TST reconhece competência da Justiça do Trabalho em ação envolvendo categorias de base do Cruzeiro
Em ação civil pública, o MPT pretende que o clube formalize contrato de aprendizagem com os jovens.
A Subseção 1 Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) do Tribunal Superior do Trabalho reconheceu a competência da Justiça do Trabalho para julgar ação civil pública que trata de irregularidades na contratação de atletas das categorias de base do Cruzeiro Esporte Clube, de Belo Horizonte (MG). Por maioria, a SDI-1 entendeu que o objeto da ação diz respeito a relações de trabalho.
Irregularidades
A ação foi ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) e pela Promotoria da Infância e da Juventude de Belo Horizonte, vinculada ao Ministério Público estadual (MPMG), após visitas a clubes da capital mineira. No Cruzeiro, foi constatada a presença de vários atletas nas categorias de base, alguns com menos de 14 anos. Depois de passarem por processo seletivo, eles tinham de residir no Centro de Treinamento. Apenas os atletas da categoria Sub-20 ou Júnior mantinham contrato de trabalho com o clube.
Na ação, o MPT e o MPMG pediam, entre outras obrigações, que o clube afastasse imediatamente das categorias de base os atletas com idade inferior a 14 anos, providenciando acompanhamento psicológico para todos e transporte para visita aos pais e responsáveis. Em relação aos jovens entre 14 e 16 anos, o pedido era que o clube celebrasse contrato formal de aprendizagem, com bolsa não inferior ao salário mínimo. O rol de pedidos continha ainda uma série de obrigações relativas à residência no centro de treinamento, ao convívio familiar e às condições de trabalho.
Contrato facultativo
O juízo da 7ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte deferiu apenas parcialmente os pedidos. Segundo a sentença, o vínculo desportivo entre o clube e os jovens que recebem treinamento é diferente dos contratos de estágio e de aprendizagem. “Enquanto os participantes de tais modalidades contratuais aprendem uma profissão, sua mão de obra é revertida em proveito da instituição que lhes concede a aprendizagem, e isso não acontece com 99% dos jovens beneficiados pelo clube”, afirmou a juíza.
Ainda conforme a sentença, a formalização do contrato e o pagamento de bolsa são facultativos e não seria possível obrigar a agremiação a pagar salário mínimo aos jovens, que não mantêm, necessariamente, relação de trabalho com ela. Em relação à moradia nas dependências do clube, o juízo entendeu que “cabe à família decidir sobre a conveniência da autorização para tal”.
Aprendiz
Ao julgar o recurso ordinário do MPT e do MPMG, o TRT ampliou o deferimento dos pedidos, entre eles o de celebração de contrato de aprendizagem e de garantia do direito de visitar a família pelo menos cinco vezes ao ano. Segundo o Tribunal Regional, a Constituição da República somente admite o trabalho de jovens com idade entre 14 e 16 anos na condição de aprendiz, assegurando-lhes direitos trabalhistas e previdenciários mínimos. “A conclusão a que se chega é que o atleta não profissional em formação detém condição similar ao aprendiz e, por consequência, faz jus ao contrato formal escrito e ao recebimento de bolsa”, registrou o TRT. “Tratando-se de contrato de aprendizagem para formação de atleta, incidem não só as regras próprias do desporto como também, em caráter supletivo, as disposições alusivas ao contrato de aprendizagem, no que forem compatíveis”.
Desporto educacional
Contra a condenação, o Cruzeiro interpôs recurso de revista acolhido pela Quinta Turma do TST, que afastou a competência da Justiça do Trabalho e determinou a remessa do caso à Vara da Infância e Juventude da Justiça Comum de Minas Gerais. Para a Turma, as atividades dos atletas mirins têm caráter formativo e se enquadram no conceito de desporto educacional.
De acordo com o artigo 3º, inciso I, da Lei Pelé (Lei 9.615/98), essa modalidade é praticada “nos sistemas de ensino e em formas assistemáticas de educação, evitando-se a seletividade, a hipercompetitividade de seus praticantes, com a finalidade de alcançar o desenvolvimento integral do indivíduo e a sua formação para o exercício da cidadania e a prática do lazer”. Esse enquadramento afasta a existência de relação de emprego.
Desporto de rendimento
No exame de embargos à SDI-1, o MPT sustentou que a Turma, ao decidir, não se baseou nos fatos delimitados nas instâncias de prova (primeiro e segundo graus), uma vez que o clube admitiu que a situação era de desporto de rendimento. O inciso III do mesmo dispositivo da Lei Pelé define essa modalidade como o desporto “praticado segundo normas gerais desta lei e regras de prática desportiva, nacionais e internacionais, com a finalidade de obter resultados e integrar pessoas e comunidades do país e estas com as de outras nações”.
Relação de trabalho
O relator, ministro Márcio Eurico Vitral Amaro, votou pela manutenção da decisão da Turma. Prevaleceu, no entanto, o voto divergente do ministro Alberto Bresciani, fundamentado nas premissas registradas pelo TRT.
De acordo com o Tribunal Regional, a relação do clube com os atletas mirins era de trabalho, o que atrai a competência da Justiça do Trabalho. Ao citar o acórdão do TRT, o ministro Bresciani assinalou que, no processo, o clube admitiu que suas categorias de base podiam ser enquadradas como desporto de rendimento. Assim, a conclusão foi que a Quinta Turma, ao decidir em sentido diverso, contrariou a Súmula 126 do TST, que veda o reexame de fatos e provas em sede de recurso de revista.
Por maioria, a SDI-1 declarou a competência da Justiça do Trabalho e determinou o retorno do processo à Quinta Turma para que examine os demais pedidos trazidos pelo clube no recurso de revista.
(CF, DA)
Processo: E-ED-RR-165100-65.2009.5.03.0007
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