O Superior Tribunal Militar (STM) indeferiu um pedido de Revisão Criminal impetrado pela quinta geração da família de João de Andrade Pessôa, um coronel de Milícias executado por fuzilamento em 30 de abril 1825, na cidade de Fortaleza (CE).
Pessôa Anta, como ficou historicamente conhecido, foi considerado traidor do Império e apontado como um dos “cabeças” do movimento político revolucionário conhecido como Confederação do Equador. O órgão responsável pelo julgamento do militar foi a Comissão Militar do Ceará, criada pelo Imperador Dom Pedro I para processar todos os envolvidos no movimento, de acordo com a Carta Imperial de 16 de outubro de 1824.
Na ação encaminhada ao STM, os requerentes, familiares da quinta geração de Pessoa Anta, argumentavam que o militar, que era Comandante Geral das Ordenanças da Vila de Granja (CE), havia sido injustamente condenado à morte. Segundo a petição, teria havido “manifesto e comprovado erro quanto aos fatos, sua apreciação, sua avaliação e enquadramento (art. 550 CPPM)”, além de indicar a descoberta de novas provas, após a sentença condenatória, e que comprovariam a inocência do condenado.
Por fim, os requerentes pediam que, após a absolvição ao militar, se restabelecessem o seu status dignitatis, sua patente de Coronel e suas honrarias militares, como a insígnia honorífica de Oficial da Imperial Ordem do Cruzeiro, além da promoção do reconhecimento público da decisão do Tribunal.
Julgamento
Em seu voto, a ministra Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha, relatora do processo, ressaltou que a Revisão Criminal está pautada na Constituição Federal, que prevê a hipótese do erro judiciário, uma decorrência da falibilidade humana.
No entanto, a magistrada disse não concordar, após a análise do processo, com o argumento de que a sentença que condenou Pessôa Anta seja contrária à evidência dos autos ou fundada em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos. Além disso, afirmou não vislumbrar novas provas capazes de invalidar a condenação.
Um dos fatos que impediram a demonstração do suposto erro judicial foi, como enfatizou a relatora, a ausência da sentença condenatória, um documento histórico que não pôde ser recuperado devido o transcurso de quase dois séculos. Além disso, a magistrada afirmou que, embora os documentos apresentados nos autos tendam a corroborar a narrativa da defesa de ser o condenado um oficial condecorado por atos meritórios de bravura, e que se submetia aos poderes absolutos da monarquia, as provas reconstituídas e juntadas pelas partes não foram capazes de comprovar a sua não participação na Confederação do Equador.
“Na verdade, o réu, por mais que se ampare no cumprimento de ordens, revela participação, ainda que involuntária, mas consciente, na produção de documentos que articularam a Confederação. E a ausência da Sentença ou do Ato Condenatório só piora o cenário, pois impossibilita a revisão dos argumentos que ensejaram a apenação, assim como a juntada de outros documentos que seriam vitais, posto parcialmente reconstituídos após o deferimento do Mandamus protocolizado pelos requerentes e provido por esta Corte Castrense”, concluiu.
A ministra declarou, ainda, que seria impraticável reverter a condenação com base no princípio do in dubio pro reo, o que dependeria da demonstração de uma “dúvida razoável” quanto ao agir criminoso do militar. “Conforme salientado, devido ao interregno temporal, os autos da condenação não foram integralmente reconstituídos, mancando o principal ato judicial para a deflagração revisional: a Sentença Penal Condenatória, com os devidos fundamentos e argumentos, que, fulcrada nos elementos probantes instruídos à época, impuseram ao sujeito ativo a pena capital”, afirmou.
Réu deve ser lembrado como herói
Durante o seu voto, a ministra lembrou que a Confederação teve início com a ação de lideranças e populares pernambucanos, e tomou corpo em outros estados do Nordeste, como Rio Grande do Norte, Ceará e Paraíba.
“Impassíveis às tentativas de negociação, os revoltosos buscaram criar uma Constituição de caráter republicano e liberal, para além de organizar forças contra as tropas imperiais”, recordou. “No tocante à Confederação do Equador, a leitura inicial concernente à atuação dos confederados em um primeiro momento, foi considerá-los inimigos da ordem pública, rebeldes que dificultaram a consolidação do processo independentista. A posteriori, passaram a ser vistos como bravos heróis que lutaram pela liberdade e contra o autoritarismo monárquico.”
Declarou, ainda, a ministra Elizabeth, ser abominável e execrável a prisão em caráter perpétuo e a pena de morte, mas que não dispunha de meios jurídicos para modificar aquela decisão histórica que afrontava o “ideário civilizatório da Humanidade”.
Ao final de seu voto, a relatora ressaltou que a Confederação do Equador representou um dos movimentos mais relevantes para “derrocada monárquica e o alvorecer republicano”, o que hoje é uma cláusula pétrea consubstanciada no artigo 1º da Constituição Federal de 1988. Em razão disso, a magistrada afirmou que Pessôa Anta é “um exemplo de coragem e amor ao país que dava seus primeiros passos como Nação independente” e “protagonizou um dos mais relevantes capítulos da história pátria e será lembrado não como criminoso, mas como um bravo revolucionário”.