Comentários à Lei 13.546/2017, que altera os crimes de trânsito


Olá amigos do Dizer o Direito,

Foi publicada no dia de ontem (20/12), a Lei nº 13.546/2017,
que altera o Código de Trânsito Brasileiro.

Vamos entender o que mudou.

1. ALTERAÇÃO NOS
CRITÉRIOS DE ANÁLISE DA DOSIMETRIA DA PENA

Aspectos criminais do CTB

O
trânsito de qualquer natureza nas vias terrestres do território nacional,
abertas à circulação, rege-se pelo Código de Trânsito Brasileiro (CTB), que é a
Lei n.°
9.503/97.

O
CTB prevê, dentre outras disposições, infrações de natureza administrativa (infrações de trânsito) e infrações de
natureza penal (crimes de trânsito).

Crimes de trânsito

Os crimes de trânsito estão previstos nos arts. 302 a 312 do
CTB e são os seguintes:

• Homicídio culposo na direção de veículo automotor (art.
302);

• Lesão corporal culposa na direção de veículo automotor
(art. 303);

• Deixar o condutor do veículo, na ocasião do acidente, de
prestar imediato socorro à vítima, ou, não podendo fazê-lo diretamente, por
justa causa, deixar de solicitar auxílio da autoridade pública (art. 304);

• Afastar-se o condutor do veículo do local do acidente,
para fugir à responsabilidade penal ou civil que lhe possa ser atribuída (art.
305);

• Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora
alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que
determine dependência (art. 306);

• Violar a suspensão ou a proibição de se obter a permissão
ou a habilitação para dirigir veículo automotor (art. 307);

• Participar, na direção de veículo automotor, em via
pública, de corrida, disputa ou competição automobilística não autorizada pela
autoridade competente, gerando situação de risco à incolumidade pública ou
privada (art. 308);

• Dirigir veículo automotor, em via pública, sem a devida
Permissão para Dirigir ou Habilitação ou, ainda, se cassado o direito de
dirigir, gerando perigo de dano (art. 309);

• Permitir, confiar ou entregar a direção de veículo
automotor a pessoa não habilitada, com habilitação cassada ou com o direito de
dirigir suspenso, ou, ainda, a quem, por seu estado de saúde, física ou mental,
ou por embriaguez, não esteja em condições de conduzi-lo com segurança (art.
310);

• Trafegar em velocidade incompatível com a segurança nas
proximidades de escolas, hospitais, estações de embarque e desembarque de
passageiros, logradouros estreitos, ou onde haja grande movimentação ou
concentração de pessoas, gerando perigo de dano (art. 311);

• Inovar artificiosamente, em caso de acidente
automobilístico com vítima, na pendência do respectivo procedimento policial
preparatório, inquérito policial ou processo penal, o estado de lugar, de coisa
ou de pessoa, a fim de induzir a erro o agente policial, o perito, ou juiz
(art. 312).

Aplicação das normas gerais do CP naquilo que não for incompatível com
o CTB

Dessa forma, o Código de Trânsito prevê uma série de condutas
punidas como crimes na direção de veículos automotores.

Ocorre que o CTB não traz regras detalhadas sobre conduta,
ilicitude, culpabilidade, punibilidade, prescrição e outros institutos da teoria
geral do Direito Penal. Em razão disso, o CTB determina que devem ser aplicadas
as normas gerais do Código Penal naquilo que não for incompatível. É o que
prevê o caput do art. 291:

Art. 291. Aos crimes cometidos na
direção de veículos automotores, previstos neste Código, aplicam-se as normas
gerais do Código Penal e do Código de Processo Penal, se este Capítulo não
dispuser de modo diverso, bem como a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995,
no que couber.

Dosimetria da pena

O CTB não traz regras detalhadas sobre a dosimetria da pena.
Em virtude disso, devem ser aplicadas as normas do Código Penal sobre o tema.

O
CP prevê que a dosimetria da pena na sentença obedece a um critério trifásico:


passo: o juiz calcula a pena-base de acordo com as circunstâncias judiciais do
art. 59, CP;


passo: o juiz aplica as agravantes e atenuantes;


passo: o juiz aplica as causas de aumento e de diminuição.

Primeira
fase (circunstâncias judiciais)

Na
primeira fase, o juiz fixará a pena-base com fundamento nas chamadas “circunstâncias
judiciais” previstas no art. 59 do CP e que são as seguintes:

a)
culpabilidade;

b)
antecedentes;

c)
conduta social;

d)
personalidade do agente;

e)
motivos do crime;

f)
circunstâncias do crime;

g)
consequências do crime;

h)
comportamento da vítima.

O
que fez a Lei nº 13.546/2017?

Acrescentou o § 4º ao art. 291 do CTB dizendo que, em caso
de crimes de trânsito, o juiz, ao fixar a pena-base, deverá dar maior
relevância para três circunstâncias judiciais:

• a culpabilidade do agente;

• as circunstâncias do crime;

• as consequências do crime.

Veja a redação do dispositivo inserido:

§ 4º O juiz fixará a pena-base segundo
as diretrizes previstas no art. 59 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de
1940 (Código Penal), dando especial atenção à culpabilidade do agente e às
circunstâncias e consequências do crime.

Culpabilidade:
consiste na reprovação social que o crime e o autor do fato merecem. Essa
culpabilidade de que trata o art. 59 do CP não tem nada a ver com a culpabilidade
como requisito do crime (imputabilidade, potencial consciência da ilicitude do
fato e inexigibilidade de conduta diversa).

Circunstâncias
do crime
:
“são elementos acidentais que não participam da estrutura própria de cada tipo,
mas que, embora estranhas à configuração típica, influem sobre a quantidade
punitiva para efeito de agravá-la ou abrandá-la. […] Entre tais
circunstâncias, podem ser incluídos o lugar do crime, o tempo de sua duração, o
relacionamento existente entre o autor e a vítima, a atitude assumida pelo
delinquente no decorrer da realização do fato criminoso etc.” (SILVA FRANCO,
Alberto. Código Penal e sua interpretação
jurisprudencial — Parte Geral
. v. I, t. I, São Paulo : RT, 1997, p. 900).

Consequências
do crime
:
“é o mal causado pelo crime, que transcende ao resultado típico. É lógico que
num homicídio, por exemplo, a consequência natural é a morte de alguém e, em
decorrência disso, uma pessoa pode ficar viúva ou órfã. Diferentemente, um
indivíduo que assassina a esposa na frente dos filhos menores, causando-lhes um
trauma sem precedentes, precisa ser mais severamente apenado, pois trata-se de
uma consequência não natural do delito.” (NUCCI,
Guilherme de Souza. Código Penal
Comentado
. São Paulo : RT, 2003,
p. 265-266).

Vale
ressaltar que nos crimes de trânsito o juiz continuará a examinar todas as
circunstâncias judiciais do art. 59 do CP. O que a nova Lei determina é que a culpabilidade,
as circunstâncias e as consequências do crime agora apresentam caráter
preponderante, ou seja, terão uma relevância maior no momento do cálculo da
pena-base.

Assim,
por exemplo, se, durante a dosimetria da pena em condenação por delito de
trânsito, o juiz constatar que a culpabilidade, as circunstâncias e as
consequências do crime são negativas, a pena deverá ficar próxima ao máximo,
mesmo que as demais circunstâncias sejam favoráveis ou neutras.

2. ALTERAÇÃO NO CRIME
DE HOMICÍDIO CULPOSO NO TRÂNSITO (ART. 302)

O crime de homicídio culposo no trânsito é previsto no art.
302 do CTB.

A Lei nº 13.546/2017 acrescenta o § 3º ao art. 302, com a
seguinte redação:

Art. 302.  (…)

§ 3º Se o agente conduz veículo
automotor sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa
que determine dependência: 

Penas – reclusão, de cinco a oito
anos, e suspensão ou proibição do direito de se obter a permissão ou a
habilitação para dirigir veículo automotor.

Qualificadora do homicídio culposo no trânsito

Apesar de a redação não ser das melhores, o que a Lei nº
13.546/2017 fez foi inserir uma nova qualificadora relacionada com o crime de
homicídio culposo no trânsito.

Assim, atualmente, temos três figuras relacionadas a este
tipo penal:

1) Homicídio culposo no trânsito simples

Previsto no caput do art. 302 do CTB.

Pena: detenção, de 2 a 4 anos.

É subsidiário, ou seja, somente incidirá se a conduta não se
amoldar no §3º do art. 302.

2) Homicídio culposo no trânsito majorado

Previsto no § 1º do art. 302 do CTB.

Neste § 1º, o legislador previu causas de aumento para o homicídio
culposo no trânsito.

Pena: detenção, de 2 a 4 anos, com uma causa de aumento de
1/3 a 1/2.

3) Homicídio culposo no trânsito qualificado pela embriaguez ou uso de substância
psicoativa

Previsto no § 3º do art. 302 do CTB.

Pena: reclusão, de 5 a 8 anos.

O agente que provocou o homicídio culposo no trânsito
conduzia o veículo automotor sob a influência de álcool ou de qualquer outra
substância psicoativa que determine dependência.

Atenção

Ao contrário do que uma leitura apressada pode dar a
entender, o novo § 3º do art. 302 do CTB não pune o simples fato de o indivíduo
dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa
que determine dependência. A chamada “embriaguez ao volante” continua sendo
punida pelo art. 306 do CTB:

Art. 306. Conduzir veículo automotor
com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de
outra substância psicoativa que determine dependência:

Penas – detenção, de seis meses a três
anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação
para dirigir veículo automotor.

O que o § 3º do art. 302 pune é a conduta de praticar
homicídio culposo sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância
psicoativa que determine dependência.

Não se pode esquecer que o parágrafo de um artigo está vinculado
ao caput do dispositivo. Assim, não se pode fazer uma interpretação literal e
isolada do § 3º sem considerar que ele se refere e está subordinado ao art.
302.

Repetindo:

• Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora
alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que
determine dependência: trata-se de crime formal punido pelo art. 306 do CTB
(pena: detenção, de 6 meses a 3 anos).

• Conduzir veículo automotor sob a influência de álcool ou
de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência e causar
homicídio culposo no trânsito: consiste em crime material, punido pelo art.
302, § 3º do CTB (pena: reclusão, de 5 a 8 anos).

Inexistência de concurso de crimes entre o art. 302 e o art. 306 do CTB

Apenas para que fique claro, se o agente, sob a influência
de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência, causar a
morte de alguém no trânsito, ele não irá responder pelos delitos dos arts. 302
e 306 em concurso de crimes. Ele responderá apenas pelo crime do art. 302, § 3º
do CTB.

3. ALTERAÇÃO NO CRIME
DE LESÃO CORPORAL CULPOSA NO TRÂNSITO (ART. 303)

O art. 303 do CTB trata sobre o crime de lesão corporal
culposa no trânsito.

A Lei nº 13.546/2017 acrescenta uma nova qualificadora no §
2º com a seguinte redação:

Art. 303. (…)

(…)

§ 2º A pena privativa de liberdade é
de reclusão de dois a cinco anos, sem prejuízo das outras penas previstas neste
artigo, se o agente conduz o veículo com capacidade psicomotora alterada em
razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine
dependência, e se do crime resultar lesão corporal de natureza grave ou
gravíssima.

Figuras da lesão corporal culposa no trânsito:

1) Lesão corporal culposa no trânsito simples

Prevista no caput do art. 303 do CTB.

Pena: detenção, de 6 meses a 2 anos.

É subsidiário, ou seja, somente incidirá se a conduta não se
amoldar no §2º do art. 303.

2) Lesão corporal culposa no trânsito majorada

Previsto no § 1º do art. 303 do CTB.

Neste § 1º, o legislador previu causas de aumento para a
lesão corporal culposa no trânsito.

Pena: detenção, de 6 meses a 2 anos, com uma causa de
aumento de 1/3 a 1/2.

3) Lesão corporal culposa no trânsito qualificada

Prevista no § 2º do art. 303 do CTB.

Pena: reclusão, de 2 a 5 anos.

São exigidos três requisitos:

1) deve ter havido lesão corporal culposa cometida pelo
agente na direção de veículo automotor;

2) o agente conduzia o veículo com capacidade psicomotora
alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que
determine dependência; e

3) a lesão corporal provocada na vítima foi de natureza
grave ou gravíssima.

As hipóteses de lesão corporal grave estão previstas no § 1º
do art. 129.

Se a lesão corporal resulta:

I – Incapacidade para as ocupações habituais, por mais de
trinta dias;

II – perigo de vida;

III – debilidade permanente de membro, sentido ou função;

IV – aceleração de parto.

Os casos de lesão corporal gravíssima estão elencados no § 2º
do art. 129.

Se a lesão corporal resulta:

I – Incapacidade permanente para o trabalho;

II – enfermidade incuravel;

III – perda ou inutilização do membro, sentido ou função;

IV – deformidade permanente;

V – aborto.

Inexistência de concurso de crimes entre o art. 303 e o art. 306 do CTB

Apenas para que fique claro, se o agente, sob a influência
de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência, causar lesão
corporal grave ou gravíssima a alguém no trânsito, ele não irá responder pelos delitos dos arts. 303
e 306 em concurso de crimes. Ele responderá apenas pelo crime do art. 303, § 2º
do CTB.

4. ALTERAÇÃO NO CRIME
DE PARTICIPAR DE CORRIDA EM VIA PÚBLICA (ART. 308)

O art. 308 do CTB tipifica o crime de participar de corrida
em via pública, sem autorização da autoridade competente. Trata-se da conduta
mais conhecida popularmente como “racha” ou “pega”.

A Lei nº 13.546/2017 alterou o caput do art. 308. Compare:

Antes

Agora

Art. 308. Participar, na
direção de veículo automotor, em via pública, de corrida, disputa ou
competição automobilística não autorizada pela autoridade competente, gerando
situação de risco à incolumidade pública ou privada:

Art. 308. Participar, na
direção de veículo automotor, em via pública, de corrida, disputa ou
competição automobilística ou ainda de
exibição ou demonstração de perícia em manobra de veículo automotor
,
não autorizada pela autoridade competente, gerando situação de risco à incolumidade
pública ou privada:

Dessa forma, a Lei nº 13.546/2017 acrescentou a seguinte
expressão: “ou ainda de exibição ou demonstração de perícia em manobra de
veículo automotor”.

O objetivo da alteração foi o de punir o motorista que,
mesmo sem disputar com ninguém, faz manobras arriscadas no carro a fim de exibir
ou demonstrar perícia no veículo. Ex: dar cavalo-de-pau com o veículo.

Vale ressaltar que essa conduta já era punida como infração
administrativa no art. 174 do CTB e agora foi também tipificada como crime.

VIGÊNCIA

A Lei nº 13.546/2017 entrará em vigor no dia 19 de abril de
2018.

Márcio André Lopes Cavalcante

Professor

Artigo Original em Dizer o Direito

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