A Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho restabeleceu sentença da 3ª Vara do Trabalho de Campos dos Goytacazes (RJ) que condenou produtores de cana a pagar R$ 90 mil a cada um dos herdeiros de uma trabalhadora rural que morreu asfixiada e carbonizada durante a queimada num canavial. Por maioria, a Turma entendeu pela responsabilidade civil do empregador, porque as atividades relativas ao corte de cana expõem o trabalhador a diversos riscos, entre eles aqueles decorrentes da queima do produto.
A reclamação trabalhista foi ajuizada pelo marido e pelos sete filhos da trabalhadora contra quatro réus: a Feliz Terra Agrícola Ltda., pertencente ao grupo responsável pelo recrutamento de mão de obra; as Fazendas Reunidas Miranda S/A (Farmisa), proprietária das terras onde ocorreu a queimada; o Consórcio de Mão de Obra Agrícola (Comagri), sem personalidade jurídica, mas responsável pelo recrutamento dos boias frias; e um empresário individual que assinou a carteira de trabalho da vítima.
O fato ocorreu em setembro de 2009. A trabalhadora era encarregada de uma turma de 30 trabalhadores no corte de cana. Segundo a inicial, a partir de fotografias e laudos de necropsia e do local, ela, “antes de ter o corpo todo carbonizado, experimentou muita dor, agonia e sofrimento, envolta em labaredas imensas e sufocada pela ação da fumaça enquanto era queimada ainda com vida”.
Os produtores, na contestação, afirmaram que a trabalhadora se afastou mais de 100 metros do local delimitado para sua turma, que já estava queimado, “para caçar preá em razão da queimada” – o que caracterizaria culpa exclusiva da vítima. Sustentaram ainda que, no dia do acidente, não havia nenhuma queimada programada, e o fogo no local não teria sido ateado por seus prepostos, e sim “um inequívoco fortuito de terceiro”.
Condenação
Na sentença que julgou procedente o pedido de indenização, o juiz de primeiro grau considerou que, frente às provas existentes nos autos, a responsabilidade pela morte seria exclusiva dos produtores, à exceção da Farmisa, arrendatária das terras. “Há uma triangulação negocial umbilicalmente impossível de ser desfeita, pois uma sociedade empresária não pode viver sem a outra”, afirmou, lembrando que a Procuradoria do Trabalho já havia constatado irregularidades na formação de tais entidades.
Segundo a sentença, diversos depoimentos confirmaram que a trabalhadora, portadora de deficiência, teria se afastado poucos metros do local em que estavam cortando cana, juntamente com outros dois colegas, à procura de um terceiro, que sofre de deficiência mental, quando foi atingida pelo incêndio, impossibilitada de se locomover com a rapidez normal. Outros depoimentos informaram ainda que os trabalhadores viram passar pelo local o chamado “carro de fogo” com a logomarca do grupo, como sinal indicador de que haveria queima no canavial.
A indenização foi fixada em R$ 720 mil, correspondente a R$ 90 mil a cada herdeiro.
O Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (RJ), porém, acolheu recurso dos produtores e reduziu à metade a indenização. Por maioria, o Regional entendeu que a vítima teve culpa concorrente no acidente, por ter se afastado do local de trabalho.
Responsabilidade
No julgamento do recurso de revista dos herdeiros ao TST, a discussão se deu em torno da responsabilidade dos produtores pelo dano moral. O relator, ministro Augusto César Leite de Carvalho, explicou que a Constituição da República (artigo 7º, caput e inciso XXVIII) prevê o dever de indenizar mediante a comprovação da culpa ou dolo (responsabilidade subjetiva), e o Código Civil (artigo 927) afasta essa exigência com base na teoria do risco da atividade econômica. “A norma constitucional trata de garantia mínima do trabalhador e não exclui a segunda, aplicável de forma supletiva no Direito do Trabalho”, afirmou.
Segundo o relator, as atividades relativas ao corte de cana de açúcar são inegavelmente consideradas de risco extremo. “O meio ambiente laboral ora analisado é, por si só, prejudicial à saúde do trabalhador, oferecendo elementos concretos de risco à saúde física e mental daqueles que entram em contato próximo à área de trabalho”, afirmou, citando diversos precedentes do TST no sentido de que a atividade canavieira pressupõe a responsabilidade objetiva do empregador em caso de acidente.
Com esse entendimento, o relator afastou a discussão sobre a eventual culpa concorrente da trabalhadora, ressaltando o fato de ela ter dificuldade de locomoção e de os produtores atearem fogo durante o horário de jornada sem prévio aviso ou qualquer inspeção para verificar a total evacuação do local.
Ficou vencido o ministro Aloysio Corrêa da Veiga. Em sua justificativa de voto vencido, ele entende que houve culpa concorrente da vítima, porém em menor proporção do que a estabelecida pelo TRT-RJ, que reduziu a indenização à metade. Sua proposta era a de majorar a indenização para R$ 75 mil por herdeiro, totalizando R$ 600 mil.
(Carmem Feijó/GS)
Processo: ARR-24000-27.2009.5.01.0283
O TST possui oito Turmas julgadoras, cada uma composta por três ministros, com a atribuição de analisar recursos de revista, agravos, agravos de instrumento, agravos regimentais e recursos ordinários em ação cautelar. Das decisões das Turmas, a parte ainda pode, em alguns casos, recorrer à Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SBDI-1).
Permitida a reprodução mediante citação da fonte.
Secretaria de Comunicação Social
Tribunal Superior do Trabalho
Tel. (61) 3043-4907
secom@tst.jus.br