Contratação de advogado sem licitação e crime do art. 89 da Lei 8.666/93 (art. 337-E do CP)


 

Crimes em licitações e
contratos administrativos

A antiga Lei de Licitações (Lei
nº 8.666/93) previa alguns tipos penais.

A Lei nº 14.133/2021 (nova Lei de
Licitações) revogou a Lei nº 8.666/93.

O que aconteceu com os crimes que
eram previstos na antiga Lei de Licitações?

Foram inseridos no Código Penal
nos arts. 337-E e 337-O. Além disso, a nova Lei ainda acrescentou o art. 337-P
tratando sobre a pena de multa.

 

Crime de contratação direta
ilegal

O art. 89 da Lei nº 8.666/93 tipificava
como crime a dispensa ou inexigibilidade indevida de licitação.

O art. 89 foi revogado pela Lei nº 14.133/2021, mas essa
mesma conduta continuou sendo punida agora pelo art. 337-E do Código Penal.
Houve, portanto, continuidade normativo-típica (e não abolitio criminis).
Compare os dois tipos:

Art. 89 da Lei
nº 8.666/93

Art. 337-E do CP (incluído pela
Lei 14.133/2021

Art. 89. Dispensar ou inexigir
licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as
formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade:

Pena — detenção, de 3 (três) a
5 (cinco) anos, e multa.

Parágrafo único. Na mesma pena
incorre aquele que, tendo comprovadamente concorrido para a consumação da
ilegalidade, beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal, para
celebrar contrato com o Poder Público.

Contratação direta ilegal

Art. 337-E. Admitir,
possibilitar ou dar causa à contratação direta fora das hipóteses previstas
em lei:

Pena – reclusão, de 4 (quatro)
a 8 (oito) anos, e multa.

 

Vamos entender um pouco melhor esse
crime.

 

Regra: obrigatoriedade de licitação

Como regra, a CF/88 impõe que a
Administração Pública somente pode contratar obras, serviços, compras e
alienações se realizar uma licitação prévia para escolher o contratante (art.
37, XXI).

 

Exceção: contratação direta
nos casos especificados na legislação

O inciso XXI afirma que a lei poderá
especificar casos em que os contratos administrativos poderão ser celebrados
sem esta prévia licitação. A isso, a doutrina denomina “contratação direta”.

 

Resumindo:

A regra na Administração Pública é a
contratação precedida de licitação. Contudo, a legislação poderá prever casos
excepcionais em que será possível a contratação direta sem licitação.

 

Contratação
direta

A Lei de Licitações e Contratos prevê três grupos de
situações em que a contratação ocorrerá sem licitação prévia. Trata-se das
chamadas licitações dispensadas, dispensáveis e inexigíveis. Vejamos o quadro
comparativo abaixo:

Dispensada

Dispensável

Inexigível

Art. 76
da Lei 14.133/2021

(Art.
17 da Lei 8.666/93)

Art. 75
da Lei 14.133/2021

(Art.
24 da Lei 8.666/93)

Art. 74
da Lei 14.133/2021

(Art.
25 da Lei 8.666/93)

Rol taxativo

Rol taxativo

Rol exemplificativo

A lei determina a não realização da licitação, obrigando a contratação
direta.

A lei autoriza a não realização da licitação. Mesmo sendo dispensável,
a Administração pode decidir realizar a licitação (discricionariedade).

Como a licitação é uma disputa, é
indispensável que haja pluralidade de objetos e pluralidade de ofertantes
para que ela possa ocorrer. Assim, a lei prevê alguns casos em que a
inexigibilidade se verifica porque há impossibilidade jurídica de competição.

Ex.: quando a Administração Pública
possui uma dívida com o particular e, em vez de pagá-la em espécie, transfere
a ele um bem público desafetado, como forma de quitação do débito. A isso
chamamos de dação em pagamento (art. 76, I, “a”).

Ex.: contratação que envolva valores
inferiores a R$ 50 mil, no caso de outros serviços e compras.

Ex.: contratação de artista
consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública para fazer o show do aniversário da cidade.

 

Procedimento de justificação

Mesmo nas hipóteses em que a legislação
permite a contratação direta, é necessário que o administrador público observe
algumas formalidades e instaure um processo administrativo de justificação.

 

Tipo objetivo do crime

O crime do art. 89 da Lei nº 8.666/93 (art.
337-E do C) ocorre se o administrador público…

• dispensar a licitação fora das
hipóteses previstas em lei;

• inexigir (deixar de exigir)
licitação fora das hipóteses previstas em lei; ou

• deixar de observar as
formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade.

 

O art. 337-E simplificou a
redação e afirmou que haverá o crime quando o agente admitir, possibilitar ou
dar causa à contratação direta fora das hipóteses previstas em lei.

 

Norma penal em branco

Como as hipóteses de contratação direta
estão previstas na Lei nº 14.133/2021, o tipo penal do art. 337-E do CP (antigo
art. 89 da Lei nº 8.666/93) é taxado como:

• norma penal em branco (porque depende
de complemento normativo);

• imprópria, em sentido amplo ou
homogênea (o complemento normativo emana do legislador);

• do subtipo homovitelínea ou homológa
(o complemento emana da mesma instância legislativa).

 

Tipo subjetivo

Para a configuração da tipicidade
subjetiva do crime previsto no art. 89 da Lei nº 8.666/93 (atual art. 337-E do
CP), exige-se o especial fim de agir, consistente na intenção específica de
lesar o erário ou obter vantagem indevida. Esse entendimento é pacífico na
jurisprudência do STF e STJ:

Para a caracterização da conduta
tipificada no art. 89 da Lei 8.666/1993, é indispensável a demonstração, já na
fase de recebimento da denúncia, do elemento subjetivo consistente na intenção
de causar dano ao erário ou obter vantagem indevida.

STF. 2ª Turma. Inq 3965, Rel. Min.
Teori Zavascki, julgado em 22/11/2016.

 

O delito em questão exige, além
do dolo genérico (representado pela vontade consciente de dispensar ou inexigir
licitação com descumprimento das formalidades), a presença do especial fim de
agir, que consiste no dolo específico de causar dano ao erário ou de gerar o
enriquecimento ilícito dos agentes envolvidos na empreitada criminosa.

 

• Dolo genérico: vontade de
dispensar ou inexigir licitação com descumprimento das formalidades;

• Especial fim de agir (“dolo
específico”): intenção de causar dano ao erário ou de gerar o enriquecimento
ilícito dos agentes envolvidos na empreitada criminosa.

 

Assim, só ocorrerá esse crime se
houver o dolo genérico mais o especial fim de agir.

 

Para a configuração do crime previsto no art. 89 da
Lei nº 8.666/93, agora disposto no art. 337-E do CP (Lei nº 14.133/2021), é
indispensável a comprovação do dolo específico de causar danos ao erário e o
efetivo prejuízo aos cofres públicos.

STJ. 5ª
Turma. AgRg no HC 669.347-SP, Rel. Min. Jesuíno Rissato (Desembargador
Convocado do TJDFT), Rel. Acd. Min. João Otávio de Noronha, julgado em
13/12/2021 (Info 723).

 

Veja abaixo alguns entendimentos
que o STF e o STJ tinham a respeito do art. 89 da Lei nº 8.666/93. Penso que é
provável que sejam mantidos na vigência do art. 337-E do CP:

• Para a configuração da
tipicidade subjetiva do crime previsto no art. 89 da Lei 8.666/93, exige-se o
especial fim de agir, consistente na intenção específica de lesar o erário ou
obter vantagem indevida (STF. 1ª Turma. Inq 3962/DF, Rel. Min Rosa Weber, julgado
em 20/2/2018. Info 891).

• O tipo penal previsto no art.
89 não criminaliza o mero fato de o administrador público ter descumprido
formalidades. Para que haja o crime, é necessário que, além do descumprimento
das formalidades, também se verifique que ocorreu, no caso concreto, a violação
de princípios cardeais (fundamentais) da Administração Pública. Se houve apenas
irregularidades pontuais relacionadas com a burocracia estatal, isso não deve,
por si só, gerar a criminalização da conduta (STF. 1ª Turma. Inq 3962/DF, Rel.
Min Rosa Weber, julgado em 20/2/2018. Info 891).

• Não haverá crime se a decisão
do administrador de deixar de instaurar licitação para a contratação de
determinado serviço foi amparada por argumentos previstos em pareceres
(técnicos e jurídicos) que atenderam aos requisitos legais, fornecendo
justificativas plausíveis sobre a escolha do executante e do preço cobrado e
não houver indícios de conluio entre o gestor e os pareceristas com o objetivo
de fraudar o procedimento de contratação direta (STF. 1ª Turma. Inq 3962/DF,
Rel. Min Rosa Weber, julgado em 20/2/2018. Info 891).

• Deverão ser analisados três
critérios para se verificar se o ilícito administrativo configurou também o
crime do art. 89: 1º) existência ou não de parecer jurídico autorizando a
dispensa ou a inexigibilidade. A existência de parecer jurídico é um indicativo
da ausência de dolo do agente, salvo se houver circunstâncias que demonstrem o
contrário; 2º) a denúncia deverá indicar a existência de especial finalidade do
agente de lesar o erário ou de promover enriquecimento ilícito; 3º) a denúncia
deverá descrever o vínculo subjetivo entre os agentes (STF. 1ª Turma. Inq
3674/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 7/3/2017. Info 856).

• Não comete o crime do art. 89
da Lei nº 8.666/93 Secretária de Educação que faz contratação direta, com base
em inexigibilidade de licitação (art. 25, I), de livros didáticos para a rede
pública de ensino, livros esses que foram escolhidos por equipe técnica formada
por pedagogos, sem a sua interferência. Vale ressaltar que havia comprovação,
por meio de carta de exclusividade emitida por entidade do setor, de que a
empresa contratada era a única fornecedora dos livros na região (STF. Plenário.
AP 946/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 30/8/2018. Info 913).

 

CASO CONCRETO JULGADO PELO STJ

Imagine a seguinte situação adaptada:

José, na qualidade de Prefeito, autorizou a contratação
direta de um grande escritório de advocacia, afirmando que seria caso de
inexigibilidade de licitação com fundamento no art. art. 25, II, da Lei nº
8.666/93:

Art. 25.  É inexigível a licitação quando houver
inviabilidade de competição, em especial:

(…)

II – para a contratação de serviços
técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza singular, com
profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade
para serviços de publicidade e divulgação;

 

Art. 13.  Para os fins desta Lei, consideram-se
serviços técnicos profissionais especializados os trabalhos relativos a:

(…)

V – patrocínio ou defesa de causas
judiciais ou administrativas;

 

O Ministério Público entendeu que
não era caso de contratação direta e ofereceu denúncia contra José, tendo ele
sido condenado pelo TJ/SP a 4 anos e 8 meses de detenção, pela prática do crime
previsto no art. 89 da Lei nº 8.666/93.

O argumento do TJ/SP para
condenar o prefeito foi o de que o escritório de advocacia contratado possui
notória especialização profissional. No entanto, o serviço para o que foi
contratado (acompanhamento de processos “comuns”) não tem nada de singular. Não
se cumpriu, portanto, a exigência de só contratar sem licitação o advogado que
presta um serviço de natureza singular.

A defesa impetrou habeas corpus
no STJ.

 

A condenação foi mantida
pelo STJ?

NÃO. O réu foi absolvido.

Vamos entender com calma.

O art. 25 da
Lei nº 8.666/93 trata sobre inexigibilidade de licitação nos seguintes termos.
Vou destacar aqui somente a hipótese do inciso II:

Art. 25. É inexigível a licitação
quando houver inviabilidade de competição, em especial:

(…)

II – para a contratação de serviços técnicos enumerados no
art. 13 desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a
inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação;

(…)

 

Esses
serviços estão no art. 13 da Lei nº 8.666/93, com especial atenção para o
inciso V:

Art. 13. Para os fins desta Lei,
consideram-se serviços
técnicos profissionais especializados
os trabalhos relativos a:

(…)

V – patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas;

 

Resumindo o que esses
dispositivos acima transcritos queriam dizer:

Os serviços técnicos profissionais especializados, quando
tiverem natureza singular
, poderão ser contratados pela Administração
Pública mesmo sem licitação, desde que o contratado tenha notória
especialização.

 

Quais eram os requisitos para que
um advogado fosse contratado com inexigibilidade de licitação?

Para que houvesse a contratação
direta por inexigibilidade era necessário o preenchimento de três requisitos
cumulativos:

“a) serviço técnico: são
aqueles enumerados, exemplificativamente, no art. 13 da Lei 8.666/1993, tais
como: estudos, planejamentos, pareceres, perícias, patrocínio de causas etc.;

b) serviço singular: a
singularidade do serviço depende da demonstração da excepcionalidade da
necessidade a ser satisfeita e da impossibilidade de sua execução por parte de
um profissional comum; e

c) notória especialização do
contratado
: destaque e reconhecimento do mercado em sua área de atuação, o
que pode ser demonstrado por várias maneiras (estudos, experiências,
publicações, organização, aparelhamento etc.).” (OLIVEIRA, Rafael Carvalho
Rezende. Curso de Direito Administrativo. 5ª ed., São Paulo: GEN/Método,
2017, p. 554-555)

 

Nesse sentido, era o entendimento
consolidado do Tribunal de Contas da União:

Súmula 252-TCU: A inviabilidade de
competição para a contratação de serviços técnicos, a que alude o inciso II do
art. 25 da Lei nº 8.666/1993, decorre da presença simultânea de três
requisitos: serviço técnico especializado, entre os mencionados no art. 13 da
referida lei, natureza
singular do serviço
e notória especialização do contratado.

 

O STF apontava alguns requisitos,
dentre eles a natureza singular do serviço:

A contratação direta de escritório de
advocacia, sem licitação, deve observar os seguintes parâmetros: a) existência
de procedimento administrativo formal;

b) notória especialização profissional;

c) natureza singular do serviço;

d) demonstração da inadequação da
prestação do serviço pelos integrantes do Poder Público;

e) cobrança de preço compatível com o
praticado pelo mercado.

STF. 1ª Turma. Inq 3074, Rel. Min.
Roberto Barroso, julgado em 26/8/2014.

 

O STJ também exigia a natureza
singular do serviço:

Jurisprudência em Teses (Ed. 97):

Tese 7: A contratação de advogados pela
administração pública, mediante procedimento de inexigibilidade de licitação,
deve ser devidamente justificada com a demonstração de que os serviços possuem natureza singular e
com a indicação dos motivos pelos quais se entende que o profissional detém
notória especialização.

 

(…) V – A inexigibilidade de
licitação prevista no art. 25, II, da Lei n. 8.666/93 não se contenta com a
natureza técnica do serviço contratado. Exige a conjugação da natureza técnica
(art. 13) com a natureza singular e a notória especialização dos profissionais
ou empresas (art. 25, II). Assim, deve prevalecer o entendimento exposto no
decisum recorrido, e não aquele que pretende, ao arrepio da lei, generalizar a
inexigibilidade de licitação para todas as contratações de serviços
advocatícios. (…)

STJ. 2ª Turma. AREsp 1543113/SP, Rel. Min.
Francisco Falcão, julgado em 10/03/2020.

 

O que fez a Lei nº
14.039/2020 (que veio antes da nova Lei de Licitações)?

A Lei nº 14.039/2020 inseriu dispositivos no Estatuto da OAB
(Lei nº 8.906/94) e na Lei dos Contadores (DL 9.295/46) afirmando,
expressamente, que os serviços prestados pelos advogados e profissionais de
contabilidade são, por sua natureza, técnicos e singulares, quando comprovada
sua notória especialização, nos termos da lei. Veja apenas a alteração relativa
aos advogados:

Lei nº 8.906/94 (Estatuto da OAB):

Art. 3º-A. Os serviços profissionais de advogado são,
por sua natureza, técnicos e singulares, quando comprovada sua notória especialização, nos
termos da lei.

Parágrafo único. Considera-se notória
especialização o profissional ou a sociedade de advogados cujo conceito no
campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos,
experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica ou de
outros requisitos relacionados com suas atividades, permita inferir que o seu
trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do
objeto do contrato.

 

Qual foi o real objetivo da
Lei nº 14.039/2020?

A Lei nº 14.039/2020, de forma
sutil, tentou abolir, na prática, um dos requisitos exigidos pela Lei nº
8.666/93 e pela jurisprudência: a natureza singular do serviço.

A redação da Lei nº 14.039/2020,
propositalmente, embaralhou os conceitos ao afirmar que os serviços prestados
por advogados e por profissionais de contabilidade “são, por sua natureza,
técnicos e singulares, quando comprovada sua notória especialização”.

Em outras palavras, em uma
interpretação literal, o que dispositivo afirma é que o serviço desempenhado
pelo profissional deve ser considerado técnico e singular quando for comprovada
a sua notória especialização.

 

Lei nº 14.133/2021

A nova Lei de Licitações (Lei nº
14.133/2021) avançou ainda mais e simplesmente aboliu a exigência de que o
serviço advocatício tenha natureza singular para que possa haver a
inexigibilidade de licitação.

Assim, o art. 74, III, da Lei nº 14.133/2021 não mais prevê
o requisito da singularidade do serviço advocatícios. Compare:

Requisitos para
a inexigibilidade de
licitação no caso de serviços advocatícios

Lei 8.666/93

Lei 14.133/2021

Exigia que o serviço do
advogado fosse de natureza singular.

Não mais exige que o serviço
tenha natureza singular para que haja a inexigibilidade.

Art. 25.  É inexigível a licitação quando houver
inviabilidade de competição, em especial:

(…)

II – para a contratação de
serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou
empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de
publicidade e divulgação;

 

 

Art. 13.  Para os fins desta Lei, consideram-se
serviços técnicos profissionais especializados os trabalhos relativos a:

(…)

V – patrocínio ou defesa de
causas judiciais ou administrativas;

Art. 74. É inexigível a
licitação quando inviável a competição, em especial nos casos de:

(…)

III – contratação dos seguintes
serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual com profissionais ou
empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de
publicidade e divulgação:

a) estudos técnicos,
planejamentos, projetos básicos ou projetos executivos;

b) pareceres, perícias e
avaliações em geral;

c) assessorias ou consultorias
técnicas e auditorias financeiras ou tributárias;

d) fiscalização, supervisão ou
gerenciamento de obras ou serviços;

e) patrocínio ou defesa de
causas judiciais ou administrativas;

 

Voltando ao caso concreto:

O prefeito/réu havia sido
condenado porque o TJ/SP considerou que o escritório de advocacia não foi
contratado para um serviço de natureza singular. Ele foi contratado para um
serviço comum (que poderia ser praticado por qualquer advogado).

No entanto, com o advento da Lei nº
14.133/2021, nos termos do art. 74, III, o requisito da singularidade do
serviço advocatício deixou de ser previsto em lei, passando a ser exigida a
demonstração da notória especialização e a natureza intelectual do trabalho.
Essa interpretação, aliás, é reforçada pela inclusão do art. 3º-A do Estatuto
da Advocacia pela Lei nº 14.039/2020, segundo o qual “os serviços profissionais
de advogado são, por sua natureza, técnicos e singulares, quando comprovada sua
notória especialização, nos termos da lei”.

Desse modo, considerando que o
serviço de advocacia é por natureza intelectual e singular, uma vez demonstrada
a notória especialização e a necessidade do ente público, será possível a
contratação direta.

Ademais, conforme julgado do
Superior Tribunal de Justiça, a mera existência de corpo jurídico no âmbito da
municipalidade, por si só, não inviabiliza a contratação de advogado externo
para a prestação de serviço específico para o ente público (REsp n.
1.626.693/SP, Rel. Acd. Min. Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe 03/05/2017). Em
idêntico norte, o entendimento firmado pelo STF de que “o fato de a entidade
pública contar com quadro próprio de procuradores não obsta legalmente a
contratação de advogado particular para a prestação de serviço específico. É
necessário, contudo, que fique configurada a impossibilidade ou relevante
inconveniência de que a atribuição seja exercida pela advocacia pública, dada a
especificidade e relevância da matéria ou a deficiência da estrutura estatal”
(Inq n. 3.074/SC, Rel. Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, DJe 02/10/2014).

Nesse contexto, ainda que as
ações ajuizadas pelo escritório de advocacia contratado tratassem de temas
tributários, não seria razoável exigir dos advogados públicos ou procuradorias
de municípios de pequeno porte que tenham competências específicas para atuar
em demandas complexas.

Ressalte-se, que o crime em
apreço se refere a norma penal em branco, cuja completude depende da integração
das normas que preveem as hipóteses de dispensa e inexigibilidade de
licitações, conforme o princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica,
insculpido no art. 5º, XL, da Constituição Federal e no art. 2º do CP. Assim,
não há dúvida quanto à incidência das alterações promovidas pela Lei nº
14.133/2021 no tocante à supressão do pressuposto de singularidade do serviço
de advocacia para contratação direta.

 

Em suma:

A consumação do crime descrito no art. 89 da Lei nº
8.666/93, agora disposto no art. 337-E do CP (Lei nº 14.133/2021), exige a
demonstração do dolo específico de causar dano ao erário, bem como efetivo
prejuízo aos cofres públicos.

O crime previsto no art. 89 da Lei nº 8.666/93 é
norma penal em branco, cujo preceito primário depende da complementação e
integração das normas que dispõem sobre hipóteses de dispensa e inexigibilidade
de licitações, agora previstas na nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021).

Dado o princípio da tipicidade estrita, se o objeto a
ser contratado estiver entre as hipóteses de dispensa ou de inexigibilidade de
licitação, não há falar em crime, por atipicidade da conduta.

Conforme disposto no art. 74, III, da Lei n.
14.133/2021 e no art. 3º-A do Estatuto da Advocacia, o requisito da
singularidade do serviço advocatício foi suprimido pelo legislador, devendo ser
demonstrada a notória especialização do agente contratado e  a natureza intelectual do trabalho a ser
prestado.

A mera existência de corpo jurídico próprio, por si
só, não inviabiliza a contratação de advogado externo para a prestação de
serviço específico para o ente público.

Se estão ausentes o dolo específico e o efetivo
prejuízo aos cofres públicos, impõe-se a absolvição do réu da prática prevista
no art. 89 da Lei nº 8.666/93.

STJ. 5ª
Turma. AgRg no HC 669.347-SP, Rel. Min. Jesuíno Rissato (Desembargador
Convocado do TJDFT), Rel. Acd. Min. João Otávio de Noronha, julgado em
13/12/2021 (Info 723).

Artigo Original em Dizer o Direito

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