Imagine a seguinte situação hipotética:
João, servidor
público federal, desviou, em proveito próprio, dinheiro de que tinha posse em
razão do cargo.
público federal, desviou, em proveito próprio, dinheiro de que tinha posse em
razão do cargo.
Esse fato pode ser analisado sob três aspectos:
o penal, o administrativo e o civil.
o penal, o administrativo e o civil.
• Sob o aspecto penal: o agente pode
responder a processo penal e ser condenado pelo crime de peculato-desvio (art.
312, 2ª parte, do CP).
responder a processo penal e ser condenado pelo crime de peculato-desvio (art.
312, 2ª parte, do CP).
• Sob o aspecto administrativo: o
servidor pode responder a processo administrativo disciplinar e ser condenado a
sanção de demissão (art. 132, I, da Lei nº 8.112/90).
servidor pode responder a processo administrativo disciplinar e ser condenado a
sanção de demissão (art. 132, I, da Lei nº 8.112/90).
• Sob o aspecto cível: João pode ser
réu em ação de improbidade, estando sujeito às sanções previstas no art. 12, I,
da Lei nº 8.429/92).
réu em ação de improbidade, estando sujeito às sanções previstas no art. 12, I,
da Lei nº 8.429/92).
Vamos nos concentrar aqui no aspecto
administrativo e, mais especificamente, na prescrição.
administrativo e, mais especificamente, na prescrição.
Prescrição da infração
administrativa
administrativa
As infrações disciplinares, assim
como as infrações penais, também estão sujeitas à prescrição. Logo, se a
Administração Pública demorar muito tempo para apurar uma falta cometida pelo
servidor, ela perderá o direito de punir.
como as infrações penais, também estão sujeitas à prescrição. Logo, se a
Administração Pública demorar muito tempo para apurar uma falta cometida pelo
servidor, ela perderá o direito de punir.
A prescrição da pretensão
punitiva é um direito fundamental do ser humano e está baseado na segurança
jurídica. Somente a Constituição Federal pode declarar que determinada infração
(penal ou administrativa) é imprescritível (exs.: art. 5º, XLII, XLIV; art. 37,
§ 5º).
punitiva é um direito fundamental do ser humano e está baseado na segurança
jurídica. Somente a Constituição Federal pode declarar que determinada infração
(penal ou administrativa) é imprescritível (exs.: art. 5º, XLII, XLIV; art. 37,
§ 5º).
Quais os prazos prescricionais
aplicáveis às sanções administrativas?
aplicáveis às sanções administrativas?
O art.
142 da Lei nº 8.112/90 prevê os prazos de prescrição disciplinar:
142 da Lei nº 8.112/90 prevê os prazos de prescrição disciplinar:
Art. 142. A ação disciplinar
prescreverá:
prescreverá:
I — em 5 (cinco) anos, quanto às
infrações puníveis com demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade e
destituição de cargo em comissão;
infrações puníveis com demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade e
destituição de cargo em comissão;
II — em 2 (dois) anos, quanto à
suspensão;
suspensão;
III — em 180 (cento e oitenta) dias, quanto
à advertência.
à advertência.
(…)
§ 2º Os prazos de prescrição previstos
na lei penal aplicam-se às infrações disciplinares capituladas também como
crime.
na lei penal aplicam-se às infrações disciplinares capituladas também como
crime.
Veja, de
forma mais didática, o tema nesta tabela abaixo:
forma mais didática, o tema nesta tabela abaixo:
Tipo de infração
|
Prazo prescricional
|
Se a sanção prevista para essa
infração administrativa for DEMISSÃO, CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA ou DISPONIBILIDADE e DESTITUIÇÃO de cargo em comissão. |
5 anos
|
Se a sanção for SUSPENSÃO.
|
2 anos
|
Se a sanção for ADVERTÊNCIA.
|
180 dias
|
Se a infração administrativa praticada
for também CRIME. |
Será o mesmo prazo da prescrição
penal (art. 109, CP) |
Qual é o termo inicial dos prazos de
prescrição das infrações administrativas? Em outras palavras, quando se iniciam
os prazos prescricionais previstos no art. 142 da Lei nº 8.112/90?
prescrição das infrações administrativas? Em outras palavras, quando se iniciam
os prazos prescricionais previstos no art. 142 da Lei nº 8.112/90?
Na data
em que o fato se tornou conhecido. É o que diz expressamente o § 1º do art.
142:
em que o fato se tornou conhecido. É o que diz expressamente o § 1º do art.
142:
Art. 142 (…)
§ 1º O prazo de prescrição começa a correr da data em que o
fato se tornou conhecido.
fato se tornou conhecido.
Esse tema é também objeto de um
enunciado do STJ:
enunciado do STJ:
Súmula 635-STJ: Os prazos prescricionais previstos no art. 142
da Lei nº 8.112/1990 iniciam-se na data em que a autoridade competente para a
abertura do procedimento administrativo toma conhecimento do fato,
interrompem-se com o primeiro ato de instauração válido – sindicância de
caráter punitivo ou processo disciplinar – e voltam a fluir por inteiro, após
decorridos 140 dias desde a interrupção.
da Lei nº 8.112/1990 iniciam-se na data em que a autoridade competente para a
abertura do procedimento administrativo toma conhecimento do fato,
interrompem-se com o primeiro ato de instauração válido – sindicância de
caráter punitivo ou processo disciplinar – e voltam a fluir por inteiro, após
decorridos 140 dias desde a interrupção.
Prazo prescricional da infração administrativa
se o fato praticado for também crime
se o fato praticado for também crime
Como vimos acima, o § 2º do art.
142 da Lei nº 8.112/90 afirma que, se o servidor público cometeu infração
disciplinar que também é tipificada como crime, o prazo prescricional para
apuração desta infração administrativa não será o da Lei nº 8.112/90, mas sim o
prazo prescricional previsto no art. 109 do CP para aquele respectivo crime.
142 da Lei nº 8.112/90 afirma que, se o servidor público cometeu infração
disciplinar que também é tipificada como crime, o prazo prescricional para
apuração desta infração administrativa não será o da Lei nº 8.112/90, mas sim o
prazo prescricional previsto no art. 109 do CP para aquele respectivo crime.
Veja novamente
a redação do dispositivo:
a redação do dispositivo:
Art. 142. (…)
§ 2º Os prazos de prescrição previstos
na lei penal aplicam-se às infrações disciplinares capituladas também como
crime.
na lei penal aplicam-se às infrações disciplinares capituladas também como
crime.
Assim, em
nosso exemplo, o prazo para que a Administração Pública apure a infração
disciplinar praticada por João será de 16 anos, com base no art. 109, II c/c
art. 312 do CP:
nosso exemplo, o prazo para que a Administração Pública apure a infração
disciplinar praticada por João será de 16 anos, com base no art. 109, II c/c
art. 312 do CP:
Art. 109. A prescrição, antes de
transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1º do art. 110 deste
Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime,
verificando-se:
transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1º do art. 110 deste
Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime,
verificando-se:
(…)
II – em dezesseis anos,
se o máximo da pena é superior a oito anos e não excede a doze;
se o máximo da pena é superior a oito anos e não excede a doze;
Art. 312. Apropriar-se o funcionário
público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular,
de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou
alheio:
público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular,
de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou
alheio:
Pena – reclusão, de dois a doze anos, e multa.
Exigência de que o fato esteja
sendo apurado na esfera penal para se aplicar o prazo prescricional do art. 109
do CP (superada)
sendo apurado na esfera penal para se aplicar o prazo prescricional do art. 109
do CP (superada)
O STJ adotava uma
intepretação não literal do § 2º do art. 142 da Lei nº 8.112/90.
intepretação não literal do § 2º do art. 142 da Lei nº 8.112/90.
O STJ dizia o seguinte: o
§ 2º do art. 142 somente deve aplicado quando o fato, objeto do processo
administrativo, também estiver sendo apurado na esfera criminal.
§ 2º do art. 142 somente deve aplicado quando o fato, objeto do processo
administrativo, também estiver sendo apurado na esfera criminal.
Assim, somente se aplicava o
prazo prescricional previsto na legislação penal quando houver sido proposta
denúncia ou ao menos instaurado um inquérito policial para apurar o fato.
prazo prescricional previsto na legislação penal quando houver sido proposta
denúncia ou ao menos instaurado um inquérito policial para apurar o fato.
Se não houve apuração na esfera
penal, deve ser aplicado o prazo prescricional de 5 anos, de acordo com o art.
142, I, da Lei nº 8.112/90.
penal, deve ser aplicado o prazo prescricional de 5 anos, de acordo com o art.
142, I, da Lei nº 8.112/90.
A mera presença de indícios de
prática de crime sem a devida apuração nem formulação de denúncia obstava a
aplicação do art. 142, § 2º, da Lei nº 8.112/90, devendo ser utilizada a regra
geral prevista no inciso I desse dispositivo.
prática de crime sem a devida apuração nem formulação de denúncia obstava a
aplicação do art. 142, § 2º, da Lei nº 8.112/90, devendo ser utilizada a regra
geral prevista no inciso I desse dispositivo.
Desse modo, com base na antiga
orientação do STJ, no caso de João, o prazo prescricional para apurar a
infração administrativa iria depender:
orientação do STJ, no caso de João, o prazo prescricional para apurar a
infração administrativa iria depender:
• Se já tivesse havido oferecimento
de denúncia ou instauração de IP: o prazo prescricional seria de 16 anos (com
base na prescrição penal);
de denúncia ou instauração de IP: o prazo prescricional seria de 16 anos (com
base na prescrição penal);
• Se não houvesse propositura de
ação penal nem instauração de IP: o prazo prescricional seguia a regra geral,
ou seja, seria de 5 anos (com base na legislação administrativa).
ação penal nem instauração de IP: o prazo prescricional seguia a regra geral,
ou seja, seria de 5 anos (com base na legislação administrativa).
Esse entendimento ainda é adotado
pelo STJ?
pelo STJ?
NÃO. Não há mais essa exigência
de que o fato esteja sendo apurado na esfera penal.
de que o fato esteja sendo apurado na esfera penal.
O STJ agora
entende que:
entende que:
O
prazo prescricional previsto na lei penal se aplica às infrações disciplinares
também capituladas como crime independentemente da apuração criminal da conduta
do servidor.
prazo prescricional previsto na lei penal se aplica às infrações disciplinares
também capituladas como crime independentemente da apuração criminal da conduta
do servidor.
Para
se aplicar a regra do § 2º do art. 142 da Lei nº 8.112/90 não se exige que o
fato esteja sendo apurado na esfera penal (não se exige que tenha havido
oferecimento de denúncia ou instauração de inquérito policial).
se aplicar a regra do § 2º do art. 142 da Lei nº 8.112/90 não se exige que o
fato esteja sendo apurado na esfera penal (não se exige que tenha havido
oferecimento de denúncia ou instauração de inquérito policial).
Se
a infração disciplinar praticada for, em tese, também crime, deve ser aplicado
o prazo prescricional previsto na legislação penal independentemente de
qualquer outra exigência.
a infração disciplinar praticada for, em tese, também crime, deve ser aplicado
o prazo prescricional previsto na legislação penal independentemente de
qualquer outra exigência.
STJ. 1ª Seção. MS 20.857-DF, Rel. Min.
Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. Acd. Min. Og Fernandes, julgado em 22/05/2019
(Info 651).
Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. Acd. Min. Og Fernandes, julgado em 22/05/2019
(Info 651).
Esse novo entendimento do STJ
está baseado na independência das esferas administrativa e criminal. Em razão
dessa independência de instâncias, a existência de apuração criminal não pode
ser um pré-requisito para a utilização do prazo prescricional penal.
está baseado na independência das esferas administrativa e criminal. Em razão
dessa independência de instâncias, a existência de apuração criminal não pode
ser um pré-requisito para a utilização do prazo prescricional penal.
Além disso, “o lapso
prescricional não pode variar ao talante da existência ou não de ação penal,
justamente pelo fato de a prescrição estar relacionada ao vetor da segurança
jurídica.” (Min. Gurgel de Faria). Em outras palavras, geraria uma enorme
insegurança jurídica se o prazo prescricional da infração administrativa fosse
“decidido” com base na existência ou não apuração criminal.
prescricional não pode variar ao talante da existência ou não de ação penal,
justamente pelo fato de a prescrição estar relacionada ao vetor da segurança
jurídica.” (Min. Gurgel de Faria). Em outras palavras, geraria uma enorme
insegurança jurídica se o prazo prescricional da infração administrativa fosse
“decidido” com base na existência ou não apuração criminal.
Também é a posição do STF
Vale ressaltar que esse
entendimento mais recente do STJ é também adotado pelo STF:
entendimento mais recente do STJ é também adotado pelo STF:
(…) LEGITIMIDADE DA APLICAÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL DA LEI
PENAL, INDEPENDENTEMENTE, DE
PENAL, INDEPENDENTEMENTE, DE
INSTAURAÇÃO DE PROCEDIMENTO NA ESFERA CRIMINAL. (…)
STF. 1ª Turma. MS 35631 ED/DF, Rel. Min. Alexandre de Moraes,
DJe 22/11/2018.
DJe 22/11/2018.
(…) Capitulada a infração administrativa como crime, o prazo
prescricional da respectiva ação disciplinar tem por parâmetro o estabelecido
na lei penal (art. 109 do CP), conforme determina o art. 142, § 2º, da Lei nº
8.112/1990, independentemente da instauração de ação penal. (…)
prescricional da respectiva ação disciplinar tem por parâmetro o estabelecido
na lei penal (art. 109 do CP), conforme determina o art. 142, § 2º, da Lei nº
8.112/1990, independentemente da instauração de ação penal. (…)
STF. 1ª Turma. AgRg no RMS 31.506/DF, Rel. Min. Roberto Barroso,
DJe 26/3/2015.
DJe 26/3/2015.