Imagine a seguinte situação
hipotética:

Eduardo recebeu um tiro e foi levado a um
hospital público.
Ele recebeu o socorro médico e permaneceu internado no
local com quadro estável.

No dia seguinte, uma pessoa não
identificada – talvez a mesma que tentou ceifar sua vida no dia anterior –
entrou no quarto onde Eduardo estava internado no hospital e efetuou quatro
disparos contra a vítima, que faleceu no local.

O homicida fugiu sem ser
capturado.

Regina, mãe de Eduardo, ajuizou
ação de indenização contra o Estado pedindo indenização por danos morais e
materiais em decorrência do homicídio de seu filho ocorrido no interior do
hospital público.

Argumentou que cabia ao Estado zelar
pelos pacientes internos e que a morte só ocorreu em razão da inexistência de
vigilância e cuidados mínimos de segurança por parte da instituição, já que não
existia portaria ou funcionário responsável para observar a entrada e a saída
de pessoas do hospital.

Assim, segundo a requerente,
estaria demonstrado o nexo causal entre a conduta do Estado e o evento danoso.

O Estado contestou o pedido,
alegando a inexistência de nexo causal, pois a situação era imprevisível. Argumentou
que não cometeu ato ilícito e o evento se deu por fato exclusivo de terceiro, o
que rompe o nexo causal.

Requereu que os pedidos fossem
julgados improcedentes.

 

Para o STJ, o Estado tem
responsabilidade civil neste caso?

SIM.

O hospital que deixa de fornecer o mínimo serviço de
segurança, contribuindo de forma determinante e específica para homicídio
praticado em suas dependências, responde objetivamente pela conduta omissiva.

STJ. 2ª
Turma. REsp 1.708.325-RS, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 24/05/2022 (Info
740).

 

 

Responsabilidade objetiva
como regra

A responsabilidade civil estatal é, em regra, objetiva e
decorre do risco administrativo. Logo, não se exige a existência de culpa por
parte do Estado. Isso está previsto no art. 37, § 6º, da Constituição Federal;
nos arts. 186 e 927, parágrafo único do Código Civil; e no art. 14 do Código de
Defesa do Consumidor:

Constituição Federal

Art. 37 (…) § 6º As pessoas
jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços
públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a
terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de
dolo ou culpa.

 

Código Civil

Art. 186. Aquele que, por ação ou
omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a
outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

(…)

Art.
927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica
obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de
reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou
quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por
sua natureza, risco para os direitos de outrem.

 

Código de Defesa do Consumidor

Art. 14. O fornecedor de serviços
responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos
causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem
como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

 

Responsabilidade estatal em
caso de atos omissivos

Existe certa controvérsia no que
tange aos atos estatais omissivos.

Embora a lei não tenha feito
distinção, há os que entendem que, em se tratando de atos omissivos, a
responsabilidade do ente público teria caráter subjetivo.

Vale ressaltar, contudo, que o
STF e o STJ possuem diversos julgados afirmando que o Poder Público responde de
forma objetiva, inclusive em caso de atos omissivos, quando constatada a
precariedade/vício no serviço decorrente da falha no dever legal e específico
de agir.

 

Inação do ente público, no
caso concreto

O hospital, além do serviço
técnico-médico, também é responsável pelo serviço auxiliar de estadia
(internação). Assim, o ente público é obrigado a disponibilizar equipe/pessoal
e equipamentos necessários e eficazes para o alcance dessa finalidade.

No caso concreto, ficou
demonstrada a inação estatal tendo em vista que o evento ocorreu por conta do mau
funcionamento dos trabalhos auxiliares e estruturas operacionais (ausência de
serviço/pessoal de vigilância). Desse modo, entende-se que o ente público, em
virtude da natureza da atividade pública exercida, responde de forma objetiva,
uma vez que, inegavelmente, tinha o dever de atuar, ao menos minimamente, para
impossibilitar a ocorrência do evento nocivo.

A omissão do Estado no presente
feito revela-se específica e contribuiu decisivamente para a morte da vítima,
pois o hospital público não ofereceu nenhuma ou sequer a mínima garantia de
integridade aos que se utilizam do serviço e pela qual, em razão do risco da
atividade prestada, tem o dever de zelo e proteção.

 

Análise dos pressupostos de
responsabilidade, no caso concreto

A responsabilidade civil do
Estado, seja de ordem subjetiva, seja objetiva – depende, para a configuração
da ocorrência de seus pressupostos:

a) ato ilícito;

b) dano sofrido; e

c) nexo de causalidade entre o
evento danoso e a ação ou omissão do agente público.

 

No caso concreto, restou
demonstrado que:

a) o hospital não possuía nenhum
serviço de vigilância; e que

b) o evento morte decorreu de
disparo com arma de fogo contra a vítima dentro do hospital.

 

No caso concreto, não há que se
falar em fato exclusivo de terceiro como apto a romper o nexo de causalidade. Isso
porque uma mínima ação de vigilância e cuidado poderia efetivamente ter evitado
a morte da vítima.

Vale ressaltar que esse
entendimento não se aplica indistintamente a qualquer ato derivado de conduta
omissiva da administração pública. Sob as lentes do bom senso, deve ser
analisado o caso concreto.

Nessa situação específica, não
houve um evento de grandes proporções que impediria a atuação do Estado. Com um
mínimo de segurança seria possível impedir o ingresso do autor do homicídio. Logo,
é de se concluir que a conduta do hospital que deixa de fornecer o mínimo
serviço de segurança e, por conseguinte, despreza o dever de zelar pela
incolumidade física dos seus pacientes contribuiu de forma determinante e
específica para o homicídio praticado em suas dependências, afastando-se a
alegação da excludente de ilicitude, qual seja, fato de terceiro.

 

Tema correlato

O art. 927, parágrafo
único, do Código Civil pode ser aplicado para a responsabilidade civil do
Estado

Aplica-se igualmente ao estado o que previsto no art. 927,
parágrafo único, do Código Civil, relativo à responsabilidade civil objetiva
por atividade naturalmente perigosa, irrelevante o fato de a conduta ser
comissiva ou omissiva.

STJ. 2ª Turma REsp 1869046-SP, Rel. Min. Herman Benjamin,
julgado em 09/06/2020 (Info 674).

Artigo Original em Dizer o Direito

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