STM cassa posto e patente de coronel do Exército, condenado na Corte por corrupção


O Superior Tribunal Militar (STM) declarou indigno para o oficialato um tenente-coronel do Exército e determinou a perda de seu posto e de sua patente, nesta terça-feira (5). O oficial foi condenado na Corte, em março de 2016, a seis anos de reclusão, por uma série de irregularidades dentro da 1ª Divisão de Levantamentos, sediada em Porto Alegre (RS).

Com a decisão, o militar também perdeu o direito de receber seus salários.

O Procurador-Geral da Justiça Militar fez a representação contra o tenente-coronel por Indignidade para o Oficialato, em razão de o militar ter sido condenado pela Corte, pelo crime de peculato, previsto no artigo 303, do Código Penal Militar. A ação penal transitou em julgado em 28 de março de 2016.

O artigo 142 da Constituição Federal de 1988 autoriza, em seu parágrafo 3º, incisos VI e VII, a perda do posto e da patente do oficial, mediante o procedimento administrativo próprio, quando condenado à pena privativa de liberdade superior a dois anos, por sentença transitada em julgado, e for considerado indigno ou incompatível com o Oficialato.

De acordo com o Ministério Público Militar, o oficial instituiu um verdadeiro esquema fraudulento no âmbito da 1ª Divisão de Levantamento (RS), para beneficiar-se de recursos oriundos de convênio firmado pelo Exército com a Fundação de Apoio à Universidade Federal do Rio Grande do Sul (FAURGS), apropriando-se ou desviando quantias consideráveis, além de aliciar vários militares na estrutura criminosa, violando os deveres de fidelidade, probidade, ética e moral com a instituição militar.

No seu pedido, a promotoria informou que o militar de alta patente foi condenado, com trânsito em julgado, por ter feito má gestão do convênio, formalizando e pagando aulas de voos particulares de outro militar, com o uso de recursos do convênio, com valores de R$ 5.000; requisitando valores à FAURGS de R$ 114.788,88 em benefício próprio, pois não foi comprovada a reversão à Administração Militar; por utilizar conta bancária de militares subordinados como artifício para a requisição de adiantamentos à FAURGS no valor de R$ 31.700; e, entre outra ações, ter desviado em proveito próprio R$ 105.400,00 provenientes da venda de produtos cartográficos.

A defesa do tenente-coronel sustentou, durante a apreciação do caso no STM, que o militar foi absolvido pelo Conselho Especial de Justiça (1ª instância da Justiça Militar), à unanimidade, pois não foi comprovado qualquer locupletamento durante os quatro anos de intensa investigação tanto da vida pessoal quanto profissional, pedindo o reexame ou a revisão criminal. Apontou, para isso, que seria necessária a demonstração do resultado naturalístico, consistente no efetivo benefício auferido por ele, para sua condenação, o que não houve.

Argumentou também que foi condenado no STM em razão do aspecto técnico do conceito de peculato, ou seja, por terem os recursos permanecido, por curtos períodos de tempo, na posse do oficial, tendo passado por sua conta bancária pessoal, e por não terem sido aceitos os comprovantes apresentados.

O advogado também disse que nos 39 anos de serviço ao Exército Brasileiro nada houve que o desabonasse e, passados mais de 10 anos dos fatos narrados na Representação, continua a desfrutar do mais alto nível de confiança de seus chefes, cumprindo missões nobres no Instituto Militar de Engenharia – chefe do Curso de Cartografia, chefe da Seção de Planejamento e Coordenação, coordenador do Acordo de Cooperação entre o IME e a Fundação Ricardo Franco, aplicador no Concurso de Admissão ao IME, tendo sido professor na Faculdade de Engenharia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), em 2008, cursando o 9º período de Direito, também na UERJ.

Por fim, a defesa argumentou que o próprio presidente da Fundação confirmou que não havia pendências por parte da 1ª DL e que todos os projetos foram devidamente encerrados, tendo o representado sido condenado por não ter arquivado cópia de todos os comprovantes que entregou à FAURGS e que não teve aumento patrimonial, havendo, na verdade, decréscimo, sendo necessário contrair vários empréstimos.

Julgamento

Ao apreciar a representação para a declaração de indignidade para o oficialato, o ministro Artur Vidigal de Oliveira votou por declarar o tenente-coronel como indigno e declarou a perda de seus posto e patente.

Para o ministro, não se poderia trazer de volta o conhecimento de matérias que já foram examinadas e não foram rescindidas ou modificadas por ações próprias, tampouco pode-se remover matéria que transitou em julgado, sob pena de se colocar em xeque as decisões da Corte, além de causar grave insegurança jurídica.

O ministro disse que não assistia razão à defesa ao querer rediscutir a matéria, quanto mais rever as provas produzidas no processo penal findo, pois não era esse o objeto de uma Representação para a Indignidade/Incompatibilidade com o Oficialato. “Nela não mais se discute se a conduta está ou não provada, mas sim se feriu a honra, o decoro e o pundonor militares, sendo irrelevantes as provas juntadas para aquele fim”.

Ainda segundo o ministro Artur Vidigal, para a avaliação ética do Oficial, a questão principal consiste em definir os contornos das condutas realizadas, de modo que o ato da Corte de declará-lo indigno para o oficialato ou com ele incompatível deve ser reservado a condutas que mereçam grande reprovação por parte do núcleo social respectivo, considerando-se os aspectos éticos e morais também insculpidos no Estatuto dos Militares.

“O crime de peculato, por si só, caracteriza falha ética e moral do agente absolutamente incompatível com as lides do serviço público, mormente do gestor militar que, ademais, tem um grupo de Oficiais e Praças como seus subordinados, aos quais deve dar o exemplo de irretocável conduta. Estamos falando de conduta ética que, por si só, fere o pundonor militar. Certamente, este desvio, esta falha de caráter, quando verificada no militar de alta patente, que tem sobre si a responsabilidade de conduzir uma Organização Militar, causa ainda mais repugnância, afrontando claramente os preceitos morais, bem como a ética e o pundonor militares.”

O magistrado fundamentou dizendo que crimes dessa natureza possuem uma enorme gravidade, pois se fala em violação de confiança, honestidade, lealdade às instituições, e mais ainda, ao país. Trata-se de fraude em prejuízo do Estado, da coisa pública, sendo o dano, por isso, muito mais do que patrimonial: é, também, moral e político.

Artur Vidgial disse que o crime de peculato constitui um ilícito que desvirtua os princípios constitucionais administrativos e, por isso, deve ser energicamente censurado e reprimido, retirando-se do meio administrativo e militar aquele que o infringiu, principalmente quando tal agente é um Oficial de posto tão elevado, preparado para exercer funções de chefia, comando e direção, servindo de exemplo para seus pares e subordinados, exigindo-se dele uma conduta irrepreensível em todos os atos da vida, dentro ou fora da caserna.

“Sua conduta é, por isso, ainda mais reprovável, uma vez que exercida em detrimento da própria Instituição a qual serviu e gozou de respeito por toda uma vida, afrontando, de maneira inequívoca, os princípios morais e colocando a corporação a que pertence em total descrédito perante a sociedade. Assim, embora reconheça o brilhante teor dos depoimentos formulados pelos Oficiais-Generais e demais superiores hierárquicos, afirmando que o Representado gozava de conceito exemplar, além de possuir atributos morais e de honradez, tais fatos somente aumentam a sua responsabilidade e o compromisso assumido com o Exército Brasileiro”.

O ministro afirmou que não se pode fechar os olhos para tão demeritória atitude e que não é possível aceitar que um Oficial proceda da forma como se conduziu o tenente-coronel e lembrou o momento difícil em o país atravessa em relação ao embate ético e ao combate à corrupção.

“Precisamos colocar fim à aceitação de atitudes como a que deu origem a estes autos, em especial nesse momento histórico, em que o país, apesar de viver uma de suas maiores crises ética e moral, com o vislumbre de tanta corrupção – que vem à tona dia após dia –, une esforços para dar um basta e paralisar todo esse mal, reprimindo condutas criminosas que até então eram inatingíveis. E novamente eu lhes pergunto, como um homem, desmoralizado por ter cometido um crime de peculato, em continuidade delitiva, ao longo de vários anos, poderia desempenhar o importante papel de Oficial das Forças Armadas? Aliviar pessoas que cometem nefastas condutas pode representar um perigo ainda maior para o meio social, alimentando a cultura de impunidade e injustiça que atormenta o nosso país”, ponderou.

O magistrado reiterou que diante da gravidade do delito cometido, e da forma como ocorreu, conforme condenação criminal já imposta, não se faz necessária qualquer análise subjetiva sobre a conduta do Oficial em momento anterior ou posterior.

“Por conseguinte, tornam-se inócuas as alegações defensivas de que o comportamento é meritório, de que ele detém inúmeras medalhas e condecorações ou de que não tenha restado provado abalo na confiança dos superiores, alteração de seus atributos morais e profissionais ou redução de sua capacidade de liderança. Tais fatos somente aumentam a sua responsabilidade e o compromisso assumido com o Exército Brasileiro”, fundamentou.

Por unanimidade, os ministros do STM acompanharam o voto do relator.

A sessão de julgamento foi transmitida, ao vivo, pela internet. Assista (processo inicia no tempo 4:48min)

Processo Relacionado 

 

SUPERIOR TRIBUNAL MILITAR
REPRESENTAÇÃO DE INDIGNIDADE Nº 185-89.2016.7.00.0000/DF

 

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