Imagine a seguinte situação
hipotética:

Regina é cliente de um
determinado plano de saúde há alguns anos.

Ela ficou grávida.

Vale ressaltar que Regina sabia
que seu parto não seria custeado pela operadora considerando que o seu contrato
não oferecia cobertura para serviços de obstetrícia (era um plano de saúde
hospitalar sem obstetrícia).

Quando estava com 7 meses de
gestação, Regina passou mal e foi levada às pressas a um hospital conveniado ao
plano de saúde.

O médico que atendeu a mulher
constatou que o nascituro estava em sofrimento fetal e que havia a necessidade
urgente de realização do parto.

O parto, contudo, não foi
autorizado pelo plano de saúde porque, conforme já explicado acima, o contrato firmado
com Regina não oferecia obstetrícia.

Regina não tinha condições de
pagar o valor cobrado e o hospital também se recusou a realizar o parto sem a
contraprestação, orientando a mulher a procurar uma unidade médica vinculada ao
SUS.

Depois de algumas horas, o marido
de Regina conseguiu transferi-la para um hospital público, onde foi feito o
parto.

Vale ressaltar, porém, que, em
razão da demora acima narrada, a criança nasceu com lesões neurológicas causadas
pela falta de oxigênio.

Regina ajuizou ação de indenização
por danos morais contra o plano de saúde e o hospital particular que recusaram o
parto.

Vejamos alguns aspectos jurídicos
relacionados com o tema.

 

É possível a contratação de
um plano de saúde com segmentação hospitalar sem obstetrícia?

SIM. A Lei nº 9.656/98 autoriza a
contratação de planos de saúde na segmentação hospitalar com ou sem obstetrícia.

 

Regina, que estava grávida,
passou mal e foi internada. Essa internação estava coberta pelo plano?

SIM. Mesmo o plano de saúde hospitalar
sem obstetrícia (como era o caso), garante, como cobertura mínima, a internação
hospitalar, sem limitação de prazo (art. 12, II). O que ficam excluídos são os procedimentos
obstétricos.

Assim, de acordo com a Lei nº
9.656/98, o plano era obrigado a custear a internação de Regina. O que o plano
não tinha, em situações normais, era a obrigação de custear o parto.
Isso porque, em regra, para ter direito à cobertura do parto pelo plano
de saúde, a beneficiária precisa ter contratado a segmentação hospitalar com
obstetrícia.

 

No caso concreto, o plano
de saúde deveria ter custeado o parto do filho de Regina?

SIM. Isso porque se tratava de um
parto de urgência.

O art. 35-C da Lei nº 9.656/98 afirma que os planos de saúde
são obrigados a atender situações envolvendo urgência e emergência:

Art. 35-C. É obrigatória a cobertura
do atendimento nos casos:

I – de emergência, como tal definidos
os que implicarem risco imediato de vida ou de lesões irreparáveis para o
paciente, caracterizado em declaração do médico assistente;

II – de urgência, assim entendidos os
resultantes de acidentes pessoais ou de complicações no processo gestacional;

III – de planejamento familiar.

Parágrafo único.  A ANS fará publicar normas regulamentares
para o disposto neste artigo, observados os termos de adaptação previstos no
art. 35.

 

Nessa linha, o Conselho de Saúde
Suplementar (CONSU) editou a Resolução nº 13/98 que disciplina “a cobertura do
atendimento nos casos de urgência e emergência”.

O art. 4º dessa Resolução determina que os planos de saúde
prestem o atendimento de urgência e emergência quando se referirem à gestação:

Art. 4º Os contratos de plano
hospitalar, com ou sem cobertura obstétrica, deverão garantir os atendimentos
de urgência e emergência quando se referirem ao processo gestacional.

 

Vale ressaltar, ainda, que o art.
7º da Resolução CONSU nº 13/98 prevê que as operadoras de planos de saúde devem
custear a remoção da paciente, após os atendimentos de urgência e emergência,
quando ficar caracterizado a falta de recursos oferecidos pela unidade de
atendimento para continuidade de atenção ou pela necessidade de internação para
os usuários de plano de segmentação ambulatorial.

Diante desse arcabouço normativo,
conclui-se que o plano de saúde não poderia se eximir de fazer a cobertura do
parto, naquele caso concreto, porque se tratava de um atendimento de urgência.

 

A recusa do plano de saúde gerou
direito à indenização por dano moral?

SIM. A recusa indevida de
cobertura, pela operadora de plano de saúde, nos casos de urgência ou
emergência, enseja reparação a título de dano moral, em razão do agravamento ou
aflição psicológica ao beneficiário, ante a situação vulnerável em que se
encontra (STJ. 4ª Turma. AgInt no AgInt no REsp 1.804.520/SP, DJe de
02/04/2020).

 

O hospital também pode ser
responsabilizado no caso?

SIM. Existe responsabilidade
solidária entre a operadora de plano de saúde e o hospital conveniado pela
reparação dos prejuízos sofridos pela beneficiária do plano decorrente da má
prestação dos serviços, configurada, na espécie, pela negativa indevida de
cobertura e não realização do atendimento médico-hospitalar de parto de
urgência de que necessitava a beneficiária. Nesse sentido: STJ. 3ª Turma. REsp
1695781/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 14/11/2017.

 

Em suma:

A operadora de plano de saúde tem o dever de cobrir
parto de urgência, por complicações no processo gestacional, ainda que o plano
tenha sido contratado na segmentação hospitalar sem obstetrícia.

STJ. 3ª
Turma. REsp 1.947.757-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 08/03/2022 (Info
728).

Artigo Original em Dizer o Direito

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