Esse tipo de rescisão contratual é a chamada “justa causa do empregador” e ocorre quando a empresa comete uma falta grave.
28/06/2022 – A 1ª Seção de Dissídios Individuais (SDI-1) do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS) determinou a rescisão indireta do contrato de uma trabalhadora que alegou ter sido assediada sexualmente pelo seu chefe. Como consequência, ela deve receber as verbas características desse tipo de rescisão contratual, além da baixa na carteira de trabalho e da expedição da documentação para recolhimento de seguro-desemprego e FGTS.
Proferido por maioria de votos, o acórdão da SDI-1 ocorreu no âmbito de um mandado de segurança ajuizado pela trabalhadora contra decisão de primeira instância em processo trabalhista da 1ª Vara do Trabalho de Santa Maria. O entendimento ainda pode ser modificado durante o curso normal da ação.
Parte da fundamentação da decisão prevalecente teve como base o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, lançado pelo Conselho Nacional de Justiça em fevereiro de 2022. O CNJ recomendou para toda a magistratura a adoção das diretrizes trazidas pelo documento na análise de casos concretos que envolvam questões de gênero.
O caso
Ao ajuizar a ação, a trabalhadora, que atuava em uma concessionária de veículos em Santa Maria, solicitou, em caráter de urgência, a rescisão do contrato de trabalho. Esse tipo de rescisão contratual é a chamada “justa causa do empregador” e ocorre quando a empresa comete uma falta grave. Segundo as alegações da empregada, a conduta do superior hierárquico foi de perseguição e investidas sexuais não consentidas.
O pedido de liminar, entretanto, foi indeferido pelo juízo da 1ª Vara do Trabalho de Santa Maria, sob o argumento de que o assediador teria sido afastado e não persistiria mais o risco. Diante dessa decisão, a trabalhadora ajuizou mandado de segurança junto ao TRT-4.
O desembargador relator do caso na SDI-1 manteve a decisão do primeiro grau. Ele observou que a questão discutida no processo é controversa, uma vez que as mensagens do superior hierárquico apresentadas pela trabalhadora podem ser classificadas como impróprias para o ambiente de trabalho, mas não suficientes para caracterizar o assédio e a falta grave do empregador, principalmente em caráter liminar e com uma análise menos detalhada de outras provas que possam surgir no decorrer do processo. Conforme o magistrado, a alegação da empregadora segundo a qual teria ocorrido, na verdade, um desentendimento da empregada com o gerente devido a uma questão de trabalho, torna necessária uma análise mais aprofundada das provas. Diante desse contexto, o relator optou por negar o pedido.
Divergência
A desembargadora Tânia Regina Silva Reckziegel, também integrante da SDI-1, divergiu do relator. Como a magistrada apontou, o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero ressalta que a violência e o assédio no ambiente de trabalho ocorrem, geralmente, de forma clandestina, o que pode exigir uma readequação da distribuição do ônus de provar, além de aumentar a consideração de provas indiciárias ou indiretas.
Para a desembargadora, esse foi o caso do processo, já que as mensagens apresentadas indicaram investidas sexuais não consentidas, e as imagens de mulheres seminuas enviadas pelo chefe à trabalhadora demonstraram uma intimidade que extrapolou a relação de subordinação normal. A magistrada também fez referência ao boletim de ocorrência registrado pela trabalhadora com descrição da perseguição sofrida, no qual relatou, inclusive, adoecimento progressivo por causa da conduta.
A desembargadora destacou, por último, parecer do Ministério Público do Trabalho quanto ao mandado de segurança, escrito pela procuradora Thais Fidelis Alves Bruch. Conforme a integrante do MPT, “a ‘brincadeira de conotação sexual’ de um superior hierárquico com sua subordinada, expressamente a ela dirigida, deve ser vista com a gravidade que lhe é intrínseca, que ultrapassa a barreira do mero dissabor e faz parte da cultura empresarial que é tolerante com a violência da mulher no meio ambiente de trabalho”. A procuradora também utilizou-se do Protocolo do CNJ em sua análise.
Perspectiva de gênero
O Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero foi aprovado pelo Plenário do CNJ no dia 8 de fevereiro deste ano. O documento é uma orientação à magistratura brasileira no sentido de evitar julgamentos baseados em estereótipos e preconceitos de gênero presentes na sociedade, e recomenda uma postura ativa do Judiciário em busca da superação de desigualdades e de discriminações históricas em relação às mulheres.
Na primeira parte do documento, são apresentados conceitos básicos sobre o assunto, tais como “sexo”, “gênero” e “identidade de gênero”, seguidos de uma exposição de questões centrais sobre desigualdades de gênero e de um capítulo que relaciona gênero e Direito. Na segunda parte do Protocolo, há um passo a passo sobre questões processuais, voltado à prática de magistradas(os) em casos concretos.
Já na terceira parte, são expostos alguns tópicos transversais a todos os ramos do Judiciário e um capítulo para cada ramo em separado. Na parte da Justiça do Trabalho, por exemplo, são discutidas questões como desigualdade de oportunidades de progressão nas carreiras, desigualdade salarial, discriminações que podem ocorrer na fase pré-contratual, contratual e na extinção dos contratos, assédio moral e sexual, segurança e saúde das mulheres no trabalho, dentre outras.