Uma das novidades inseridas pela Lei da Reforma Trabalhista, é a possibilidade de declaração, inclusive de ofício, da prescrição intercorrente nos processos trabalhistas. A alteração legislativa em vigor desde 11 de novembro de 2017 fulminou quaisquer controvérsias existentes a respeito do assunto na jurisprudência, sendo de fulcral importância para a advocacia trabalhista.
Antes, importante ressaltar que a prescrição é a punição pela inércia da parte lesada, sendo aplicável na Justiça Laboral, antes da Lei da Reforma Trabalhista, apenas a prescrição bienal e quinquenal. A primeira diz respeito à impossibilidade de se ajuizar ação trabalhista reclamando após decorridos dois anos da extinção do contrato de trabalho; a segunda, também conhecida como parcial, implica na impossibilidade de se discutir créditos resultantes da relação de trabalho anteriores aos últimos cinco anos contados da data de ajuizamento da reclamação trabalhista.
Ambas as modalidades de prescrições são anteriores ao processo, que após ajuizado somente admite a declaração da prescrição intercorrente, tema do presente artigo. Tal espécie de prescrição ocorre quando o credor se queda inerte e o processo fica parado por um período determinado, culminando em sua extinção como forma de punir a letargia daquele que tem interesse nos créditos oriundos da condenação judicial.
TST versus STF em relação à prescrição intercorrente
O reconhecimento da possibilidade de aplicação da prescrição intercorrente no âmbito da execução trabalhista gerou certo alvoroço entre operadores do direito em razão da existência de um conflito de jurisprudências entre o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior do Trabalho, que já tinham se deparado com esse assunto e se manifestado a respeito por meio das Súmulas 327 e 114, respectivamente.
A Súmula 327 do STF é incisiva ao dizer que “O direito trabalhista admite a prescrição intercorrente”, entendimento este que já condizia com uma Súmula anterior do mesma Corte, de nº 150, a qual preceitua que “Prescreve a execução no mesmo prazo de prescrição da ação”. Ambas as súmulas poderiam ser utilizadas pelo TST para coadunar com a aplicação da prescrição intercorrente na execução trabalhista.
Em tempo, o TST também poderia se valer da Lei de Execução Fiscal (Lei 6.830/80, aplicável ao processo do trabalho por força do artigo 889 da CLT), que em seu artigo 40, § 4º, prevê que “da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato”.
Posicionamento do TST
Vale lembrar a redação do artigo 884, § 1º, da CLT, com a seguinte redação:
“A matéria de defesa será restrita às alegações de cumprimento da decisão ou do acordo, quitação ou prescrição da dívida”.
Ora, o artigo 884 disciplina e regulamenta os Embargos à Execução, recurso exclusivo do executado, de modo que a “prescrição da dívida” prevista no § 1º só pode fazer referência à ocorrência de prescrição intercorrente, entendimento este muito defendido antes do advento da Lei da Reforma Trabalhista.
Inobstante a existência de vários fundamentos que serviriam de espeque ao TST para balizar e defender a aplicação da prescrição intercorrente na Justiça do Trabalho, a Colenda Corte seguiu o caminho contrário, fixando o entendimento de que tal prescrição era inaplicável na Especializada com a edição da Súmula 114.
Não sendo o bastante, ainda publicou a Instrução Normativa nº 39/2016, aprovada pela Resolução nº 203/2016 após o advento do atual Código de Processo Civil em 2015, que em seu artigo 2º vaticina: “não se aplicam ao Processo do Trabalho, em razão de inexistência de omissão ou por incompatibilidade, os seguintes preceitos do Código de Processo Civil: (…) VIII – arts. 921, §§ 4º e 5º, e 924, V (prescrição intercorrente);”.
Verifica-se, por todos os ângulos, que o TST relutou ante à jurisprudência sumulada do STF, entendendo que a prescrição intercorrente não seria aplicável no processo trabalhista pela inexistência de norma ou incompatibilidade, natureza alimentar dos créditos trabalhistas, execução de ofício (que também foi modificada pela Lei da Reforma Trabalhista), vulnerabilidade do trabalhador etc.
Divergência jurisprudencial entre TST e STF
No conjunto de justificativas do Projeto de Lei que culminou na aprovação da Lei 13.467/2017, vê-se que a divergência jurisprudencial entre TST e STF serviram como parâmetro para que o artigo 11-A fosse inserido na CLT, consolidando a aplicação dessa modalidade de prescrição na Justiça do Trabalho. Vejamos um pequeno trecho:
A prescrição não é a perda do direito, mas a perda da ação correspondente ao implemento do direito pretendido, pela passagem do tempo, e inércia do titular do direito em buscá-lo. A prescrição existe em todo o mundo, em qualquer ordenamento jurídico e, para se ter ideia, até o crime de homicídio prescreve. Mas, no Brasil, o crédito trabalhista não prescreve, segundo Súmula do TST, que contraria frontalmente Súmula sobre tema idêntico do STF.
A redação do Substitutivo é criteriosa, a ponto de prever que a prescrição intercorrente – que ocorre na fase de execução do processo – 36 somente ocorrerá após 2 anos. E o marco inicial deste prazo ocorre somente quando o próprio exequente deixar de cumprir alguma determinação do juízo para prosseguir com o processo. Até mesmo os créditos da Fazenda Pública podem prescrever de forma intercorrente, na forma da lei federal regente. O prazo de dois anos foi estabelecido a partir da norma constitucional, que prevê o prazo prescricional de dois anos para propositura de ação na área trabalhista.
Pondo de lado qualquer retórica apaixonada que inflamou o Congresso Nacional por ocasião das discussões a respeito da Lei da Reforma Trabalhista, é evidente que o assunto carecia de regulamentação expressa, razão pela qual se deu a inserção do artigo 11-A na CLT.
A Reforma Trabalhista e a prescrição intercorrente
Como já ventilado em linhas pretéritas, a Lei da Reforma Trabalhista trouxe alterações significativas no que concerne à aplicação da prescrição intercorrente na Justiça do Trabalho, inserindo o artigo 11-A e parágrafos com a seguinte redação:
Art. 11-A. Ocorre a prescrição intercorrente no processo do trabalho no prazo de dois anos.
§ 1º A fluência do prazo prescricional intercorrente inicia-se quando o exequente deixa de cumprir determinação judicial no curso da execução.
§ 2º A declaração da prescrição intercorrente pode ser requerida ou declarada de ofício em qualquer grau de jurisdição.
Não há mais dúvidas, portanto, quanto à possibilidade de aplicação da prescrição intercorrente no âmbito da Justiça do Trabalho. Ve-se que o legislador ordinário seguiu a mesma linha de entendimento que já tinha sido esposada pelo STF nas Súmulas 150 e 327, confrontando, contudo, o entendimento do TST, até então aplicado nos processos trabalhistas.
Da leitura do parágrafo primeiro destaca-se que a prescrição intercorrente é uma forma de se punir a parte exequente, interessada nos créditos resultantes da condenação judicial, e a fluência do prazo somente se iniciará quando houver o descumprimento de determinação judicial por esta.
Execuções trabalhistas
É comum em execuções trabalhistas que, após algumas tentativas de execução, o Juízo intima a parte exequente para que indique bens penhoráveis, ou que proceda às diligências necessárias ao prosseguimento da execução, sendo que apenas no caso de inércia da parte exequente se declarará a prescrição intercorrente.
O parágrafo segundo é de salutar importância, pois prevê que no caso de inércia do exequente, ainda que ausente manifestação da executada com requerimento específico, poderá o próprio Juízo da execução poderá reconhecer e declaração a incidência da prescrição intercorrente. Tal medida dará maior efetividade ao instituto recém introduzido na legislação trabalhista, impedindo que a prescrição não seja declarada por ausência de requerimento da executada.
Expectativas e alertas para a advocacia trabalhista
Assim como tenho feito em outros artigos sobre a Reforma Trabalhista, não há motivo para pânico, nem para os reclamantes e muito menos para os advogados trabalhistas. A prescrição intercorrente tem regras específicas para sua incidência, e sua declaração nos autos somente ocorrerá se o exequente, de fato, quedar-se inerte por dois anos no curso da execução trabalhista.
O Professor Deusmar José Rodrigues nos lembra a importância da prescrição intercorrente para a Justiça do Trabalho:
No Brasil, aproximadamente 14% dos processos judiciais terminam com a entrega da prestação jurisdicional, ou seja, o credor efetivamente recebe o que vem buscar na Justiça. Nem mesmo a “penhora online” (bloqueio de dinheiro via BacenJud) contorna o gargalo da execução. Impulsionar um processo sem expectativa de penhora e leilão de bens onera a sociedade e não dá a resposta esperada pelo reclamante. Neste contexto, a prescrição intercorrente deve ser aplicada, claro, desde que inerte o credor. (Lei da Reforma Trabalhista: comentada artigo por artigo / Coordenador e coautor Deusmar José Rodrigues – Leme (SP): JH Mizuno, 2017)
Instrução Normativa nº 41 do TST
Por fim, a recentíssima Instrução Normativa nº 41 do TST disciplina que “o fluxo da prescrição intercorrente conta-se a partir do descumprimento da determinação judicial a que alude o § 1º do art. 11-A da CLT, desde que feita após 11 de novembro de 2017”, não importando, logo, a data de ajuizamento da ação trabalhista, mas a data da determinação judicial descumprida.
Verifica-se que a prescrição intercorrente exige maior cautela para o advogado trabalhista que milita pelo exequente, eis que deverá manter atividade no processo como forma de prevenção. Por outro lado, o advogado que milita pela executada deverá se atentar para uma eventual manifestação requerendo a aplicação da prescrição, se ultrapassados os dois anos de letargia do exequente, para os casos de ausência de declaração de ofício, garantindo o melhor interesse do cliente.
Por Lucas Mantovani – Associado ao Instituto de Estudos Avançados em Direito – Membro do Núcleo de Direito do Trabalho.