Imagine a seguinte situação hipotética:

João celebrou contrato de
promessa de compra e venda de um apartamento com a construtora MRT Engenharia.

A cláusula quinta do pacto previa
que a construtora entregaria o apartamento no dia 31/03/2012, podendo prorrogar
a entrega para 30/09/2012 (prazo de tolerância).

Ocorre
que a construtora, por mora imputável unicamente a ela, somente entregou o imóvel
em 11/01/2013.

Diante disso, João ajuizou ação pedindo
a condenação da construtora ao pagamento:

• da multa de 1% ao mês prevista
no contrato (multa contratual); e

• dos lucros cessantes, correspondente
à quantia que o adquirente poderia obter se estivesse alugando o imóvel (valor
do aluguel do imóvel atrasado).

O pedido era para que, tanto o
valor da multa como dos lucros cessantes fossem pagos no período de 01/10/2012
até 11/01/2013 (quando ocorreu a efetiva entrega das chaves).

Em que consiste essa multa
contratual? Qual é a sua natureza jurídica?

Trata-se de uma cláusula penal
moratória.

O que é cláusula penal?

Cláusula penal é…

– uma cláusula do contrato

– ou um contrato acessório ao principal

– em que se estipula, previamente, o
valor da indenização que deverá ser paga

– pela parte contratante que não
cumprir, culposamente, a obrigação.

A cláusula penal também pode ser
chamada de multa convencional, multa contratual ou pena convencional.

A cláusula penal é uma obrigação
acessória, referente a uma obrigação principal.

Pode estar inserida dentro do contrato
(como uma cláusula) ou prevista em instrumento separado.

Espécies de cláusula penal

Existem
duas espécies de cláusula penal:

MORATÓRIA

(compulsória):

COMPENSATÓRIA

(compensar o inadimplemento)

Estipulada para desestimular
o devedor a incorrer em mora ou para evitar que deixe de cumprir determinada
cláusula especial da obrigação principal. É a cominação contratual de uma
multa para o caso de mora.

Estipulada para servir como
indenização no caso de total inadimplemento da obrigação principal.

Finalidade: para uns, funciona
como punição pelo atraso no cumprimento da obrigação. Para outros autores,
teria uma função apenas de inibir o descumprimento e indenizar os prejuízos (não
teria finalidade punitiva).

Funciona como uma prefixação
das perdas e danos.

Aplicada para o caso de
inadimplemento relativo.

Aplicada para o caso de
inadimplemento absoluto.

Ex: em uma promessa de compra
e venda de um apartamento, é estipulada multa para o caso de atraso na
entrega.

Ex: em um contrato para que
um cantor faça um show no réveillon, é estipulada uma multa de 100 mil reais
caso ele não se apresente.

Art. 411. Quando se estipular
a cláusula penal para o caso de mora, ou em segurança especial de outra cláusula
determinada, terá o credor o arbítrio de exigir a satisfação da pena
cominada, juntamente com o desempenho da obrigação principal.

Art. 410. Quando se estipular
a cláusula penal para o caso de total inadimplemento da obrigação, esta
converter-se-á em alternativa a benefício do credor.

Multa moratória = obrigação principal + multa

Multa compensatória = obrigação principal ou multa

Em caso de atraso na entrega do
imóvel, é possível a cumulação da indenização por lucros cessantes com a
cláusula penal moratória? Em nosso exemplo, será possível condenar a
construtora ao pagamento da multa e mais os lucros cessantes?

NÃO.

Para o Min. Luis Felipe Salomão,
a natureza da cláusula penal moratória é eminentemente reparatória (indenizatória),
possuindo também, reflexamente, uma função dissuasória (ou seja, de desestímulo
ao descumprimento).

Tanto isso é verdade que a maioria
dos contratos de promessa de compra e venda prevê uma multa contratual por
atraso (cláusula penal moratória) que varia de 0,5% a 1% ao mês sobre o valor
total do imóvel. Esse valor é escolhido porque representa justamente a quantia
que imóvel alugado, normalmente, produziria ao locador.

Assim, como a cláusula penal
moratória já serve para indenizar/ressarcir os prejuízos que a parte sofreu, não
se pode fazer a sua cumulação com lucros cessantes (que também consiste em uma forma
de ressarcimento).

Diante desse cenário, havendo
cláusula penal no sentido de prefixar, em patamar razoável, a indenização, não
cabe a sua cumulação com lucros cessantes.

Em suma:

A
cláusula penal moratória tem a finalidade de indenizar pelo adimplemento tardio
da obrigação, e, em regra, estabelecida em valor equivalente ao locativo,
afasta-se sua cumulação com lucros cessantes.

STJ. 2ª Seção. REsp
1.498.484-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 22/05/2019 (recurso repetitivo)
(Info 651).

Mudança de entendimento

Vale ressaltar que a decisão acima
explicada representa uma alteração de entendimento. Isso porque o STJ entendia
que:

A cláusula penal moratória não era
estipulada para compensar o inadimplemento nem para substituir o adimplemento.
Assim, a cominação contratual de uma multa para o caso de mora não interferia
com a responsabilidade civil. Logo, não havia óbice a que se exija a cláusula
penal moratória juntamente com o valor referente aos lucros cessantes.

Desse modo, no caso de mora,
existindo cláusula penal moratória, concedia-se ao credor a faculdade de
requerer, cumulativamente: a) o cumprimento da obrigação; b) a multa
contratualmente estipulada; e ainda c) indenização correspondente às perdas e
danos decorrentes da mora.

Nesse sentido: STJ. 3ª Turma.
REsp 1355554-RJ, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 6/12/2012 (Info 513).

Se não houver cláusula penal, continua
sendo possível a condenação por lucros cessantes

Nem sempre os contratos de
promessa de compra e venda possuem cláusula penal estipulando multa para a
construtora em caso de atraso na entrega do imóvel. Assim, se não existir cláusula
penal e se houve efetivamente o atraso, será possível condenar a construtora ao
pagamento de lucros cessantes.

O atraso na entrega do imóvel enseja pagamento de indenização
por lucros cessantes durante o período de mora do promitente vendedor, sendo
presumido o prejuízo do promitente comprador.

Os lucros cessantes serão devidos ainda que não fique
demonstrado que o promitente comprador tinha finalidade negocial na transação.

STJ. 2ª Seção. EREsp 1.341.138-SP, Rel. Min. Maria Isabel
Gallotti, julgado em 09/05/2018 (Info 626).

Ampliando um pouco o debate: em um
contrato no qual foi estipulada uma cláusula penal COMPENSATÓRIA, caso haja o inadimplemento,
é possível que o credor exija o valor desta cláusula penal e mais as perdas e
danos?

Também não. Não se pode cumular multa
compensatória prevista em cláusula penal com indenização por perdas e danos
decorrentes do inadimplemento da obrigação.

A finalidade da cláusula penal
compensatória é recompor a parte pelos prejuízos que eventualmente decorram do
inadimplemento total ou parcial da obrigação. Não é possível, portanto, cumular
cláusula penal compensatória com perdas e danos decorrentes de inadimplemento
contratual.

Com efeito, se as próprias partes já
acordaram previamente o valor que entendem suficiente para recompor os
prejuízos experimentados em caso de inadimplemento, não se pode admitir que,
além desse valor, ainda seja acrescido outro, com fundamento na mesma justificativa
– a recomposição de prejuízos.

Entendimento atual do STJ:

Em um contrato no qual foi
estipulada uma cláusula penal, caso haja o inadimplemento é possível que o
credor exija o valor desta cláusula penal e mais as perdas e danos?

NÃO. Isso tanto em caso de cláusula
penal moratória como também compensatória.

Lei nº 13.786/2018

Em 28/12/2018, entrou em vigor a Lei
nº 13.786/2018, que dispõe sobre a resolução do contrato por inadimplemento do
adquirente de unidade imobiliária.

A Lei nº
13.786/2018 acrescentou o art. 43-A na Lei nº 4.591/64 para tratar sobre o inadimplemento
(parcial ou absoluto) em contratos de compra e venda, promessa de venda, cessão
ou promessa de cessão de unidades autônomas integrantes de incorporação
imobiliária ou de loteamento. Veja inicialmente o que diz o caput:

Art. 43-A. A entrega do imóvel em até
180 (cento e oitenta) dias corridos da data estipulada contratualmente como
data prevista para conclusão do empreendimento, desde que expressamente
pactuado, de forma clara e destacada, não dará causa à resolução do contrato
por parte do adquirente nem ensejará o pagamento de qualquer penalidade pelo
incorporador.

Assim, o caput do art. 43-A prevê agora
expressamente a validade da cláusula de tolerância (que já era admitida pela
jurisprudência). Com isso, admite-se como tolerável (aceitável) um atraso de até
180 dias em relação ao prazo previsto para a entrega.

Por outro lado, se o empreendimento for
entregue após os 180 dias de tolerância, isso já será considerado inaceitável e
o adquirente poderá pedir cumulativamente:

• a resolução do contrato;

• a devolução de todo o valor que pagou;
e

• o pagamento da multa estabelecida.

A
incorporadora deverá fazer o pagamento em até 60 dias corridos, contados da
resolução, acrescidos de correção monetária. É isso que prevê o novo § 1º do
art. 43-A:

§ 1º Se a entrega do imóvel
ultrapassar o prazo estabelecido no caput deste artigo, desde que o adquirente
não tenha dado causa ao atraso, poderá ser promovida por este a resolução do
contrato, sem prejuízo da devolução da integralidade de todos os valores pagos
e da multa estabelecida, em até 60 (sessenta) dias corridos contados da
resolução, corrigidos nos termos do § 8º do art. 67-A desta Lei.

O adquirente pode, no entanto, decidir
que, mesmo tendo sido ultrapassado o prazo de tolerância, ele não quer a
resolução do contrato, ou seja, ele permanece com interesse no imóvel.

Neste caso, este adquirente irá receber
o imóvel e terá direito à indenização de 1% do valor efetivamente pago à
incorporadora, para cada mês de atraso, acrescido de correção monetária.

Veja a redação
do § 2º do art. 43-A:

§ 2º Na hipótese de a entrega do
imóvel estender-se por prazo superior àquele previsto no caput deste artigo, e
não se tratar de resolução do contrato, será devida ao adquirente adimplente,
por ocasião da entrega da unidade, indenização de 1% (um por cento) do valor
efetivamente pago à incorporadora, para cada mês de atraso, pro rata die, corrigido monetariamente
conforme índice estipulado em contrato.

Vale ressaltar que a multa do §
1º, vista acima, é decorrente da inexecução total da obrigação (houve a
resolução do contrato).

O § 2º, por sua vez, prevê uma indenização
para a mora (o contrato não foi desfeito, tendo sido apenas cumprido com
atraso).

Assim, as
sanções têm natureza jurídica e finalidade diversas, sendo, portanto, inacumuláveis,
conforme prevê o § 3º do art. 43-A:

§ 3º A multa prevista no § 2º deste
artigo, referente a mora no cumprimento da obrigação, em hipótese alguma poderá
ser cumulada com a multa estabelecida no § 1º deste artigo, que trata da
inexecução total da obrigação.

Como fica a questão da aplicação
da Lei nº 13.786/2018 no tempo? Essas regras da Lei nº 13.786/2018, que acabei
de explicar, podem ser aplicadas para os contratos celebrados antes da sua vigência?

NÃO. As regras da Lei nº 13.786/2018,
que entrou em vigor no dia 28/12/2018, não podem ser aplicadas os contratos
anteriores à sua vigência.

A nova lei só poderá atingir
contratos celebrados posteriormente à sua entrada em vigor.

Nas palavras do
Min. Luis Felipe Salomão:

“(…) a Lei
n. 13.786/2018 não será aplicada para a solução dos casos em julgamento, de
modo a trazer segurança e evitar que os jurisdicionados que firmaram contratos
anteriores sejam surpreendidos, ao arrepio do direito adquirido e do ato
jurídico perfeito.”

O que vale é a data da celebração
do contrato (e não a data do inadimplemento). Desse modo, imagine que o
contrato foi celebrado em janeiro de 2017. Em janeiro de 2019, terminou o prazo
de tolerância e a construtora não entregou o empreendimento. Neste caso, não se
aplicam as regras trazidas pela Lei nº 13.786/2018 porque o pacto é anterior a
esse diploma.

Assim, podemos fixar as conclusões:

• contratos celebrados até 27/12/2018:
em caso de inadimplemento, aplica-se a jurisprudência do STJ firmada neste REsp
1.498.484-DF, não incidindo a Lei nº 13.786/2018.

• contratos celebrados a partir
de 28/12/2018: devem ser aplicadas as regras da Lei nº 13.786/2018.

Artigo Original em Dizer o Direito

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