CONFLITO DE SENTENÇAS TRANSITADAS EM JULGADO E DECISÃO DO
STJ NO EARESP 600.811/SP

Imagine a seguinte situação
hipotética:

João ajuizou ação de cobrança
contra a empresa “XYZ”, tendo o pedido sido julgado improcedente, decisão que
transitou em julgado.

Alguns anos depois, João ajuizou
novamente a mesma ação de cobrança contra a empresa e, por desorganização
desta, não se percebeu que já havia coisa julgada em favor da ré. O processo
seguiu normalmente seu curso e o pedido foi julgado procedente, tendo
transitado em julgado.

Repare, portanto, que temos duas
ações, com as mesmas partes, mesma causa de pedir e mesmo pedido, ambas
transitadas em julgado e com decisões diferentes, a primeira improcedente, a
segunda procedente.

João ingressou com pedido de
cumprimento de sentença em relação ao segundo processo (no qual ele ganhou).

Quando a empresa foi intimada, um
advogado antigo da empresa lembrou do primeiro processo e avisou ao novo
escritório de advocacia, que estava cuidando do caso. A empresa executada
apresentou, então, exceção de pré-executividade alegando que a segunda sentença
seria nula por ter violado a coisa julgada.

 

Caso haja duas sentenças
transitadas em julgado envolvendo as mesmas partes, mesma causa de pedir e
mesmo pedido, qual delas deverá prevalecer?

Esse é um
tema de grande relevância e polêmica na doutrina, sendo possível encontrar
posições antagônicas de renomados autores do processo civil. Confira:

Deverá prevalecer a 1ª coisa julgada

Deverá prevalecer a 2ª coisa julgada

Arruda Alvim, Nelson Nery Jr. e
Rosa Nery, Araken de Assis, Teresa Wambier, Sérgio Gabriel Porto, Sálvio de
Figueiredo Teixeira.

Pontes de Miranda, Vicente
Greco Filho, Barbosa Moreira, Cândido Rangel Dinamarco, Humberto Theodoro Jr.

Os que sustentam essa posição
defendem que a segunda sentença deverá prevalecer até que seja desconstituída
por meio de ação rescisória. Passado o prazo, não há mais jeito.

 

Qual das duas posições foi
acolhida pelo STJ? Qual coisa julgada deverá prevalecer?

Em regra, a segunda.

Havendo conflito entre sentenças transitadas em julgado deve
valer a coisa julgada formada por último, enquanto não invalidada por ação
rescisória.

STJ. Corte Especial. EAREsp 600811/SP, Rel. Min. Og Fernandes,
julgado em 04/12/2019.

 

Veja trechos da ementa desse
julgado:

(…) 1. A questão debatida neste recurso, de início, reporta-se
à divergência quanto à tese firmada no aresto embargado de que, no conflito
entre duas coisas julgadas, prevaleceria a primeira decisão que transitou em
julgado. Tal entendimento conflita com diversos outros julgados desta Corte
Superior, nos quais a tese estabelecida foi a de que deve prevalecer a decisão
que por último se formou, desde que não desconstituída por ação rescisória.
Diante disso, há de se conhecer dos embargos de divergência, diante do dissenso
devidamente caracterizado.

2. Nesse particular, deve ser confirmado, no âmbito desta Corte
Especial, o entendimento majoritário dos órgãos fracionários deste Superior
Tribunal de Justiça, na seguinte forma: “No conflito entre sentenças, prevalece
aquela que por último transitou em julgado, enquanto não desconstituída
mediante Ação Rescisória” (REsp 598.148/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin,
Segunda Turma, julgado em 25/8/2009, DJe 31/8/2009).

3. Entendimento jurisprudencial que alinha ao magistério de
eminentes processualistas: “Em regra, após o trânsito em julgado (que, aqui, de
modo algum se preexclui), a nulidade converte-se em simples rescindibilidade. O
defeito, arguível em recurso como motivo de nulidade, caso subsista, não impede
que a decisão, uma vez preclusas as vias recursais, surta efeito até que seja
desconstituída, mediante rescisão (BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao
Código de Processo Civil, 5ª ed, Forense: 1985, vol. V, p. 111, grifos do
original). Na lição de Pontes de Miranda, após a rescindibilidade da sentença,
vale a segunda,
e não a primeira, salvo se a primeira já se executou, ou começou de executar-se
”.
(Comentários ao Código de Processo Civil. 3. ed. , t. 6. Rio de Janeiro:
Forense, 2002, p. 214). (…)

(EAREsp 600.811/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, CORTE ESPECIAL,
julgado em 04/12/2019, DJe 07/02/2020)

 

A REGRA ACIMA EXPOSTA POSSUI UMA EXCEÇÃO: CASO JÁ TENHA SIDO
INICIADA OU CONCLUÍDA A EXECUÇÃO DO PRIMEIRO TÍTULO

Imagine a seguinte situação
hipotética:

Pedro, servidor público, ajuizou
ação cobrando da União o pagamento de adicionais que lhe seriam devidos relativos
ao período de 1998 a 2001. Vamos denominar de “processo 1”.

O Juiz julgou o pedido parcialmente
procedente condenando a União a pagar os adicionais dos anos de 2000 e 2001.

Houve o trânsito em julgado.

Pedro ingressou com o cumprimento
de sentença (execução) desse julgado (execução do processo 1) e recebeu as
quantias devidas.

Logo em seguida, os servidores
colegas de repartição de Pedro afirmaram para ele que iriam ingressar com uma
ação contra a União pedindo o pagamento de determinadas quantias que lhes
seriam devidas.

Pedro topou participar da
demanda.

A ação foi ajuizada. Vamos chamar
de processo 2.

O que Pedro não sabia ao certo é
que o pedido feito neste processo 2 era o mesmo que ele já havia formulado e
conseguido parcialmente no processo 1 (adicionais dos anos de 1998 a 2001).

A
União e o magistrado não perceberam o fato no curso do processo e foi prolatada
sentença de mérito julgando o pedido integralmente procedente.

O
juiz, neste processo 2, afirmou que houve um marco interruptivo e que,
portanto, não havia prescrição. Logo, condenou a União a pagar os adicionais
dos anos de 1999 a 2001.

Houve
o trânsito em julgado.

Diante
disso, tem-se o seguinte cenário:


Processo 1: pedido parcialmente procedente (adicionais de 2000 e 2001).


Processo 2: pedido integralmente procedente (adicionais de 1999 a 2001).

 

Pedro
ingressou com o cumprimento de sentença do processo 2. Foi, então, que a União
percebeu a confusão e opôs embargos à execução alegando que deveria prevalecer
a primeira coisa julgada.

Pedro
apresentou impugnação aos embargos alegando o seguinte:


temos, no presente caso, um conflito entre duas sentenças transitadas em
julgado;


de acordo com a decisão do STJ no EAREsp 600.811/SP, deve prevalecer a coisa
julgada formada por último (processo 2);


eu já recebi os adicionais de 2000 e 2001 na execução do processo 1;


no processo 2, ficou reconhecido que tenho direito aos adicionais de 1998 a
2001;


logo, como prevalece a segunda coisa julgada, ainda tenho direito de receber os
adicionais de 1998 e 1999, que não foram pagos na primeira execução.

 

O argumento de Pedro foi acolhido pelo STJ?

NÃO.

De fato, o STJ, ao julgar o
EAREsp 600.811/SP, firmou o entendimento de que havendo conflito entre coisas
julgadas deve prevalecer a última que se formou, desde que não desconstituída
por ação rescisória.

Contudo, essa regra deve ser
afastada nos casos em que a sentença formada na primeira coisa julgada já tenha
sido objeto de execução (concluída ou iniciada).

Assim, se o título executivo formado
na primeira coisa julgada já foi executado ou se iniciada sua execução, deverá
prevalecer a primeira coisa julgada em detrimento daquela formada em momento
posterior.

 

Mas essa exceção foi criada
agora?

NÃO. Essa exceção já havia
constado na ementa e no voto condutor do EAREsp 600.811/SP.

Na lição de Pontes de Miranda,
após a rescindibilidade da sentença, “vale a segunda, e não a primeira, salvo
se a primeira já se executou, ou começou de executar-se”. (Comentários ao
Código de Processo Civil. 3. ed. , t. 6. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p.
214). (…)

 

Assim, no presente caso, como já
houve a execução do título formado na primeira ação, deve prevalecer a primeira
coisa julgada formada, razão pela qual se mostra indevida a execução do título
formado em momento posterior, ainda que se trate de período diverso, sobre o
qual foi reconhecida a prescrição na primeira execução.

 

Em suma:

Artigo Original em Dizer o Direito

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