Requisitos para o reconhecimento da fraude à execução


NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

Princípio da responsabilidade patrimonial

No processo de execução, vigora, em
regra, o princípio da responsabilidade patrimonial, segundo o qual o débito
será quitado com o patrimônio do devedor.

Assim, com exceção da prestação
alimentícia, o devedor não responde com seu corpo ou sua liberdade pelas
dívidas que tenha. Esses débitos são adimplidos com o patrimônio que o devedor
possua ou venha a possuir. Se não tiver patrimônio, o débito não é pago.

Tal princípio encontra-se previsto no
CPC:

Art. 591. O devedor responde, para o
cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros,
salvo as restrições estabelecidas em lei.

Alienações fraudulentas feitas pelo devedor para fugir
da responsabilidade patrimonial

Se o débito somente pode quitado com o
patrimônio do devedor, podemos imaginar que, em alguns casos, a pessoa se
desfaça de seus bens (verdadeiramente ou de maneira simulada) apenas para não
pagar a dívida.

Alienando seu patrimônio, o devedor
torna-se insolvente e não terá mais como os credores obterem a satisfação do
crédito. Obs: devedor insolvente é aquele cujo patrimônio passivo (dívidas) é
maior que o ativo (bens).

A legislação prevê três formas de se
combater essa prática (fraude do devedor).

Fraude do devedor (alienação fraudulenta)

A legislação prevê
três espécies de fraude do devedor (alienações fraudulentas) e as formas de
combatê-las:

a) Fraude contra credores;

b) Fraude à execução;

c) Atos de disposição de bem já
penhorado.

Vamos tratar aqui apenas da segunda
espécie: fraude à execução.

FRAUDE
À EXECUÇÃO

Conceito

Fraude à execução consiste no ato do
devedor de alienar ou gravar com ônus real (ex: dar em hipoteca) um bem que lhe
pertence, em uma das situações previstas nos incisos do art. 593 do CPC.

A fraude contra a execução, além de
causar prejuízo ao credor, configura ato atentatório à dignidade da Justiça
(art. 600, I, do CPC).

Hipóteses em que há fraude à execução
segundo o CPC:

Art. 593.  Considera-se em fraude de execução a alienação ou oneração de bens:

I – quando sobre eles pender ação
fundada em direito real;

II – quando, ao tempo da alienação ou
oneração, corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência;

III – nos demais casos expressos em
lei.

Se o devedor alienou ou gravou com ônus
real determinado bem praticando fraude à execução, esse bem continua
respondendo pela dívida e poderá ser executado (poderá ser expropriado pelo
credor) (art. 592, V, do CPC).

É possível que ocorra fraude à execução
se a alienação ou oneração ocorreu antes que a execução tenha sido proposta?

NÃO. Para que ocorra a fraude à execução
é necessário que a execução tenha sido ao menos ajuizada.

É possível que ocorra fraude à execução
se a alienação ou oneração ocorreu antes que o executado tenha sido citado?

Em regra NÃO. Em regra, para que haja
fraude à execução é indispensável que a alienação ou oneração tenham acontecido
após o devedor ter sido citado. Isso porque para que haja fraude é necessário
que o devedor soubesse que estava sendo executado quando alienou ou onerou o
bem. Quando o devedor é citado existe a certeza de que a partir daquele momento
ele tem consciência da existência do processo.

Logo, se o devedor vender ou onerar o
bem depois de a execução ter sido ajuizada, mas antes de ele ser citado, em
regra, não haverá fraude à execução.

Por que se falou “em regra”? É possível
que se reconheça a fraude à execução se o devedor vendeu ou onerou o bem mesmo
antes de ser citado?

SIM. Existe uma situação em que será
possível reconhecer a fraude à execução quando o devedor alienou ou onerou o
bem após o ajuizamento, mas antes de ser citado. Isso ocorre quando o exequente
fez a averbação da execução nos registros públicos (art. 615-A do CPC).

Vamos abrir um parêntese para explicar
o que em que consiste essa averbação e depois voltamos à fraude à execução.

Parêntese: averbação da execução como
instrumento para evitar a fraude à execução

Em 2006, o legislador acrescentou o
art. 615-A ao CPC prevendo um instrumento para tentar evitar a fraude à
execução.

Esse artigo permitiu que o exequente
faça a averbação do ajuizamento da execução em registro público de bens
sujeitos à penhora ou arresto.

Explicando em simples palavras:

• Logo após dar entrada na execução, o
credor pode obter uma certidão no fórum declarando que ele ajuizou uma execução
contra Fulano (devedor) cobrando determinada quantia.

• Em seguida, o exequente vai até os
registros públicos onde possa haver bens do devedor lá registrados (exs:
registro de imóveis, DETRAN, registro de embarcações na capitania dos portos) e
pede para que seja feita a averbação (uma espécie de anotação/observação feita
no registro) da existência dessa execução contra o proprietário daquele bem.

• Assim, se alguém for consultar a
situação daquele bem, haverá uma averbação (anotação) de que existe uma
execução contra o proprietário.

• Essa providência serve como um aviso
ao devedor e um alerta para a pessoa que eventualmente quiser adquirir a coisa
já que eles, ao consultarem a situação do bem, saberão que existe uma execução
contra o alienante e que aquele não pode ser vendido, sob pena de haver fraude
à execução.

• Se o devedor alienar ou onerar o bem
após o credor ter feito a averbação, essa alienação ou oneração é ineficaz (não
produz efeitos) porque haverá uma presunção absoluta de que ocorreu fraude à
execução.

Leia a íntegra do art. 615-A do CPC que
tem muitas informações importantes sobre o tema:

Art. 615-A. O exequente poderá, no ato
da distribuição, obter certidão comprobatória do ajuizamento da execução, com
identificação das partes e valor da causa, para fins de averbação no registro
de imóveis, registro de veículos ou registro de outros bens sujeitos à penhora
ou arresto.

§ 1º O exequente deverá comunicar ao
juízo as averbações efetivadas, no prazo de 10 (dez) dias de sua concretização.

§ 2º Formalizada penhora sobre bens
suficientes para cobrir o valor da dívida, será determinado o cancelamento das
averbações de que trata este artigo relativas àqueles que não tenham sido
penhorados.

§ 3º Presume-se em
fraude à execução a alienação ou oneração de bens efetuada após a averbação
(art. 593).

§ 4º O exequente que promover averbação
manifestamente indevida indenizará a parte contrária, nos termos do § 2º do
art. 18 desta Lei, processando-se o incidente em autos apartados.

§ 5º Os tribunais poderão expedir
instruções sobre o cumprimento deste artigo.

Fechando o parêntese e voltando a
tratar especificamente sobre a fraude:

Regra geral: para que haja fraude à execução é indispensável que
tenha havido a citação válida do devedor.

Exceção: mesmo
sem citação válida, haverá fraude à execução se, quando o devedor alienou ou
onerou o bem, o credor já havia realizado a averbação da execução nos registros
públicos (art. 615-A do CPC). Presume-se em fraude de execução a alienação ou
oneração de bens realizada após essa averbação (§ 3º do art. 615-A).

Se o credor perceber que o devedor,
mesmo após ter sido proposta a execução, fez alienação ou oneração de bens ele
precisará ajuizar uma ação para provar que houve a fraude à execução?

NÃO. Basta que o credor lesado apresente
uma petição ao juízo onde tramita a execução pedindo que seja reconhecida a
fraude à execução e declarada a ineficácia do ato de disposição
(alienação ou oneração).

Atenção: o ato praticado em fraude à
execução é um ato válido, mas ineficaz perante o credor (reconhecida a
fraude à execução, o juiz decretará a ineficácia da alienação).

Como fica a situação da pessoa que
adquiriu o bem alienado (chamado de “terceiro”)? Esse terceiro perderá o bem? Como
protegê-lo?

Ao mesmo tempo que se deve evitar a
fraude à execução, é também necessário que se proteja o terceiro de boa-fé.
Pensando nisso, o STJ firmou o entendimento de que somente será possível reconhecer
a fraude à execução se:

• ficar provado a má-fé do terceiro
adquirente; ou

• se no momento da alienação, o bem
vendido já estava penhorado na execução e essa penhora estava registrada no
cartório de imóveis (§ 4º do art. 659).

A fim de que não houvesse mais polêmica,
essa posição foi sumulada pelo STJ. Veja:

Súmula 375-STJ: O reconhecimento da
fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de
má-fé do terceiro adquirente.

De quem é o ônus de provar que o
terceiro adquirente estava de má-fé?

Do credor (exequente). Em regra, a
boa-fé se presume, a má-fé se prova.

Logo, apesar de ser um trabalho difícil,
o credor é quem deverá trazer aos autos provas ou indícios de que o terceiro
adquirente estava de má-fé quando adquiriu o bem.

O que é o registro da penhora? É o
mesmo que a averbação do art. 615-A que vimos acima?

NÃO. O registro da
penhora é uma coisa e a averbação do art. 615-A do CPC é outra completamente diversa.

Penhorar significa apreender
judicialmente os bens do devedor para utilizá-los, direta ou indiretamente, na
satisfação do crédito executado.

A penhora ocorra depois que já existe
execução em curso e o executado já foi citado e não pagou.

Após ser realizada a penhora, o
exequente, para se resguardar ainda mais, pode pegar, na Secretaria da Vara
onde tramita a execução, uma certidão de inteiro teor narrando que foi
realizada a penhora sobre determinado bem. Após, de posse dessa certidão, ele
poderá ir até o cartório de registro de imóveis e pedir que seja feita a averbação da penhora. Isso está previsto no § 4º do art. 659 do
CPC.

Caso faça a averbação isso irá gerar
uma presunção absoluta de que todas as pessoas sabem que esse bem está
penhorado. Logo, se alguém adquirir o bem, tal pessoa será considerada terceiro
de má-fé e essa venda não será eficaz.

Em outras palavras, o terceiro, mesmo
tendo pago o preço, perderá a coisa porque adquiriu bem cuja penhora estava registrada.

Leia novamente a súmula 375-STJ e veja
se agora ficou mais clara:

Súmula 375-STJ: O reconhecimento da
fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de
má-fé do terceiro adquirente.

Crítica à Súmula 375-STJ

De forma muito rápida para não complicar
ainda mais esse tema que é difícil, deve-se alertar para o fato de que alguns
doutrinadores criticam esse enunciado porque ele confunde o instituto da “fraude
à execução” com a “alienação de bem penhorado”.

Para a doutrina, quando o executado
vende um bem seu que está penhorado, ele não comete “fraude à execução”, mas
sim um ato fraudulento ainda mais grave e atentatório à jurisdição chamado de “alienação
de bem penhorado”.

A Súmula confunde os institutos no
seguinte trecho: “O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da
penhora do bem alienado”. Repetindo: para a doutrina, alienar bem penhorado é
um outro vício (mais grave).

Cuidado: na grande maioria das provas,
fique com o entendimento exposto na súmula. Somente fale sobre essa crítica da
doutrina se você for expressamente perguntado sobre isso. Caso contrário, não é
necessário entrar nessa celeuma.

Teses definidas pelo STJ

O STJ apreciando o tema sob o regime do recurso repetitivo,
reafirmou os entendimentos acima expostos e definiu as seguintes teses:

1) Em regra, para que haja fraude à
execução é indispensável que tenha havido a citação válida do devedor;

2) Mesmo sem citação válida, haverá fraude
à execução se, quando o devedor alienou ou onerou o bem, o credor já havia
realizado a averbação da execução nos registros públicos (art. 615-A do CPC).
Presume-se em fraude de execução a alienação ou oneração de bens realizada após
essa averbação (§ 3º do art. 615-A do CPC).

3) Persiste válida a Súmula 375 do STJ
segundo a qual o reconhecimento da fraude de execução depende do registro da
penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente;

4) A presunção de boa-fé é princípio geral
de direito universalmente aceito, devendo ser respeitado a parêmia (ditado)
milenar que diz o seguinte: “a boa-fé se presume, a má-fé se prova”;

5) Assim, não havendo registro da penhora
na matrícula do imóvel, é do credor o ônus de provar que o terceiro adquirente
tinha conhecimento de demanda capaz de levar o alienante à insolvência (art.
659, § 4º, do CPC).

STJ. Corte
Especial. REsp 956.943-PR, Rel. originária Min. Nancy Andrighi, Rel. para
acórdão Min. João Otávio de Noronha, julgado em 20/8/2014 (recurso repetitivo)
(Info 552).

Artigo Original em Dizer o Direito

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