A sentença de mérito transitada em julgado formará a coisa julgada, formal e material, que por sua vez, poderá ser objeto de ação rescisória, prevista no artigo 485 do CPC.

A ação rescisória é considerada uma forma típica de relativização da coisa julgada, eis que visa a sua modificação em razão de algum vício previsto nas hipóteses de cabimento, expressos no Código de Processo Civil, em seu artigo 485.

Contudo, a doutrina e a jurisprudência trazem outra possibilidade, ainda não pacificada, que é a relativização da coisa julgada de forma atípica, ou seja, quando a coisa julgada ferir de forma relevante os princípios constitucionais fundamentais, como a dignidade da pessoa humana e os direitos da personalidade, de modo que nestes casos a justiça da decisão se torna a solução para garantir a segurança jurídica.

Todavia, o tema é analisado ao longo da presente obra, a partir da definição de sentença, coisa julgada, ação rescisória, a fim de que se possam fazer algumas considerações acerca do tema.

SENTENÇA

O conceito de sentença presente em nosso ordenamento jurídico atual, de acordo com o Código de Processo Civil, é “o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta lei”.

De forma que, haverá sentença quando o juiz der uma decisão que extinga o processo sem resolução do mérito ou quando der uma decisão com resolução do mérito nas hipóteses apontadas pelo art. 269 do CPC.

A sentença não pode mais ser definida como a decisão que põe fim ao processo, porque há casos em que é prolatada a sentença, sem que seja configurado o término processual, eis que logo em seguida inicia-se outra fase, o cumprimento de sentença, de maneira que a sentença põe fim, neste caso, tão somente, a uma fase do processo, a fase cognitiva. Salienta-se também que a atual definição de sentença impede que o processo tenha mais de uma sentença.

Os doutrinadores, outrossim, definem sentença a partir de outros parâmetros, observando outras várias características da sentença, neste diapasão, destacam os seguintes doutrinadores:

Moacyr[iv], entende que “sentença definitiva é aquela em que o juiz resolve a contenda, cumprindo a obrigação jurisdicional”.

Segundo Humberto:

“[…] inclina-se a doutrina dominante para o entendimento de que a sentença contém um ato de inteligência, um ato de lógica (um silogismo: premissa maior – a lei; premissa menor – os fatos; conclusão – acolhimento ou rejeição do pedido); mas nela também se encontra, e muito especialmente, um ato de vontade. Isto porque a sentença sempre conclui com uma ordem, uma decisão, um “comando”.

Neste caso, necessário fazer um silogismo entre fatos e direito para a formação da sentença. Também se utilizará, algumas vezes, da analogia, quando não for possível utilizar-se dos silogismos.

Segundo Amaral, “a sentença é produto de um trabalho lógico do juiz”, que utiliza diversos atos lógicos para chegar a sentença mais justa e adequada ao caso concreto. O seu convencimento deve ser formado pelas provas, presentes nos autos, ponderando sobre a qualidade e a vis probandi destas, deve ser, igualmente, condicionado a regras jurídicas, a regras de lógica jurídica, a regras de experiência, e sempre deverá ser motivado.

Amaral acrescenta que “a sentença de mérito declara o direito ajustável à espécie.”

Nesta contenda, a sentença é um ato cognitivo de decisão, é a necessidade da escolha numa tensão de valores, mesmo que formal, como ocorre na homologação de partilha amigável de bens em separação judicial, ou ainda na jurisdição voluntária. Para Tércio Sampaio Ferraz Júnior[ix], decisão adentra um aspecto de aprendizagem ligado a um conflito:

“Decisão aparece inicialmente como termo correlato de conflito, o qual está entendido como conjunto de alternativas que surge da diversidade de interesses, da diversidade no enfoque dos interesses, da diversidade de avaliação das condições, sem que se prevejam parâmetros qualificados de solução. Por isso mesmo o conflito exige decisão. Esta, portanto, não é, propriamente o estabelecimento de uma repartição equitativa entre as alternativas, pois isso pressuporia a situação ideal de um sujeito que deliberaria de antemão as alternativas. Se esta situação ideal existisse não haveria conflito nem, portanto, exigência de decisão, que não se confunde com um ato de escolha em face de uma situação em que as alternativas e sua avaliação são nítidas e claras, mas procedimento complexo em face de uma situação caracterizada pela insegurança. Pode-se dizer, nesse sentido, que sua finalidade última é a absorção de insegurança. (cf. Simon &March, 1970:165).”

De forma que se pode dizer que sentença, de acordo com os doutrinadores citados é um ato de lógica que tem como fim propiciar a segurança jurídica através da prestação da tutela jurisdicional.

Voltando ao conceito de sentença, expressa no Código de Processo Civil, observa-se a existência de duas espécies de sentença, segundo Gonçalves, uma com resolução de mérito e outra sem resolução de mérito.

Acerca das sentenças que extinguem o processo sem resolução do mérito, que estão previstas no art. 267 do CPC, estas podem ser proferidas quando o juiz indeferir a petição inicial, quando ficar parado durante mais de 1 (um) ano por negligência das partes, quando, por não promover os atos e diligências que Ihe competir, o autor abandonar a causa por mais de 30 (trinta) dias, quando se verificar a ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo, quando o juiz acolher a alegação de perempção, litispendência ou de coisa julgada, quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual, pela convenção de arbitragem, quando o autor desistir da ação, quando a ação for considerada intransmissível por disposição legal, quando ocorrer confusão entre autor e réu, e as sentenças que resolvem o mérito da causa, que estão previstas no art. 269 do CPC, podem ser proferidas quando o juiz acolher ou rejeitar o pedido do autor, quando o réu reconhecer a procedência do pedido, quando as partes transigirem, quando o juiz pronunciar a decadência ou a prescrição, quando o autor renunciar ao direito sobre que se funda a ação.

A sentença deve respeitar alguns princípios, dentre os quais, o princípio da congruência; este princípio corresponde a um limite imposto pela lei ao juiz em relação à sentença, que deverá estar restrita aos pedidos constantes da petição inicial, como estabelecem o art. 128 e o art. 460 do CPC, ou seja, deverá existir correlação entre pedido e sentença.

Caso a sentença não respeite os limites do pedido incorrerá em vícios, tais como, se a sentença ultrapassar os limites do pedido, a sentença conceder mais direitos ao autor, por exemplo, será uma sentença ultra petita; se a sentença decidir questão que não foi requerida nos pedidos, decidindo causa diversa, será uma sentença extra petita; e se a sentença não apreciar todos os pedidos será uma sentença citra petita.

A sentença está vinculada aos pedidos constantes da petição inicial quando não previsto de forma diversa pela lei.

Quanto os requisitos da sentença, estes estão previstos no artigo 458 do CPC. Se a sentença não observar estes requisitos será considerada nula, nulidade esta que poderá ser decretada de ofício.

De forma que a sentença deverá possuir tais requisitos, que lhes são essenciais, qual sejam, o relatório, a motivação e o dispositivo, sem os quais a sentença será nula.

O relatório, a motivação e o dispositivo devem manter estreita correspondência entre si, sob pena da sentença ser considerada citra, extra ou ultra petita.

No entanto existem exceções, nas quais não haverá necessidade de correspondência entre o relatório, a motivação e o dispositivo. Estas exceções estão previstas expressamente no ordenamento jurídico. Dentre as quais estão a das ações possessórias, dada a sua fungibilidade, e das ações cautelares, pela mesma razão, no entanto aqui a fungibilidade se dá entre as cautelares e a antecipação de tutela.

Convém salientar, a respeito da sentença citra petita, que quando caracterizada a sua nulidade, as partes terão alternativa à ação rescisória, poderão se valer de uma nova ação, em relação ao pedido que não foi apreciado, ou poderão interpor Embargos de Declaração, a fim de sanar a omissão.

Quando for julgado o mérito da causa, a sentença exarada deverá conter o relatório, a motivação e o dispositivo de forma completa, já a sentença sem o julgamento do mérito poderá ser exarada de forma concisa.

Quanto à sentença de improcedência de plano, segue o artigo abaixo, do CPC, em seu inteiro teor:

“Art. 285-A. Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada. o

§ 1 Se o autor apelar, é facultado ao juiz decidir, no prazo de 5 (cinco) dias, não manter a sentença e determinar o prosseguimento da ação. o

§ 2 Caso seja mantida a sentença, será ordenada a citação do réu para responder ao recurso. “

No caso deste artigo, o juiz receberá a petição inicial e analisará se estão presentes os requisitos que autorizam uma sentença em conformidade com tal dispositivo. Essa sentença será uma sentença de mérito, eis que o direito em pauta foi julgado improcedente, em casos idênticos anteriores (correspondente a tese jurídica decidida em tais casos).

Segundo Gonçalves, existem três requisitos fundamentais, quais sejam, que a sentença seja improcedente totalmente, ou seja, que todos os pedidos sejam improcedentes para que não haja necessidade do contraditório; que seja tão somente questão de direito sem necessidade da colheita de provas; que tenha mais de uma sentença paradigma, do mesmo juízo. As sentenças paradigmas deverão constar da sentença de improcedência de plano, para que as partes possam verificar e recorrer se assim entenderem.

Se não houver apelação do autor, o réu, que não foi citado, será intimado do trânsito em julgado da sentença de improcedência de plano. Essa sentença fará coisa julgada material.

Em relação aos defeitos da sentença, quando se trata de nulidade, tem-se a relativa e a absoluta, no direito processual civil. A sentença com nulidade relativa pode ser sanada no próprio processo e a sentença com nulidade absoluta não, no entanto, esta poderá ser objeto de ação rescisória.

Julgado procedente o pedido, a tutela terá a natureza da pretensão, podendo ser de natureza constitutiva, declaratória ou condenatória (mandamental ou executiva lato sensu).

A sentença com natureza meramente declaratória, apenas declara um direito, a meramente constitutiva constitui, extinguem ou modificam uma relação jurídica e a meramente condenatória, impõe uma obrigação. No entanto, dificilmente uma sentença terá apenas uma natureza, na maioria das vezes, possui mais de uma, como por exemplo, declara um direito e impõe uma obrigação.

O interesse nas ações que tem por fim uma sentença declaratória é a certeza quanto à existência ou inexistência de uma relação jurídica, ou quanto à autenticidade ou falsidade de documento, e tão somente esse interesse.

Na sentença declaratória a relação jurídica existe desde a origem do direito.

A eficácia da sentença declaratória será extunc, ou seja, retroagirá à data de início da relação jurídica que foi declarada existente ou não.

A eficácia da sentença constitutiva será ex nunc, ou seja, não retroagirá, a relação jurídica constituída, extinta ou modificada terá eficácia a partir do trânsito em julgado da sentença. De forma que a sentença constitutiva produz efeitos ex nunc.

Segundo Amaral, “a sentença condenatória atribui ao vencedor um título executivo, que lhe confere o direito de executar o devedor no caso de não cumprida a obrigação.”

Em regra, a sentença condenatória projeta seus efeitos para o futuro, tem efeito ex nunc, como uma forma de reparação ou ressarcimento.[xxvi] Assim, a eficácia da sentença condenatória será extunc, ou seja, retroagirá, contudo, retroagirá, em regra, tão somente até o momento da propositura da demanda.

As sentenças de natureza declaratória e constitutiva não dão origem a um título executivo, estas alteram a relação jurídica anterior a partir do trânsito em julgado independente de execução. A sentença de natureza condenatória forma um título executivo judicial, que se não cumprido espontaneamente pelo autor ou este promover, nos casos em que a lei autoriza, a execução provisória, após o trânsito em julgado, será executado, por meio do pedido de cumprimento de sentença.

Quanto à tutela mandamental, esta é uma espécie de sentença condenatória, como também o é a executiva lato sensu. O que difere aquela desta é o conteúdo da sanção imposta.

A sentença mandamental contém uma ordem que depende de futura execução.

A execução será acompanhada de uma sanção no caso de inadimplemento da obrigação imposta.

Convém acrescentar que o juiz estabelece medidas para o cumprimento da obrigação, todavia, caberá ao réu cumprir ou não, sob pena de incidir nas sanções impostas. Nestes casos, conforme sintetizado por Gonçalves, “somente quando o credor prefira, ou quando a obrigação se torne prática ou juridicamente irrealizável, é que se admite a conversão em perdas e danos, passando-se então à execução por quantia.”

A sentença executiva lato sensu não necessita de execução para seu cumprimento, após o seu trânsito em julgado, “a sentença se cumpre desde logo, com a expedição de um mandado judicial, sem necessidade de um procedimento a mais, em que o réu tenha oportunidade de manifestar-se ou defenderse”. Nestes casos, os quais são expressamente autorizados pelo ordenamento jurídico, o réu não terá a escolha de cumprir ou não a sentença, como ocorre com a sentença mandamental, eis que se o réu não cumprir o Estado a cumprirá no lugar do réu, ou melhorar, irá impor a sentença executiva.

O processo visa a justiça da decisão e por esta razão foram previstos recursos a fim de reexaminar sentenças e assim trazer uma maior segurança jurídica e justiça para as partes. Para tanto, necessário haver um limite de reexames que permite a certeza do direito em dado momento.

A imutabilidade da sentença decorrente do decurso do prazo para a interposição de recursos sem que estes tenham sido interpostos ou após a interposição de todos os recursos cabíveis forma a coisa julgada formal.

A partir do momento em que a sentença se torna imutável adquire solidez, formando a coisa julgada, que consolida a segurança jurídica; esta por sua vez é proveniente do término da prestação jurisdicional.

Em regra, a coisa julgada produz efeitos entre as partes, todavia a sentença pode alcançar terceiros, conforme preconizaDonizetti:

“o terceiro pode ser alcançado pelos efeitos naturais da sentença, mas não pela imutabilidade e indiscutibilidade que emana da coisa julgada, visto que a autoridade da coisa julgada atua apenas para as partes da relação processual.”

Ainda, convém consignar que poderá haver desvinculação da sentença em relação aos pedidos. Em casos como o disposto nos artigos 290, 293 e 461, todos do CPC, conforme segue transcrição abaixo:

“Art. 290. Quando a obrigação consistir em prestações periódicas, considerar-se-ão elas incluídas no pedido, independentemente de declaração expressa do autor; se o devedor, no curso do processo, deixar de pagá-las ou de consignálas, a sentença as incluirá na condenação, enquanto durar a obrigação.

Art. 293. Os pedidos são interpretados restritivamente, compreendendo-se, entretanto, no principal os juros legais.

Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. (Redação dada pela Lei nº 8.952, de 1994) o § 1 A obrigação somente se converterá em perdas e danos se o autor o requerer ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 1994) o (Incluído pela Lei nº 8.952, de 1994)

§ 2 A indenização por perdas e danos dar-se-á sem prejuízo da multa (art. 287). o § 3 Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia, citado o réu. A medida liminar poderá ser revogada ou modificada, a qualquer tempo, em decisão fundamentada. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 1994) o § 4 O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 1994) o § 5 Para a efetivação da tutela específica ou aobtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição demulta por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial. (Redação dada pela Lei nº 10.444, de 2002) o § 6 O juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva. (Incluído pela Lei nº 10.444, de 2002)

De forma que nos casos e nos limites dispostos pelos artigos acima citados, a sentença poderá ser diversa do pedido constante da inicial.

Após ter sido proferida a sentença, em regra, o juiz não pode alterá-la, em face do princípio da inalterabilidade da sentença. No entanto, como já mencionado, existem algumas exceções, como expresso no art. 463, no art. 296 e no art. 461, todos do CPC.

O art. 461 do CPC permite que o juiz inove no processo para garantir o resultado prático equivalente ao cumprimento da obrigação após o trânsito em julgado da sentença.

Neste sentido, seguem as palavras de Cândido Dinamarco nacerca do assunto:

“É mais do que razoável, também para efetividade da promessa constitucional de tutela jurisdicional e acesso à justiça, superar a regra da correlação entre a sentença e a demanda (arts. 128 e 460), com vista à efetividade dessa tutela.”

A sentença poderá ser modificada para corrigir erros ou inexatidões materiais,conforme o art. 463 do CPC :

Art. 463. Publicada a sentença, o juiz só poderá alterá-la:

I – para Ihe corrigir, de ofício ou a requerimento da parte, inexatidões materiais, ou Ihe retificar erros de cálculo; II – por meio de embargos de declaração.”

A retificação, prevista no inciso I, do art. 463 do CPC, não poderá modificar o conteúdo decisório. Salienta-se que a correção do erro material poderá ser realizada a qualquer tempo, eis que não interrompe ou suspende qualquer prazo, mesmo após o trânsito em julgado.

Já os Embargos de Declaração, cujo procedimento está disposto no art. 535 do CPC, poderão sanar obscuridade, omissão ou contradição da decisão, não podendo, todavia, fazer novo julgamento do que já foi decidido. Os Embargos Declaratórios tem o cunho de esclarecer a decisão exarada ou no caso de omissão apresentar o entendimento acerca de algum pedido não apreciado quando da sentença.

Além das correções possíveis, mencionadas, as sentenças, após a sua publicação, serão passíveis de recurso, reexame pelo órgão jurisdicional hierarquicamente superior ao que proferiu a decisão. Os recursos estão previstos no artigo 496 do CPC.

O artigo 296 do CPC, que segue transcrito abaixo, diz respeito a faculdade do juiz de reconsiderar e reformar sua decisão, quando da apelação de indeferimento da inicial. No caso de reforma da decisão, recebida e processada a petição inicial, não haverá razão para o prosseguimento da apelação.

Art. 296. Indeferida a petição inicial, o autor poderá apelar, facultado ao juiz, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, reformar sua decisão. (Redação dada pela Lei nº 8.952, de 1994)

Parágrafo único. Não sendo reformada a decisão, os autos serão imediatamente encaminhados ao tribunal competente.

(Redação dada pela Lei nº 8.952, de 1994)

Neste momento se faz extremamente necessária a distinção entre sentença e decisão interlocutória, uma vez que é a partir desta distinção que se definirá o recurso cabível. Eis que se a decisão não for uma sentença e tiver conteúdo decisório, será uma decisão interlocutória e o recurso cabível será o agravo. Da sentença caberá o recurso de apelação, tanto da sentença prevista no art. 267 do CPC quanto da sentença prevista no art. 269 do CPC.

A sentença que julgar total ou parcialmente a lide tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas, conforme disposto no artigo 468 do CPC.

A relação processual termina definitivamente com a formação da coisa julgada, eis que a coisa julgada tem um vínculo com a jurisdição, “teleológico, pois a adoção da coisa julgada pelos ordenamentos jurídicos visa à preservação de valores socialmente relevantes”[xlii] e tem como uma de suas finalidades a segurança jurídica das relações.

Observa-se, contudo, que a sentença que decide relação jurídica continuativa, na jurisdição voluntária e no processo cautelar fazem coisa julgada formal, eis que poderá haver modificação da sentença conforme explicitado acima.

Via de regra, no entanto, as sentenças com resolução de mérito formarão a coisa julgada material e as sentenças sem resolução de mérito formarão a coisa julgada formal.

COISA JULGADA

A coisa julgada é a eficácia que torna imutável a sentença que transitou em julgado, ou seja, que não está mais sujeita a recurso. É uma qualidade dos efeitos da sentença, a imutabilidade, eis que é o dispositivo (que condena, declara ou constitui uma relação jurídica), que transita em julgado, que forma, portanto, a coisa julgada.

Neste sentido, Liebman pondera que a coisa julgada é uma qualidade que se agrega à sentença para aumentar sua estabilidade e não perpetuar infinitamente os litígios.

Mourão conceitua coisa julgada como “uma situação jurídica que se caracteriza pela proibição de repetição do exercício da mesma atividade jurisdicional, entre as mesmas partes, sobre objeto idêntico.”

Existem várias teorias para explicar a coisa julgada, mas uma das mais claras é aquela baseada nos princípios da segurança jurídica e no pressuposto de estabilidade, segundo o entendimento de Cláudio SinoéArdenchy dos Santos.

A segurança jurídica das decisões é adquirida quando é encerrada a controvérsia tutelada em juízo e se forma a coisa julgada. Mormente considerando, a função da coisa julgada é de garantir segurança jurídica às partes e à ordem política.

Mister se faz tecer que a fim de garantir a segurança jurídica, a Constituição Federal, em seu art. 5, XXXVI, previu a coisa julgada como uma garantia fundamental, como uma cláusula pétrea.

A coisa julgada está prevista no art. 467 e seguintes do CPC, e no art. 850 do CC.

Não fazem coisa julgada, de acordo com o artigo 469 do CPC, os motivos, a verdade dos fatos e a apreciação da questão prejudicial, decidida incidentalmente no processo.

A coisa julgada poderá ser alegada a qualquer tempo, de ofício ou a requerimento da parte, no processo de conhecimento. Nesse caso, se for verificada e ou acolhida a alegação de coisa julgada, o processo será extinto sem resolução do mérito. Outrossim, há que se acrescentar que a coisa julgada existe nos processos de conhecimento e, tão somente, no processo cautelar quando neste o juiz reconhece a prescrição ou a decadência do direito do autor.

Após a publicaçãoda sentença, esta, em regra, se torna irretratável, com exceção dos casos expressos em lei, que dizem respeito ao erro de cálculo e ao pedido de retratação.

Para então reexaminar a sentença, a parte deverá recorrer da sentença.

Passado o prazo recursal, seja pela não interposição de recurso ou pela interposição de todos os recursos cabíveis, a sentença se torna imutável, transita em julgado.

O trânsito em julgado da sentença forma a coisa julgada.

A coisa julgada pode ser material, quando advinda de sentença de mérito e ou pode ser formal quando decorrente de sentença sem julgamento do mérito.

Neste diapasão:

“A coisa julgada é formal quando não mais se pode discutir no processo o que se decidiu. A coisa julgada material é a que

[lii] impede discutir-se, noutro processo, o que se decidiu. (Pontes de Miranda)” (RTJ 123/569).

De acordo com o art. 467 do CPC, ‘denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário.

A coisa julgada material é formada a partir de um julgamento de mérito. Formada a coisa julgada material, esta não mais poderá ser rediscutida em outro processo.

Assim, a coisa julgada material decorre, em regra, de uma sentença de mérito que transitou em julgado, ou seja, que não esteja pendente de recurso. Porém, poderá decorrer de uma decisão interlocutória.

Neste sentido, segue o entendimento de Destefenni, o qual leciona que “no caso de antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional da parte incontroversa da demanda”; no caso de acolhida a prescrição em relação a parte da pretensão deduzida em juízo; quando houver reconhecimento jurídico parcial do pedido, haverá formação de coisa julgada de decisão interlocutória.

Quando não houver coisa julgada material a matéria de mérito discutida na causa poderá ser rediscutida em outra ação.

Nesta linha de raciocínio:

“A eficácia da coisa julgada (CPC, art. 467) não se limita a impedir a renovação de demanda idêntica à anterior (CPC, art. 301, §3º), mas, fundamentalmente, impedeque o desfecho do segundo processo entre as partes contradiga o resultado prático do primeiro” (RJTJERGS 254/173; acórdão relatado pelo Des. Araken de Assis).

A coisa julgada material torna imutáveis os efeitos produzidos pela sentença, de mérito, exteriorizando-os para fora do processo, tornando-os lei entre as partes.

Observa-se, contudo, que nas decisões proferidas na jurisdição voluntária, no processo cautelar e nas relações continuativas não há formação da coisa julgada material, pois nestas poderá ser provocada alteração da situação criada pelo provimento anterior se provada a alteração fática considerável para tal fim.

Acrescenta Destefenni[lix] que “só há produção da coisa julgada material após a coisa julgada formal.”

Diz-se coisa julgada formal quando findos os atos processuais, e coisa julgada material quando decidida a matéria, o mérito da causa.[lx]

Neste contexto:

“Não faz coisa julgada a decisão de pura índole instrumental, que de nenhum modo significa acolhimento ou rejeição do

[lxi] pedido.” (RTJ 114/320)

A coisa julgada formal encerra a relação processual e a coisa julgada material recai sobre o direito material controvertido.

Segundo o entendimento de Theodoro Junior:

“[…] a coisa julgada formal atua dentro do processo em que a sentença foi proferida, sem impedir que o objeto do julgamento volte a ser discutido em outro processo. Já a coisa julgada material, revelando a lei das partes, produz seus efeitos no mesmo processo ou em qualquer outro, vedando o reexame da res in iudicium deducta, por já definitivamente apreciada e julgada.”

A estabilidade decorrente da coisa julgada preserva a segurança jurídica, que é propiciada pelo Poder Judiciário, promovendo assim a permanência do Estado Democrático de Direito.

Ressalta-se que a coisa julgada recai tão somente no dispositivo da sentença, quando a este não couber mais recurso, não atingindo o relatório ou a motivação da sentença prolatada,como delineado no art. 469 do CPC :

Art. 469. Não fazem coisa julgada:

I – os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença;

Il – a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença;

III – a apreciação da questão prejudicial, decidida incidentemente no processo.”

O relatório, a motivação, a verdade dos fatos ou as questões prejudiciais, se não forem suscitadas através de uma declaração incidental, não fazem coisa julgada, porém, são consideradas antecedentes lógicos da conclusão da sentença.

De forma que a imutabilidade atingirá tão somente a parte dispositiva da sentença e não o relatório e ou a fundamentação, que poderão ser objeto de discussão em outra lide.

Neste norte:

“A imutabilidade decorrente da coisa julgada não abrange a motivação.” (RSTJ 90/199).

Outrossim, a coisa julgada tem limites, objetivos e subjetivos. Os limites objetivos da coisa julgada dizem respeito à parte da sentença que é atingida pela coisa julgada. Os limites subjetivos dizem respeito às partes, pessoas que serão atingidas pela coisa julgada.

Assim, o limite objetivo da coisa julgada será o dispositivo da sentença e o limite subjetivo, em regra, serão as partes do processo, nos termos do art. 472 do CPC.

Quanto ao limite subjetivo da coisa julgada, nem a imutabilidade e nem a indiscutibilidade da sentença poderão prejudicar ou beneficiar terceiros.Todavia, a eficácia natural da sentença valerá para terceiros, como ocorre com qualquer ato jurídico.

Destarte, mesmo após o trânsito em julgado e a formação da coisa julgada, em alguns casos haverá a possibilidade da proposição da ação rescisória e, justamente por esta razão que, segundo Frederico Marques, somente após o decurso do prazo para a interposição da ação rescisória a coisa julgada passa a ser a coisa soberanamente julgada.

AÇÃO RESCISÓRIA

A ação rescisória é uma ação constitutiva, com hipóteses de cabimento previstas no artigo 485 do CPC, que tem como escopo a desconstituição da sentença, decisão singular ou acórdão, transitado em julgado com julgamento de mérito, e excepcionalmente sem julgamento de mérito, contaminados com algum vício anulável, que ao final venha a julgar validamente a matéria constante na decisão rescindenda.

Para Greco Filho:

“[…] a última oportunidade de submeter ao judiciário o exame de uma decisão definitivamente consagrada.”

Com relação às sentenças sem julgamento do mérito pode-se dizer que devido ao fato delas não serem alcançadas pela coisa julgada material, admite-se nova ação, fazendo-se desnecessária a ação rescisória para um novo julgamento.

Nas raras hipóteses de cabimento de ação rescisória contra a decisão sem o julgamento do mérito, como no caso da ação que foi extinta sem julgamento do mérito com esteio no reconhecimento da coisa julgada. Neste caso, a parte não poderá ajuizar nova ação tendo em vista os impedimentos do artigo 268 do CPC, sendo assim, caberá a ação rescisória para desconstituir aquela decisão viciada.

Poderá ser intentada, por outro lado, a ação rescisória, segundo Souza[lxxiv], quando houver vício, previsto no art. 485 do CPC, na última decisão (rescindenda), embora esta não seja de mérito, pois o vício que nela se encontra, reflete e torna preclusa a primeira decisão, na qual houve julgamento do mérito.

Ocorre então, uma nova relação jurídica processual que deverá ser proposta no praz decadencial de dois anos, contados a partir do trânsito em julgado da rescisão que se quer atingir.

Souza estima que:

“A finalidade do instituto da ação rescisória é a eliminação do mundo jurídico de pronunciamento jurisdicional maculado por

[lxxvi] vício de extrema gravidade.”

É da competência originária dos Tribunais. A competência para o ajuizamento da ação rescisória será da instância superior à que julgou a sentença (ou acórdão) rescindenda.

Quanto à legitimidade ativa para a sua proposição, inclui-se, ao lado de quem foi parte no processo ou seu sucessor, o terceiro juridicamente interessado e o Ministério Público, com base no art. 487 do CPC.

O terceiro juridicamente interessado é aquele que sofre alguma consequência, algum impacto jurídico da coisa julgada.

O Ministério Público pode intervir no processo nos casos em que a sua intervenção é obrigatória, porém não foi efetivada e na hipótese de colusão das partes.

Podem-se citar os seguintes entendimentos jurisprudenciais:

Em razão de seu cabimento

“ A função da ação rescisória não é tornar mais justa a decisão e sim corrigi-la, modificando-a quando proferida contra legem. Não há ofensa à lei quando o acórdão rescindendo adota interpretação que não destoa da literalidade de seu texto.” (Ares. N.96.005962-8, da Capital, rel. Des. Nelson Schaefer Martins, j. 12/03/1997)

Quanto à rescisão total ou parcial da sentença

“A ação rescisória tanto pode rescindir todo o decisum, como apenas parte dele que, podendo ser destacada do todo, mostre-se afrontatória à disposição de lei. ‘O que não foi atingido pela rescisão continua eficaz. Os efeitos que não foram atingidos não mais o podem ser. Os efeitos atingidos desaparecem extunc’ (Pontes de Miranda)” (ARes. N. 98.008421-0, rel. Des. Eder Graf, j. 08/06/1999)

Em relação à decisão rescindenda

“Se da sentença houve interposição de recurso de apelação conhecido, o que transita em julgado é o acórdão, e contra este deverá endereçar-se a postulação rescisória.” (RT 652/128)

Quanto ao prazo para a interposição da ação rescisória

“Contra quem não foi citado não corre prazo para recurso. Se alguém não foi citado e não compareceu, a sentença não transita em julgado contra esta pessoa. E, o prazo decadencial da rescisória somente começa a fluir, a partir do 15º dia da data em que a pessoa não citada teve inequívoca ciência da sentença.” (ARes. N. 421, rel. Des. João Martins, in JC 39/371)

Os casos em que poderá ser interposta a ação rescisória estão previstos no art. 485 do CPC,

de forma taxativa, conforme segue:

Inciso I – SE VERIFICAR QUE FOI DADA POR PREVARICAÇÃO, CONCUSSÃO OU CORRUPÇÃO DO JUIZ

O inciso I do art. 485 do CPC diz respeito a crimes tipificados no Código Penal, como a prevaricação, a concussão e a corrupção do juiz, que poderão ser objeto da ação rescisória no âmbito civil, cuja decisão viciada poderá ser desconstituída.

A conduta do julgador deverá ser examinada à luz da conduta tipificada no Código Penal :

Prevaricação

“Art. 319 – Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal: (…)”

Concussão

“Art. 316 – Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida: (…)”

Corrupção passiva

“Art. 317 – Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumila, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem: (…)”

Embora a interpretação surja através dos elementos tipificados no Código Penal, desnecessária será a prévia condenação criminal ou a instauração de processo penal.

Para que a rescisória seja acolhida não é necessário que o juiz tenha sido previamente condenado no juízo criminal, permitindo-se que a prova do vício seja produzida no curso da própria ação rescisória. No entanto nada obsta que a ação rescisória seja instruída com sentença penal passada em julgado,[lxxxiii] cuja interpretação deve-se coadunar com a máxima de que a sentença penal condenatória faz coisa julgada no civil.

Inciso II – PROFERIDA POR JUIZ IMPEDIDO OU ABSOLUTAMENTE INCOMPETENTE

Quando configurado o impedimento do juiz, este não poderá atuar no processo e os seus atos até então praticados serão invalidados, ainda que não haja oposição ou recusa da parte, na medida em que a imparcialidade do juiz é condição essencial para o exercício da jurisdição. A mera suspeição não dá ensejo à rescisão do julgado.

As hipóteses de impedimento estão previstas nos artigos 134 e 136 do CPC, quais

sejam:

Art. 134. É defeso ao juiz exercer as suas funções no processo contencioso ou voluntário:

I – de que for parte;

II – em que interveio como mandatário da parte, oficiou como perito, funcionou como órgão do Ministério Público, ou prestoudepoimento como testemunha;

III – que conheceu em primeiro grau de jurisdição, tendo-lhe proferido sentença ou decisão;

IV – quando nele estiver postulando, como advogado da parte, o seu cônjuge ou qualquer parente seu, consangüíneo ou afim,em linha reta; ou na linha colateral até o segundo grau;

V – quando cônjuge, parente, consangüíneo ou afim, de alguma das partes, em linha reta ou, na colateral, até o terceiro grau;

VI – quando for órgão de direção ou de administração de pessoa jurídica, parte na causa.

Parágrafo único. No caso do no IV, o impedimento só se verifica quando o advogado já estava exercendo o patrocínio da causa; é, porém, vedado ao advogado pleitear no processo, a fim de criar o impedimento do juiz.

Art. 136. Quando dois ou mais juízes forem parentes, consangüíneos ou afins, em linha reta e no segundo grau na linha colateral, o primeiro, que conhecer da causa no tribunal, impede que o outro participe do julgamento; caso em que o segundo se escusará, remetendo o processo ao seu substituto legal.”

Se a alegação é de impedimento do julgador de órgão singular, a procedência do pedido importará em cassação da decisão e remessa ao substituto legal. De se ressaltar, contudo, que o Tribunal poderá partir para o juízo rescisório e proferir novo julgamento, desde que não haja impedimento e a causa esteja madura para julgamento, conforme preleciona FLÁVIO LUIZ YARSHELL[lxxxvi]:

\”sendo o tribunal (que julga a ação rescisória) competente para o novo julgamento, não havendo, obviamente, causas de impedimento ou suspeição dentre seus julgadores, sendo a matéria controvertida exclusivamente de direito e havendo elementos suficientes para tanto, poder-se-ia supor que o tribunal prosseguisse no julgamento, considerando a ratio do art. 515, §3º, do CPC\”.

Quanto à incompetência, esta deverá ser absoluta para dar causa à rescisória.

A incompetência absoluta poderá ser arguida a qualquer momento na lide. Ela diz respeito à matéria do processo e é inderrogável por convenção das partes. Estas só podem modificar a competência em razão do valor e do território, elegendo o foro nos quais serão propostas as ações oriundas de direitos e obrigações.

Declarada a incompetência absoluta, somente os atos decisórios serão nulos, remetendo-se os autos ao juiz competente, conforme art. 113 do CPC.

Inciso III – RESULTAR DE DOLO DA PARTE VENCEDORA EM DETRIMENTO DA PARTE VENCIDA, OU DE COLUSÃO ENTRE AS PARTES, A FIM DE FRAUDAR A LEI

A rescisão do julgado está condicionada à existência de nexo de causalidade entre o dolo e o pronunciamento do juiz.

Quando a parte vencedora ou seu representante legal agirem em desacordo com o disposto nos artigos 14, inciso II, e 17 do CPC, haverá dolo rescisório.

Não se reconhece dolo na simples omissão de prova vantajosa à parte contrária, nem tampouco no silêncio sobre circunstância que favoreça ao adversário.

“ O dolo a que se refere a 1ª parte do inciso III do art. 485 do CPC é de cunho processual, o qual ocorre quando a parte vencedora viola o seu dever de lealdade e boa-fé, impedindo, com isso, a atuação processual da parte ex adversa”(ARes. N. 482, rel. Des. Alcides Aguiar, j. 18/02/1991)

Não obstante, o Código de Processo Civil estabelece:

Art. 14. São deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo:

[…]

II – proceder com lealdade e boa-fé;

Art. 17. Reputa-se litigante de má-fé aquele que:

I – deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso;

II – alterar a verdade dos fatos;

III – usar do processo para conseguir objetivo ilegal;

IV – opuser resistência injustificada ao andamento do processo;

V – proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo;Vl – provocar incidentes manifestamente infundados.

VII – interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório. “

Cabe a ação rescisória, ainda, em casos de colusão para fraudar a lei. Caberá ao juiz impedir que as partes utilizem o processo para, maliciosamente, obterem resultado contrário à ordem jurídica. A colusão pode resultar da conjugação da conduta ativa e da omissão de uma das partes.[xci]

De acordo com Alvim, “entende-se por colusão o ajuste promovido pelas partes com o intuito de atingir determinado fim vedado em lei”.

O significado de colusão pode ser verificado, ainda, através do preceito constante no art. 129 do CPC:

Art. 129. Convencendo-se, pelas circunstâncias da causa, de que autor e réu se serviram do processo para praticar ato simulado ou conseguir fim proibido por lei, o juiz proferirá sentença que obste aos objetivos das partes.”

Em relação ao processo simulado, este poderá ser assim configurado quando as partes dele se valem em conluio, objetivando prejudicar terceiro e com isso fraudar a lei. Poderá ser provada a simulação na própria ação rescisória.

Oportuno efetuar a distinção entre processo simulado e processo fraudulento, visto que o inciso III do art. 485 apenas se remete aos casos de fraude.Assim, nas palavras de Barbosa Moreira:

“[…] processo fraudulento, que se distingue ao processo simulado: enquanto neste as partes não têm, verdadeiramente, a intenção de aproveitar-se do resultado do pleito, nem, pois, real interesse na produção dos respectivos efeitos jurídicos, a não ser como simulacro para prejudicar terceiros, naquele, ao contrário, o resultado é verdadeiramente querido, e as partes valemse do processo justamente porque ele se lhes apresenta como o único meio utilizável para atingir um fim vedado pela lei.”

Desta forma, toda vez que a parte se utilizar de meios ardis, maquinações ou atividades enganosas a fim de afastar o julgador da verdade, caberá a Ação Rescisória. A conduta deverá se caracterizar, portanto, pela intenção em fraudar a lei, e não apenas obter vantagens através de um simulacro. Por outras palavras, no processo simulado não há interesse objetivo, pelas partes, nos efeitos jurídicos do feito, enquanto que no processo fraudulento, a fraude é praticada única e exclusivamente visando os efeitos jurídicos da decisão do processo.

Inciso IV – OFENSA À COISA JULGADA

Quando a decisão ofender a coisa julgada, caberá a ação rescisória.

Ensina BARBOSA MOREIRA a esse respeito que \”haverá ofensa à coisa julgada quer na hipótese de o novo pronunciamento ser conforme ao primeiro, quer na de ser desconforme: o vínculo não significa que o juiz esteja obrigado a rejulgar a matéria em igual sentido, mas sim que ele está impedido de rejulgá-la\”.

Assim, conforme o art. 301, §3º segunda parte, do CPC :

Art. 301. Compete-lhe, porém, antes de discutir o mérito, alegar:

[…]

§ 3° Há litispendência, quando se repete ação, que está em curso; há coisa julgada, quando se repete ação que já foi decidida por sentença, de que não caiba recurso.” (Grifo nosso)

A proteção à coisa julgada também está prevista no art. 5o, XXXVI, da CF/88:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[…]

XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;”

Havendo conflito entre duas coisas julgadas, prevalecerá a que se formou por último, a não ser que esta seja rescindida..

A rescindibilidade visa, portanto, a evitar que a matéria seja julgada novamente, em conformidade ou não com o julgamento anterior. Caberá, então, a ação rescisória à segunda decisão.

A coisa julgada deve ser, sempre que possível protegida para assim garantir a segurança jurídica.

Inciso V – VIOLAÇÃO DE LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI

O inciso V do art. 485 do CPCé uma das principais hipóteses de cabimento da Ação Rescisória, por possibilitar a parte obter \”rejulgamento\” válido, quando prejudicada por decisão que viola literal disposição de lei, e que encontra-se alcançada pela coisa julgada.

Não diz respeito a má interpretação de lei e sim interpretação errônea da lei.

“ A injustiça da sentença e a má apreciação da prova ou errônea interpretação do contrato não autorizam o exercício da ação rescisória” (RTJ, 125/928) (ARes. N. 99.008208-3, rel. Des. Newton Trisotto, j. 02/05/2000)

A Súmula 343 do STF foi elaborada para dirimir questões relacionadas à violação literal de lei, qual seja:

“Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais”.

Esta súmula, após muita divergência, tem aplicação apenas naquelas situações nas quais as decisões geradas pelas jurisprudências não sejam contrárias a lei.

Nesse sentido:

“Se a decisão judicial rescindenda aplicou lei cuja inconstitucionalidade veio a ser declarada pelo Supremo Tribunal Federal, a ação rescisória é cabível. Nada importa a circunstância de que, na época em que se formou tal decisão, era controvertida nos tribunais a compatibilidade entre a constituição e a lei: a restrição contida na Súmula 343 do STF incide somente, quando o dissídio pretoriano envolvia a interpretação do dispositivo legal.(Brasília, STJ, RESP 130886/RS, Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, relator, 18/08/1998. DJ 13/10/1998,PG:00017).

Ensina FLÁVIO LUIZ YARSHELL[cv] que \”o que a lei exige para a desconsideração é que a decisão seja de mérito, e não que o dispositivo legal violado seja de direito material. Fundamentos de ordem processual também justificam a propositura de ação rescisória, desde que, pela cognição empreendida, a decisão seja apta a projetar efeitos para fora do processo, isto é, para o plano substancial\”.

Neste diapasão, dispõe a Súmula 343 do STF: “Não cabe ação rescisória por ofensa a literal dispositivo de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais.”

Portanto, conclui-se que “a ação rescisória não é uma revisão da justiça da decisão”, se a interpretação feita pelo juiz for razoável e não contrária a lei, não caberá a Ação Rescisória.

Inciso VI – SE FUNDAR EM PROVA, CUJA FALSIDADE TENHA SIDO APURADA

EM PROCESSO CRIMINAL OU SEJA PROVADA NA PRÓPRIA AÇÃO RESCISÓRIA

A doutrina é firme no sentido de que não há necessidade da prova falsa ser o principal fundamento da sentença; contudo, a prova falsa deve ser indispensável para a conclusão do julgamento.

A regra é de que a prova da falsidade seja constituída na própria Ação Rescisória, mas nadaobsta que ela seja emprestada de processo criminal em andamento[cix], prova esta que constituirá importante elemento de convicção do magistrado, que, entretanto, a ela não estará vinculado.

O fato jurídico pode ser provado por confissão, documento, testemunha, presunção ou perícia.

Se for provado que uma prova indispensável ao processo é falsa, ensejaráfundamento para uma ação rescisória.

Inciso VII – DEPOIS DA SENTENÇA, O AUTOR OBTIVER DOCUMENTO NOVO, CUJA EXISTÊNCIA IGNORAVA, OU DE QUE NÃO PÔDE FAZER USO, CAPAZ, POR SI SÓ, DE IHE ASSEGURAR PRONUNCIAMENTO FAVORÁVEL

Nas palavras de BARBOSA MOREIRA:

\”Por ‘documento novo’ não se deve entender aqui o constituído posteriormente. O adjetivo ‘novo’ expressa o fato de só agora ser ele utilizado, não a ocasião em que veio a formar-se. Ao contrário: em princípio, para admitir-se a rescisória, é preciso que o documento já existisse ao tempo do processo em que se proferiu a sentença. Documento ‘cuja existência’ a parte ignorava é, obviamente, documento que existia; documento de que ela ‘não pôde fazer uso’ é, também, documento que, noutras circunstâncias, poderia ter sido utilizado, e portanto existia\”.

A existência do documento, por si só, deve ser causa suficiente para assegurar ao autor da rescisória um pronunciamento diverso daquele contido na sentença impugnada, caso contrário, não há razão de ser.

No mesmo sentido:

“O documento novo que ensejaria rescisão de sentença é aquele que, ainda que produzido anteriormente não pode ser obtido pela parte, por ignorar a sua existência e, além de tudo, quando, por si só, pudesse ensejar pronunciamento favorável a quem o produz. Descaracterizado como tal o documento extraído de assentos públicos. (Resp. 9.188-PR, rel. Min. Dias Trindade, DJU de 10.06.91)” (ARes. N. 885, rel. Des. Vanderlei Romer, j. 10/11/1999).

Existindo documento novo, nos moldes descritos acima, haverá fundamento para o ajuizamento da ação rescisória.

Inciso VIII – HOUVER FUNDAMENTO PARA INVALIDAR CONFISSÃO, DESISTÊNCIA OU TRANSAÇÃO, EM QUE SE BASEOU A SENTENÇA

Cabe ação rescisória quando houver fundamento para invalidar confissão, desistência ou transação em que se baseou a sentença.

Nessas hipóteses, é indispensável que a sentença tenha tido como base o ato viciado, não bastando que esse seja suscetível de invalidação. O ato viciado deve ter sido determinante para o julgamento de mérito.

A desconstituição da sentença nos casos de renúncia e de transação impõe a retomada do processo a partir do momento em que for reconhecida a invalidade, não se passando a um novo julgamento.

A confissão e suas principais características legais estão previstas nos artigos 348 e seguintesdo CPC, e o reconhecimento do pedido pelo réu, no artigo 269, inciso II do CPC. Observa-se, no entanto, que o rol de vícios apresentados no art. 352 do CPC é apenas exemplificativo.

Quanto à confissão, o CPC reza:

Art. 348. Há confissão, quando a parte admite a verdade de um fato, contrário ao seu interesse e favorável ao adversário. A confissão é judicial ou extrajudicial.

Art. 349. A confissão judicial pode ser espontânea ou provocada. Da confissão espontânea, tanto que requerida pela parte, se lavrará o respectivo termo nos autos; a confissão provocada constará do depoimento pessoal prestado pela parte.

Parágrafo único. A confissão espontânea pode ser feita pela própria parte, ou por mandatário com poderes especiais.

Art. 350. A confissão judicial faz prova contra o confitente, não prejudicando, todavia, os litisconsortes.

Parágrafo único. Nas ações que versarem sobre bens imóveis ou direitos sobre imóveis alheios, a confissão de um cônjuge não valerá sem a do outro.

Art. 351. Não vale como confissão a admissão, em juízo, de fatos relativos a direitos indisponíveis.

Art. 352. A confissão, quando emanar de erro, dolo ou coação, pode ser revogada:

I – por ação anulatória, se pendente o processo em que foi feita;

II – por ação rescisória, depois de transitada em julgado a sentença, da qual constituir o único fundamento.

Parágrafo único. Cabe ao confitente o direito de propor a ação, nos casos de que trata este artigo; mas, uma vez iniciada, passa aos seus herdeiros.

Art. 353. A confissão extrajudicial, feita por escrito à parte ou a quem a represente, tem a mesma eficácia probatória da judicial; feita a terceiro, ou contida em testamento, será livremente apreciada pelo juiz.

Parágrafo único. Todavia, quando feita verbalmente, só terá eficácia nos casos em que a lei não exija prova literal.

Art. 354. A confissão é, de regra, indivisível, não podendo a parte, que a quiser invocar como prova, aceitá-la no tópico que a beneficiar e rejeitá-la no que Ihe for desfavorável. Cindir-se-á, todavia, quando o confitenteIhe aduzir fatos novos, suscetíveis de constituir fundamento de defesa de direito material ou de reconvenção.”

Neste sentido a Súmula 404 do TST:

“Ação Rescisória. Fundamento para invalidar confissão. Confissão ficta. Inadequação do enquadramento no art. 485, VIII, do CPC. O art. 485, VIII, do CPC, ao tratar do fundamento para invalidar a confissão como hipósete de rescindibilidade da decisão judicial, refere-se à confissão real, fruto de erro, dolo ou coação, e não à confissão ficta resultante de revelia.”

A desistência deve ser entendida como renúncia, naquelas ocasiões em que formulada

com base no art. 269, V do CPC, em razão da consequente resolução do mérito e, portanto, dos efeitos da coisa julgada material.

O art. 269 do CPC assim expressa:

Art. 269. Haverá resolução de mérito:

[…]

V – quando o autor renunciar ao direito sobre que se funda a ação.”.

Convém salientar que a desistência resulta na extinção da ação sem julgamento do mérito, de maneira que, o autor poderá ajuizar uma nova ação.

Da transação, homologada na jurisdição voluntária, cabe o procedimento previsto no artigo 486 do CPC, que trata da ação anulatória, de acordo com parte da doutrina. Contudo, a outra parte da doutrina entende que o procedimento mais adequado para o caso é o procedimento previsto no artigo 485 do CPC, que trata da ação rescisória.

Tal como seguem as jurisprudências:

APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO. RECURSO DE

APELAÇÃO. NÃO-CONHECIMENTO. Uma vez homologada a transação realizada pelas partes, não é possível em grau de apelo suscitar matérias que desbordam da nulidade ou da existência de vícios formais constantes no acordo, somente argüíveis em sede de ação rescisória. Apelo não-conhecido. (Apelação Cível Nº 70036110393, Décima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Bayard Ney de Freitas Barcellos, Julgado em 31/08/2011)

AÇÃO RESCISÓRIA. TRANSAÇÃO. SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA. A sentença que se limita a homologar transação que põe fim a processo é atacável mediante ação anulatória, pois não se equipara àquela que resolve o litígio, ainda que se baseando em uma transação. Impossibilidade jurídica da ação rescisória. Questões suscitadas a título de invalidade da transação que mais se relacionam à sua ineficácia frente a terceiros como, no caso, a autora. Ausência de interesse processual. Indeferimento da inicial. (Ação Rescisória Nº 70029621547, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Mylene Maria Michel, Julgado em 07/07/2009)

Neste sentido é a lição de THEOTONIO NEGRÃO e JOSÉ ROBERTO F. GOUVÊA:

“É cabível a ação ordinária de nulidade ou de anulação da sentença homologatória:

– de reconhecimento de procedência do pedido: ‘Tratando-se de sentença simplesmente homologatória da vontade das partes, que extinguem a lide por disposição daqueles direitos no processo controvertidos, cabível é a ação anulatória do art. 486 do CPC, pois a parte se insurge contra o próprio ato de disposição, alegando vícios que invalidariam os atos jurídicos em geral, nos termos da lei civil. A ação rescisória, do art. 485, VIII, do CPC é admissível contra sentença proferida em jurisdição contenciosa em que a transação, o reconhecimento do pedido, a renúncia ou a confissão servem como fundamento do ‘decisum’, influindo no conteúdo do comando judicial’ (STJ-4.ª Turma, Resp. 13.102-0-SP, Rel. Min. Athos Carneiro, j. 2.2.93, deram provimento, v.u., DJU 08.03.93, p. 3.119)”.

Nos casos de transação deverá ser realizada uma análise quanto ao julgamento de mérito para se verificar se a ação anulatória prevista no art. 486 do CPC é a mais adequada ou a ação rescisória prevista no art. 485, VII do mesmo diploma o seria.

Neste contexto, salienta-se que no caso de vícios da própria sentença homologatória será cabível a ação rescisória e ou quando aquela tratar do mérito da causa ou adentrar na análise do litígio propriamente dito.

Contudo, quando a sentença for meramente homologatória e o vício estiver na transação realizada, transação esta apenas homologada por sentença, a via mais adequada será a ação anulatória.

A ação anulatória visa rescindir o ato jurídico, sendo indispensável para tanto demonstrar a existência de vícios dos atos jurídicos capazes de invalidar o negócio jurídico em geral.

Salienta-se, contudo, que o tema é controvertido tanto pela doutrina como pela jurisprudência.

Inciso IX – FUNDADA EM ERRO DE FATO, RESULTANTE DE ATOS OU DE DOCUMENTOS DA CAUSA

§ 1O HÁ ERRO, QUANDO A SENTENÇA ADMITIR UM FATO INEXISTENTE, OU QUANDO CONSIDERAR INEXISTENTE UM FATO EFETIVAMENTE OCORRIDO.

§ 2O É INDISPENSÁVEL, NUM COMO NOUTRO CASO, QUE NÃO TENHA HAVIDO CONTROVÉRSIA, NEM PRONUNCIAMENTO JUDICIAL SOBRE O FATO.

Só haverá erro de fato autorizando a rescisória quando a sentença admitir um fato inexistente, ou quando considerar inexistente um fato efetivamente ocorrido.

O erro nas palavras de Greco Filho é aquele que “passou despercebido pelo juiz”.

Porém, “se a existência ou a inexistência do fato foi ponto controvertido e o juiz optou por uma das versões, ainda que erradamente, não será cabível a ação rescisória”.[

Esse erro deverá ser de relevante importância à decisão do juiz, para poder ser alvo de ação rescisória.

“O erro de fato (CPC, art. 485, IX), para macular o julgamento, deve ser aquele que, estando nos autos no momento da decisão, nela tenha influído induvidosamente; por isso, ‘somente se admite a rescisória fundada nesse inciso processual quando for razoável presumir que o juiz não teria julgado como o fez se tivesse atentado para a prova, e não quando a apreciou e, bem ou mal, firmou sua convicção’ (STF, RTJ 98/972)” (ARes. n. 97.000856-2, rel. Des. Nilton Macedo Machado, j. 19/10/1998).

Quantos aos requisitos o ensinamento de HUMBERTO THEODORO JÚNIOR[cxxviii] é no sentido de que \”são requisitos para que o erro de fato enseje ação rescisória: (i) o erro deve ter sido a causa da conclusão da sentença, (ii) o erro há de ser apurável mediante simples exame das peças do processo (…), e (iii) não pode ter havido controvérsia, nem pronunciamento judicial no processo anterior sobre o fato\”.

Portanto, o erro relacionado a fato não pode ter sido discutido na ação para que possa ser alvo de ação rescisória.

O ajuizamento da ação rescisória será efetuado por intermédio de uma petição inicial, satisfeitos os requisitos legais do art. 282, do CPC e com fundamento no art. 485, do CPC, podendo cumular os pedidos deste. Deverá ser depositado 5% sobre o valor da causa, a título de multa, caso a ação seja, por unanimidade, declarada inadmissível ou improcedente. Porém, este depósito não será necessário nos casos em que for proposta pela União, Estados e Municípios, pelo Ministério Público ou pelos beneficiários da justiça gratuita.

Por envolver interesse público o Ministério Público deverá, obrigatoriamente, ser ouvido, nos termos do art. 82, III do CPC.

Julga-se a rescisória em três etapas: primeiro, examina-se a admissibilidade da ação (questão preliminar); após, aprecia-se o mérito da causa, rescindindo ou não a sentença impugnada (judicium rescindens); e, finalmente, realiza-se novo julgamento da matéria que fora objeto da sentença rescindida

(judicium rescisorium), quando for o caso.

Os recursos cabíveis são: o agravo regimental, quando do indeferimento da petição inicial da ação rescisória; embargos infringentes de acórdão não unânime que não julga a rescisória; recurso especial e recurso extraordinário, cuja interposição dependerá de prévio embargos infringentes.

Conforme expresso no art. 489 do Código de Processo Civil: “o ajuizamento da ação rescisória não impede o cumprimento da sentença ou acórdão rescindendo, ressalvada a concessão, caso imprescindíveis e sob os pressupostos previstos em lei, de medidas de natureza cautelar ou antecipatória de tutela\”. De forma que a propositura da ação rescisória não suspende a execução da sentença rescindenda.

A ação rescisória tem como objetivo desconstituir uma decisão transitada em julgado, sem possibilidade de qualquer recurso. O prazo para a sua interposição é de apenas 02 anos, contados do trânsito em julgado da decisão rescidenda, admissível somente nos casos previstos no artigo 485 do CPC, e apenas neles.

Como visto, a ação rescisória terá cabimento quando se verificar que a sentença foi dada por prevaricação, concussão ou corrupção do juiz; proferida por juiz impedido ou absolutamente incompetente; resultar de dolo da parte vencedora em detrimento da parte vencida, ou de colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei; ofender a coisa julgada; violar literal disposição de lei; se fundar em prova, cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou seja provada na própria ação rescisória; depois da sentença, o autor obtiver documento novo, cuja existência ignorava, ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de Ihe assegurar pronunciamento favorável; houver fundamento para invalidar confissão, desistência ou transação, em que se baseou a sentença e ou fundada em erro de fato, resultante de atos ou de documentos da causa.

Corroboram os ensinamentos de Sergio para o tema:

“A demanda rescisória é uma ação como qualquer outra, apesar da excepcionalidade de seu propósito, portanto sujeita à mesma disciplina processual. Assim, aparece como documento indispensável à propositura da demanda a guia que comprova o depósito da importância de 5% sobre o valor da causa, a título de multa, caso a ação seja, por unanimidade de votos, declarada inadmissível ou improcedente, eis que o referido depósito é requisito específico e próprio da demanda, sendo, pois, a comprovação do atendimento deste requisito absolutamente indeclinável”

Contudo, pode ser requerida a assistência judiciária, conforme segue o entendimento a seguir:

“O depósito que alude o art. 488, inciso II, do Código de Processo Civil, não pode ser exigido de quem é beneficiário da assistência judiciária gratuita” (ARes. n. 597, rel. Des. Nestor Silveira, j. 12/08/1991)

Os pedidos da ação rescisória poderão ser:o pedido de rescisãoou de novo julgamento ou a cumulação dos dois, quando cabível.

A rescisão, segundo Gonçalves[cxxxiv], “pode não englobar a sentença toda, mas apenas um ou alguns capítulos, caso em que somente estes serão substituídos por nova decisão.”

Para finalizar a questão processual, pode-se concluir que:

“O julgamento da ação rescisória comporta em princípio três etapas sucessivas: a verificação da admissibilidade da ação; o exame do pedido de rescisão no mérito, em que o tribunal decide rescindir ou não a sentença impugnada (iudiciumrescindens); e, finalmente, o rejulgamento da matéria que por ela fora decidida (iudiciumrescissorium). É claro que só se passa à segunda etapa caso, na primeira, a ação tenha sido considerada admissível; e só se passa à terceira caso, na segunda, o pedido haja sido julgado procedente e, pois, rescindida a sentença. Quer isso dizer que cada uma das etapas é tecnicamente, preliminar da seguinte.”

Destarte, oportuno consignar que a ação rescisória é a derradeira oportunidade de salvar uma causa maculada por vício determinante, tornando-se este, o próprio fundamento da ação.

RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA

No que tange a coisa julgada, vale lembrar que esta é uma qualidade que se agrega à sentença para aumentar sua estabilidade e não perpetuar infinitamente os litígios, ou seja, a coisa julgada não está diretamente ligada à justiça da decisão.

Inicialmente, éimportante observar que é controversa na doutrina e na jurisprudência, atualmente, a relativização da coisa julgada, eis que existe a tendência de outros valores, além da lei positivada, a serem analisados, valores relevantes, a fim de relativizar ou não a coisa julgada, verificando em casos concretos se a justiça da decisão não é mais importante do que a segurança jurídica trazida pela coisa julgada material.

Segundo o entendimento de Wambier, há a revisão típica da coisajulgada através da ação rescisória e também há a revisão atípica, em casos excepcionais, admitida por alguns doutrinadores e em decisões recentes, que seria aquela decorrente de valores mais relevantes do que a segurança jurídica constitucional, como é o caso de algumas ações de investigação de paternidade, nas quais utiliza-se como fundamento a prova e os princípios constitucionais da razoabilidade, da proporcionalidade e o princípio da busca da identidade genética (direito fundamental de que toda pessoa tem de conhecer as suas origens), conforme ocorreu no julgado do RE 363.889 do STF, conforme segue a ementa:

”RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL E CONSTITUCIONAL. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE DECLARADA EXTINTA, COM FUNDAMENTO EM COISA JULGADA, EM RAZÃO DA EXISTÊNCIA DE ANTERIOR DEMANDA EM QUE NÃO FOI POSSÍVEL A

REALIZAÇÃO DE EXAME DE DNA, POR SER O AUTOR BENEFICÁRIO DA JUSTIÇA GRATUITA E POR NÃO

TER O ESTADO PROVIDENCIADO A SUA REALIZAÇÃO. REPROPOSITURA DA AÇÃO. POSSIBILIDADE, EM RESPEITO À PREVALÊNCIA DO DIREITO FUNDAMENTAL À BUSCA DA IDENTIDADE GENÉTICA DO SER, COMO EMANAÇÃO DE SEU DIREITO DE PERSONALIDADE.

1. É dotada de repercussão geral a matéria atinente à possibilidade da propositura de ação de investigação de paternidade,quando anterior demanda idêntica, entre as mesmas partes, foi julgada improcedente, por falta de provas, em razão da parte interessada não dispor de condições econômicas para realizar o exame de DNA e o Estado não ter custeado a produção dessa prova.

2. Deve ser relativizada a coisa julgada estabelecida em ações de investigação de paternidade em que não foi possível determinar-se a efetiva existência de vínculo genético a unir as partes, em decorrência da não realização do exame de DNA, meio de prova que pode fornecer segurança quase absoluta quanto à existência de tal vínculo.

3. Não devem ser impostos óbices de natureza processual ao exercício do direito fundamental à busca da identidade genética,como natural emanação do direito de personalidade de um ser, de forma a tornar-se igualmente efetivo o direito à igualdade entre os filhos, inclusive de qualificações, bem assim o princípio da paternidade responsável.

4. Hipótese em que não há disputa de paternidade de cunho biológico, em confronto com outra, de cunho afetivo. Busca-se oreconhecimento de paternidade com relação a pessoa identificada.

5. Recursos extraordinários conhecidos e providos.

(RE 363.889, Rel. Min. Dias Toffoli, Plenário, j. 02.06.2011, DJE de 16.12.2011).”

O reexame de sentença transitada em julgado é possível pela ação rescisória, no entanto, segundo Donizetti, além dessa possibilidade a doutrina atual traz outras duas, quais sejam, quando a decisão contrariar a Constituição Federal e na ação de investigação de paternidade quando ainda não disponível o exame de DNA.

Donizetti[cxxxix] esclarece que “ao se garantir a intangibilidade da coisa julgada, o fim almejado pelo constituinte originário é a estabilidade das relações sociais, evitando a perpetuação dos litígios.”

Ademais:

“O fim precípuo da coisa julgada, reitere-se, não é garantir justiça material – conceito indeterminado e variável no tempo -, mas outorgar segurança ao direito, às partes litigantes e a terceiros, que encontram na coisa julgada a segurança necessária para realização de outros negócios jurídicos.” .

O controle de constitucionalidade não pode ser ilimitado no conteúdo e no tempo, como também a justiça da decisão não pode ser diversas vezes requestionada, rediscutida, eis que a própria justiça é relativa, varia de acordo com os valores, cultura, religião.

Contudo, de acordo com o entendimento de Donizetti, a coisa julgada inconstitucional poderá ser relativizada em casos que o juízo de proporcionalidade se mostrar mais relevante do que a segurança jurídica.[cxli]Como é o caso da violação do direito fundamental de conhecer a origem biológica como ocorre em casos de investigação de paternidade em que não havia a possibilidade do exame de DNA, que tem ligação direta com o princípio da dignidade da pessoa humana.

Entenda-se aqui como juízo de proporcionalidade a ponderação ou avaliação do meio utilizado em relação ao fim proporcionado.

Antigamente já existia a preocupação em razão da relativização da coisa julgada. Formalmente cumpre lembrarmos que o primeiro a suscitar a questão da relativização da coisa julgada foi José Augusto Delgado, ministro do Superior Tribunal de Justiça. Após, vários doutrinadores difundiram tal questão, como Humberto Theodoro Jr. e Candido Rangel Dinamarco.

Dentre os vários doutrinadores, acima mencionados, e outros mais existentes, também podemos citar Fredie, Paula e Rafael[cxliii], os quais defendem que além de garantir o acesso à justiça, o Estado Democrático de Direito deve assegurar uma solução definitiva aos conflitos postos ao Poder Judiciário a fim de garantir a segurança jurídica dos cidadãos.

Assim, a coisa julgada, de acordo com Fredie, Paula e Rafael é:

“[…] um limite ao exercício da função jurisdicional e, pois, uma garantia do cidadão. Se a decisão jurisdicional é a última e é inevitável, é preciso que haja um momento em que nem mesmo os órgãos jurisdicionais possam rever aquilo que foi decidido. A coisa julgada impede o reexame da questão pela lei, por ato administrativo e, principalmente, pelo próprio Poder Judiciário”

Todavia, Fredie, Paula e Rafael entendem que as hipóteses de cabimento da ação rescisória deveriam ser revistas a fim de que fosse incluidaa impugnação de decisões judiciais com gravíssimos vícios formais, no entanto, entendem pela não relativização da coisa julgada, por acreditarem que a garantia da coisa julgada material para além dos casos já disciplinados pelo legislador não traz a certeza de que a nova decisão corrigirá a suposta injustiça ou absurdo da decisão anterior, pelo contrário, trará um mal ainda maior, que é a incerteza jurídica daquela relação.

Mormente, deve ser considerado o entendimento de Cláudio no sentido de que não há verdade absoluta, que o direito é mutável, e que a função do operador do direito é solucionar os conflitos e questões que vão surgindo ao longo do tempo e não criar problemas.

A que se ter em mente que \”o direito se forma e evolui constantemente ao contato da vida de relação. É a convivência dos homens, sua atividade material, intelectual e moral, que criam o fenômeno jurídico.\”

Assim, se os efeitos da sentença transitada em julgado, que não se esgotam com a prolatação da mesma, perseverarem ao longo do tempo, se transformando em uma injustiça evidente e intolerável, sua modificação se torna imprescindível, tanto quanto a modificação da lei é imprescindível em determinados casos, da mesma forma que o direito evolui ao longo dos tempos, de acordo com o avanço da sociedade e em prol da mesma.

Seguinte na linha de raciocínio, convém salientar, de acordo com o entendimento deGonçalves, a finalidade da coisa julgada, que é “dar segurança e estabilidade às relações jurídicas na busca da pacificação social. “

Todavia, a segurança jurídica não pode vir de encontro com a violação de garantias ou direitos constitucionais, éticos ou jurídicos.

De forma que com a relativização não se pretendem dotar de insignificância o princípio da segurança jurídica, mas sim harmonizá-lo a outros princípios que entendam ser de igual ou maior relevância, dado que os princípios não constituem um fim em si mesmos, mas fazem parte de um todo, sendo essa a razão pela qual devem ser sopesados. Deve ser visto na justiça das decisões um valor maior a ser protegido.

A jurisprudência vem firmando posições que atendam aos fins sociais do processo e às exigências do bem comum.

Conforme seguem alguns exemplos, retirados da obra de Theotonio Negrão[cl] e José R. F. Gouvêa:

“A ideia de relativização da coisa julgada material consiste no excepcional afastamento da sua eficácia, a fim de que um outro valor igualmente caro ao ordenamento jurídico sobre ela prevaleça, por falar mais alto do que a imutabilidade e a indiscutibilidade do julgado no específico caso concreto. Tal prevalência se operaria independentemente da apresentação de ação rescisória, bastando a formulação de pretensão voltada á declaração de ineficácia da coisa julgada, quer em demanda especificamente ajuizada para tanto, quer no contexto de outra demanda, em caráter incidenter tantum. São conhecidos casos de relativização da coisa julgada em matéria de: – investigação de paternidade, com apoio nos avanços científicos e no estabelecimento da verdade real em questão atinente ao estado das pessoas (RSTJ 154/403: 4ª T., REsp 226.436; JTJ 284/110, RT 835/209); – de desapropriação, por afronta aos princípios constitucionais da moralidade e da justa indenização, de modo a proteger o erário (RP 124/233: 1ª T., REsp 554.402, um voto vencido).”

Ressalta-se que atualmente não há relativizaçãoda coisa julgada de forma atípica, com exceção dos processos de investigação de paternidade anteriores a possibilidade do exame de DNA e ou a possibilidade de acesso a esse exame pela população, eis que assunto de extrema relevância à dignidade da pessoa humana e cuja imutabilidade da coisa julgada causaria desproporcional e não razoável justiça da decisão.

Imprescindível, no entanto, observar que a coisa julgada foi relativizada, tão somente, em relação a investigação de paternidade, até o presente momento, e mesmo assim, em apenas alguns casos; casos em que vários pontos convergiram a fim de que fosse possível a relativização, tais como, a prova obtida através do DNA, cuja colheita não foi possível no transcurso do processo original, para a comprovação ou não da paternidade, que proporciona 99,9% de certeza quanto a paternidade, ou seja, uma prova substancial e segura, e os princípios constitucionais, de extrema relevância à dignidade da pessoa humana, que foram violados.

De forma que a relativização da coisa julgada não se mostra absoluta. Quando um direito fundamental, garantido pela Constituição Federal se mostra mais relevante e desproporcionalmente ameaçado, quando esse mesmo direito, se tutelado adequadamente, trouxesse a justiça da decisão no caso concreto, quando esta tutela estivesse em confronto com a coisa julgada e fosse mais relevante, segundo os princípios constitucionais, do que a segurança jurídica da decisão, então a relativização da coisa julgada, de forma atípica, se mostraria necessária e eficaz para a própria segurança jurídica que inicialmente confrontou. Assim, a justiça da decisão, neste momento, se equilibraria com a segurança jurídica, eis que efetivada a tutela específica do direito tutelado.

Diante de todo o exposto, conclui-se que pode haver a relativização da coisa julgada em determinados casos, mesmo não havendo previsão em nosso ordenamento jurídico e sendo controvertida pela doutrina e jurisprudência;leia-se, atualmente, em alguns casos, os de investigação de paternidade, que correspondem a exceção a regra; casos estes que deverão reunir uma complexidade de requisitos e condições para que a coisa julgada seja relativizada, garantindo assim a segurança jurídica das relações e o próprio sistema jurídico como um todo.

Autora: Michele Martins Silva, advogada em Balneário Camboriú e região; Graduada em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, Itajai – SC, Brasil; Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, Itajai – SC, Brasil.

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