se há recurso da defesa, o Estado não
inicia o cumprimento da pena não por desinteresse dele, mas sim porque há uma
vedação de ordem constitucional decorrente do princípio da presunção de
inocência. Ora, se não há desídia do Estado, não se pode falar em prescrição.

Desse modo, foi uma tese que surgiu
para desconsiderar a interpretação literal do art. 112, I, do CP.

Essa tese que desconsidera a regra do
art. 112, I, do CP foi aceita pela jurisprudência?

• STJ: NÃO. Para o STJ, conforme
determina o art. 112, I do CP, o termo inicial da prescrição da
pretensão executória é a data do trânsito em julgado da sentença condenatória para
a acusação
, ainda que a defesa tenha recorrido e que se esteja
aguardando o julgamento desse recurso. Nesse sentido: STJ. 6ª Turma. AgRg no
RHC 74.996/PB, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 12/09/2017.

O argumento de que se deveria aguardar
o trânsito em julgado para ambas as partes não tem previsão legal e contraria o
texto do Código Penal.

Além disso, não se pode querer “corrigir”
a redação do art. 112, I do CP invocando-se o art. 5º, LVII da CF/88, porque
nesse caso se estaria utilizando um dispositivo da Constituição Federal para
respaldar uma “interpretação” totalmente desfavorável ao réu e contra expressa
disposição legal.

Exigir o trânsito em julgado para ambas
as partes como termo inicial da contagem do lapso da prescrição da pretensão
executória, ao contrário do texto expresso da lei, seria inaugurar novo marco
interruptivo da prescrição não previsto no rol taxativo do art. 117 do CP,
situação que também afrontaria o princípio da reserva legal.

Assim, somente com a devida alteração
legislativa é que seria possível modificar o termo inicial da prescrição da
pretensão executória, e não por meio de “adequação hermenêutica”.

• Precedente da 1ª Turma do STF:
SIM.

A 1ª Turma do STF acolhe a tese
acima explicada e entende que o art. 112, I, do CP deve ser interpretado sistematicamente à luz da jurisprudência que
prevaleceu no STF de 2009 a 2016, segundo a qual só era possível a execução da
decisão condenatória depois do trânsito em julgado.

Assim, se não era possível a
execução provisória da pena, não era razoável considerar que o curso da
prescrição da pretensão punitiva já começou a correr pelo simples fato de a
acusação não ter recorrido. Ora, não é possível prescrever aquilo que não pode
ser executado.

Veja ementa nesse sentido:

(…) 2. A partir do julgamento pelo
Plenário desta Corte do HC nº 84.078, deixou-se de se admitir a execução
provisória da pena, na pendência do RE.

3. O princípio da presunção de
inocência ou da não-culpabilidade, tal como interpretado pelo STF, deve
repercutir no marco inicial da contagem da prescrição da pretensão executória, originariamente
regulado pelo art. 112, I do Código Penal.

4. Como consequência das premissas
estabelecidas, o início da contagem do prazo de prescrição somente se dá quando
a pretensão executória pode ser exercida. (…)

STF. 1ª Turma. HC 107710 AgR, Rel.
Min. Roberto Barroso, julgado em 09/06/2015.

Em suma:

Se
o Ministério Público não recorreu contra a sentença condenatória, tendo havido
apenas recurso apenas da defesa, qual deverá ser o termo inicial da prescrição
da pretensão executiva? O início do prazo da prescrição executória deve ser o
momento em que ocorre o trânsito em julgado para o MP? Ou o início do prazo
deverá ser o instante em que se dá o trânsito em julgado para ambas as partes,
ou seja, tanto para a acusação como para a defesa?

• Posicionamento pacífico do STJ: o termo inicial da
prescrição da pretensão executória é a data do trânsito em julgado da sentença
condenatória para a acusação, ainda que a defesa tenha recorrido e que se
esteja aguardando o julgamento desse recurso. Aplica-se a interpretação literal
do art. 112, I, do CP considerando que ela é mais benéfica ao condenado.


Entendimento da 1ª Turma do STF: o início da contagem do prazo de prescrição
somente se dá quando a pretensão executória pode ser exercida. Se o Estado não
pode executar a pena, não se pode dizer que o prazo prescricional já está correndo.
Assim, mesmo que tenha havido trânsito em julgado para a acusação, se o Estado
ainda não pode executar a pena (ex: está pendente uma apelação da defesa), não teve
ainda início a contagem do prazo para a prescrição executória. É preciso fazer
uma interpretação sistemática do art. 112, I, do CP.

STF. 1ª Turma. RE 696533/SC, Rel. Min.
Luiz Fux, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgado em 6/2/2018 (Info 890).

Artigo Original em Dizer o Direito

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