Comentários à Lei 12.874/2013 – separação e divórcio no Consulado


Olá amigos,

Foi publicada, no dia de ontem, a
Lei n.° 12.874/2013, que altera a
LINDB (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro).

No Dizer o Direito, você fica por
dentro de todas as novidades legislativas.

Vamos verificar o que mudou?

SOBRE O QUE TRATA A NOVA LEI:

A Lei n.° 12.874/2013 conferiu atribuição
às autoridades consulares brasileiras para que realizem a separação ou o
divórcio de brasileiros no exterior.

Assim, com a nova Lei, os
brasileiros que estejam no exterior poderão procurar o Consulado brasileiro existente
naquele país e lá requerem, extrajudicialmente, a separação ou divórcio.

Veja o texto da alteração
legislativa:

A Lei de Introdução às Normas do
Direito Brasileiro (LINDB) passa a vigorar acrescida de dois novos parágrafos inseridos
no art. 18:

Art. 18.  (…)

§ 1º As autoridades consulares brasileiras
também poderão celebrar a separação consensual e o divórcio consensual de
brasileiros, não havendo filhos menores ou incapazes do casal e observados os
requisitos legais quanto aos prazos, devendo constar da respectiva escritura
pública as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns e à
pensão alimentícia e, ainda, ao acordo quanto à retomada pelo cônjuge de seu
nome de solteiro ou à manutenção do nome adotado quando se deu o casamento.

§ 2º É indispensável a assistência de
advogado, devidamente constituído, que se dará mediante a subscrição de
petição, juntamente com ambas as partes, ou com apenas uma delas, caso a outra
constitua advogado próprio, não se fazendo necessário que a assinatura do
advogado conste da escritura pública.

REQUISITOS PARA A SEPARAÇÃO OU DIVÓRCIO NO CONSULADO:

Para que haja a separação
judicial ou o divórcio no Consulado é necessário que sejam preenchidos os
seguintes requisitos:

a) Os cônjuges precisam ser brasileiros e estarem no exterior

Ambos os cônjuges precisam ser brasileiros?

Não. Apesar de a Lei não autorizar
expressamente, penso que é possível que seja realizada a separação ou o
divórcio de um brasileiro que seja casado com uma estrangeira, desde que esse
matrimônio tenha sido celebrado no Brasil ou, no exterior, perante as
autoridades consulares brasileiras (art. 18 da LINDB; art. 1.544 do CC).

Ora, o objetivo da alteração foi
o de facilitar a situação do nacional brasileiro que esteja no exterior, não sendo
razoável imaginar que essa comodidade seja negada pelo simples fato de o
brasileiro ser casado com uma estrangeira.

Ressalte-se, contudo, que esse
ponto poderá gerar alguma polêmica e posições em sentido contrário.

Os cônjuges precisam morar no exterior?

Não. A Lei exige que eles estejam
no exterior, não exigindo qualquer comprovação de domicílio no local.

Assim, pode acontecer de, no caso
de um casal já separado de fato, um deles morar no Brasil e o outro no
exterior, sendo mais cômodo, por motivos particulares, que o residente aqui vá
até lá para oficializar o divórcio, oportunidade na qual poderá ainda fazer
turismo internacional.

Pode haver polêmica também quanto
a essa interpretação.

b) A separação ou o divórcio deve ser consensual

Havendo divergência quanto à
decisão de separar, sobre a partilha de bens ou com relação a qualquer outro
aspecto, a separação ou o divórcio deverão ser feitos por meio de processo
judicial.

c) O casal não pode ter filhos menores ou incapazes

Ressalte-se que o impedimento
restringe-se aos filhos comuns.

Ex: João e Maria são casados,
moram nos EUA e desejam se separar. João tem um filho de 15 anos com Celeste,
com quem já foi casado no passado. João e Maria não possuem nenhum filho em
comum. Logo, poderão se divorciar no Consulado brasileiro existente nos EUA.

INSTRUMENTO POR MEIO DO QUAL O ATO É MATERIALIZADO: ESCRITURA PÚBLICA

A separação ou o divórcio serão
feitos pela autoridade consular por meio de uma escritura pública.

Na respectiva escritura pública deverão
constar:

• a descrição e a partilha dos
bens comuns;

• a definição sobre eventual
pagamento de pensão alimentícia e seu valor;

• o acordo quanto à retomada pelo
cônjuge de seu nome de solteiro ou à manutenção do nome adotado quando se deu o
casamento.

A escritura pública é assinada,
ao final, pela autoridade consular e também pelo, agora, ex-casal.

INDISPENSÁVEL QUE O CASAL ESTEJA ASSISTIDO POR ADVOGADO

A Lei determina que é
indispensável a assistência de advogado, devidamente constituído.

O advogado assinará a petição dirigida
à autoridade consular na qual é pedida a separação ou o divórcio. Essa petição
deverá ser também subscrita por ambos os cônjuges ou, então, por apenas um
deles, caso o outro opte por constituir um advogado diferente.

Exige-se a assistência do advogado
apenas na petição dirigida à autoridade consular. No momento em que o casal vai
pessoalmente até o Consulado não é preciso que estejam acompanhados do
advogado. Importante ressaltar que não é necessário que o advogado assine a escritura
pública juntamente com os cônjuges e a autoridade consular (nisso, a
separação/divórcio no Consulado diferencia-se da separação/divórcio no
cartório).

Em suma, a lei só exige que o
advogado preste assistência ao casal subscrevendo a petição na qual se requer à
autoridade consular a separação ou o divórcio.

Assim, um casal que esteja em
Israel e deseje se divorciar no Consulado do Brasil naquele país, poderá entrar
em contato com um advogado no Brasil e este elabora e envia, por Correio, uma
petição de divórcio. O casal recebe a petição, assina e protocoliza no
Consulado que irá providenciar o divórcio, não sendo necessária mais qualquer
atuação do advogado.

O casal poderá contratar um advogado estrangeiro (não graduado no
Brasil) para prestar assistência jurídica em um divórcio realizado no Consulado
brasileiro no exterior?

NÃO. Juridicamente, o divórcio
realizado no Consulado brasileiro é como se tivesse sido feito no Brasil, em um
cartório de Tabelionato de Notas.

No Poder Judiciário e nas
repartições públicas brasileiras somente pode atuar como advogado, ou seja,
prestando consultoria, assessoria ou direção jurídica, aquele que preenche os
requisitos previstos na Lei n.°
8.906/94.

Diz a Lei n.° 8.906/94 que o advogado (estrangeiro
ou brasileiro), que não tiver se formado no Brasil, somente poderá se inscrever
na OAB e atuar como advogado em nosso país, após passar por um processo de
revalidação do seu título de graduação, o que inclui a realização de uma prova.
 Após revalidar seu diploma, ainda deverá
se submeter ao exame da ordem (§ 2º do art. 8º).

Logo, o profissional que não for
advogado no Brasil, não poderá prestar assistência jurídica para que um casal
se separe ou se divorcie no estrangeiro.

SEPARAÇÃO OU DIVÓRCIO: AINDA EXISTE DIFERENÇA?

Se você observar o texto da Lei,
verificará que ele fala em “separação” e “divórcio”. A pergunta que surge é a
seguinte: ainda existe a o instituto da “separação” no Brasil ou agora somente é
possível o “divórcio”?

A EC 66/2010 (conhecida como “Emenda do
Divórcio”), alterou a redação do art. 226, § 6º da CF/88, suprimindo os prazos
de um ano de separação judicial e de dois anos de separação de fato no
divórcio. Em suma, a EC 66/2010 acabou com a referência que a CF/88 fazia à
existência de separação judicial. Compare as duas redações:

Antes
da EC 66/2010

DEPOIS
da EC 66/2010

Art. 226 (…)

§ 6º O casamento civil pode ser
dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano
nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois
anos.

Art. 226 (…)

§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido
pelo divórcio.

Apesar de a CF/88 ter expurgado de seu
texto o termo “separação judicial”, o art. 1.571, III, do CC (que menciona a
existência de separação judicial) não foi formalmente revogado. Em outras
palavras, o constituinte reformador tirou da Constituição a separação, mas ela
ainda continua presente no Código Civil. Diante disso, surgiram duas correntes:

O
Direito brasileiro ainda admite a existência da separação?

SIM

NÃO

Uma primeira corrente defende que a
separação judicial continua a ser possível para aqueles que assim desejam.

Os autores filiados a essa posição afirmam
que existem pessoas que, por razões religiosas ou filosóficas, não admitem o
divórcio e, assim, querem ficar apenas “separadas”, mas não “divorciadas”.

Outro argumento é o de que a
separação seria uma alternativa interessante para os casais que não descartam
a possibilidade de reatarem, considerando que se estiverem apenas separados
poderão restabelecer, a todo tempo, a sociedade conjugal. Ao contrário, se
estiverem divorciados e desejarem se reconciliar, teriam que casar novamente,
o que seria mais burocrático.

Sustenta que o art. 1.571, III, do CC,
mesmo não tendo sido alterado expressamente, foi revogado pela EC 66/2010
(não recepção). Logo, não é mais possível que haja separação judicial, mas
apenas o divórcio.

Na V Jornada de Direito Civil foi
aprovado um enunciado adotando a 1ª corrente:

Enunciado
514: Art. 1.571. A Emenda Constitucional n. 66/2010 não extinguiu o instituto
da separação judicial e extrajudicial.

Quem escreveu o enunciado foi a Prof.
Regina Beatriz Tavares da Silva, que possui uma obra defendendo essa posição.

Essa segunda posição é a majoritária
na doutrina. Nesse sentido, podemos citar: Paulo Lôbo, Rodrigo da Cunha
Pereira, Pablo Stolze, Maria Berenice Dias, Flávio Tartuce, Cristiano Chaves
e Nelson Rosenvald.

O
que prevalece na prática?

A primeira corrente. Assim, se um
casal for até um Tabelionato de Notas poderá requerer (e irá conseguir) a mera
separação. Em suma, continua existindo a separação extrajudicial. Esse é o
entendimento do CNJ, que não aceitou excluir da Resolução n.° 35/2007 a possibilidade de
os Cartórios fazerem separação extrajudicial.

Logo, o legislador, ciente dessa
realidade prática, e até mesmo pelo fato de não ter havido uma revogação
expressa da separação na legislação ordinária, afirmou que tanto o divórcio
como a separação poderão ser realizados no Consulado.

Com isso, equiparou as opções do
casal caso eles se dirijam a um Tabelionato de Notas ou a um Consulado.

SEPARAÇÃO E DIVÓRCIO EXTRAJUDICIAIS

A possibilidade de o casal
realizar a separação ou divórcio pela via extrajudicial existe em nosso
ordenamento jurídico desde a Lei n.°
11.441/2007, que acrescentou o art. 1.124-A ao CPC, com a seguinte redação:

Art. 1.124-A. A separação
consensual e o divórcio consensual, não havendo filhos menores ou incapazes do
casal e observados os requisitos legais quanto aos prazos, poderão ser
realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições relativas à
descrição e à partilha dos bens comuns e à pensão alimentícia e, ainda, ao
acordo quanto à retomada pelo cônjuge de seu nome de solteiro ou à manutenção
do nome adotado quando se deu o casamento.

§ 1º A escritura não
depende de homologação judicial e constitui título hábil para o registro civil
e o registro de imóveis.

§ 2º O tabelião somente
lavrará a escritura se os contratantes estiverem assistidos por advogado comum
ou advogados de cada um deles ou por defensor público, cuja qualificação e
assinatura constarão do ato notarial.

§ 3º A escritura e demais
atos notariais serão gratuitos àqueles que se declararem pobres sob as penas da
lei.

Dessa forma, a presente Lei n.° 12.874/2013 apenas estendeu
a possibilidade de os brasileiros que estejam no exterior também possam fazer a
separação ou o divórcio extrajudicial e, como lá, não existem cartórios
brasileiros, isso há de ser feito no Consulado.

A Lei n.° 12.874/2013 tem vacatio legis de 120 dias e, portanto, somente
entra em vigor no dia 27/02/2014.

Márcio André Lopes Cavalcante

Artigo Original em Dizer o Direito

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