Situação 1. Imagine a
seguinte situação hipotética:

João foi condenado pela prática
de tráfico de drogas (art. 33 da Lei nº 11.343/2006) por ter sido flagrado
transportando cerca de 5kg de cocaína.

Na primeira fase da dosimetria da
pena (circunstâncias judiciais do art. 59 do CP), o juiz aumentou a pena,
alegando que as circunstâncias do crime eram desfavoráveis, já que o réu foi
preso transportando uma grande quantidade de droga que, pela sua natureza
(cocaína), apresenta alto grau de periculosidade.

 

O juiz poderia ter feito
isso?

SIM. A natureza e quantidade da droga são fatores
preponderantes no momento da dosimetria da pena, conforme previsto no art. 42
da Lei nº 11.343/2006:

Art. 42. O juiz, na fixação das penas,
considerará, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a
natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a
conduta social do agente.

 

Privilégio do art. 33, § 4º

A defesa havia pedido que fosse reconhecido o privilégio do
§ 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006:

Art. 33 (…)

§ 4º Nos delitos definidos no caput e
no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços,
vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja
primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem
integre organização criminosa.

 

O juiz concedeu o benefício. No
entanto, ao calcular o percentual de redução da pena, fixou a redução em 1/6
(menor percentual) sob o argumento de que a natureza e a quantidade da droga
pesavam contra ele.

 

Agiu corretamente o juiz
neste caso concreto? O juiz, ao aplicar o benefício do § 4º do art. 33 pode
reduzir a pena no mínimo previsto (1/6) utilizando como argumento o fato de que
o réu foi preso com uma grande quantidade de droga mesmo já tendo utilizado
essa mesma alegação para aumentar a pena base?

NÃO. Em nosso exemplo, a
“quantidade de droga” já havia sido utilizada pelo juiz para agravar a pena na
primeira fase da dosimetria da pena. Assim, se essa circunstância for novamente
considerada agora na terceira fase (fixação do percentual de diminuição do § 4º
do art. 33 da LD) haverá aí um bis in idem, ou seja, uma dupla punição
por conta de um mesmo fato (quantidade da droga).

Dessa forma, a natureza e a
quantidade da droga não podem ser utilizadas para aumentar a pena no art. 42
(primeira fase da dosimetria) e também para escolher a fração de diminuição do
§ 4º do art. 33 da LD (terceira fase da dosimetria).

O juiz deverá escolher: ou
utiliza essa circunstância para aumentar a pena base ou para valorar a causa de
diminuição do traficante privilegiado. Se o mesmo fato for utilizado nas duas
fases, haverá bis in dem.

 

Situação 2. Imagine agora uma
situação diferente:

Pedro foi condenado pela prática
de tráfico de drogas (art. 33 da Lei nº 11.343/2006) por ter sido flagrado
transportando cerca de 5kg de cocaína.

Na primeira fase da dosimetria da
pena (circunstâncias judiciais do art. 59 do CP), o juiz não mencionou nada a
respeito da natureza ou da quantidade da droga. Tais elementos não foram
utilizados.

 

Privilégio do art. 33, § 4º

A defesa havia pedido que fosse
reconhecido o privilégio do § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006.

O juiz concedeu o benefício. No
entanto, ao calcular o percentual de redução da pena, fixou a redução em 1/6
(menor percentual) sob o argumento de que a natureza e a quantidade da droga
pesavam contra o réu.

 

Agiu corretamente o juiz
neste caso concreto? O juiz, ao aplicar o benefício do § 4º do art. 33 pode
reduzir a pena no mínimo previsto (1/6) utilizando como argumento o fato de que
o réu foi preso com uma grande quantidade de droga sendo que ele não utilizou
essa fundamentação para aumentar a pena base?

SIM. Neste segundo exemplo, a
“quantidade de droga” não foi utilizada pelo juiz para agravar a pena na
primeira fase da dosimetria da pena. Assim, não há qualquer óbice para que o
magistrado utilize essa circunstância na terceira fase (fixação do percentual
de diminuição do § 4º do art. 33 da LD).

O juiz escolheu utilizar essa
circunstância para valorar a causa de diminuição do traficante privilegiado. Como
o mesmo fato não foi utilizado nas duas fases, não houve bis in dem.

 

Tema 712

A posição acima explicada foi
fixada pelo STF no Tema 712 de repercussão geral:

As circunstâncias da natureza e da quantidade da droga apreendida
devem ser levadas em consideração apenas em uma das fases do cálculo da pena,
sob pena de bis in idem.

STF. Plenário. ARE 666334 RG, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado
em 03/04/2014 (Repercussão Geral – Tema 712).

 

Houve certa divergência no STJ,
no entanto, desde 27/04/2022, o entendimento acima explicado é o que prevalece
no Tribunal:

É possível a valoração da quantidade e natureza da droga
apreendida, tanto para a fixação da pena-base quanto para a modulação da causa
de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, neste último
caso ainda que sejam os únicos elementos aferidos, desde que não tenham sidos
considerados na primeira fase do cálculo da pena.

STJ. 3ª Seção. HC 725.534-SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado
em 27/04/2022 (Info 734).

 

Qual era o entendimento
anterior do STJ sobre o assunto?

O STJ dizia que a natureza e a
quantidade da droga deveriam ser utilizadas na 1ª fase da dosimetria e, apenas
supletivamente, na 3ª fase:

A natureza e a quantidade da droga devem ser valoradas na
primeira etapa da dosimetria da pena. Isso porque o art. 42 da LD afirma que
esses dois vetores preponderam sobre as circunstâncias judiciais do art. 59 do
CP (que são analisados na primeira fase da dosimetria).

Supletivamente, a natureza e a quantidade da droga podem ser
utilizadas na terceira fase da dosimetria da pena, para afastamento da
diminuição de pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/2016, apenas
quando esse vetor for conjugado com outras circunstâncias do caso concreto que,
unidas, caracterizem a dedicação do agente à atividade criminosa ou a
integração a organização criminosa.

STJ. 5ª Turma. REsp 1.985.297-SP, Rel. Min. João Otávio de
Noronha, julgado em 29/03/2022 (Info 731).

 

 

Artigo Original em Dizer o Direito

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