Imagine a seguinte situação adaptada:

A vítima Regina estava no
interior do seu veículo, quando foi abordada por João que, mediante grave
ameaça com emprego de arma de fogo, determinou-lhe que deixasse a chave do
automóvel e saísse rápido.

Assim que a vítima saiu do carro,
João fugiu do local dirigindo o automóvel.

Algumas horas depois, dois
policiais militares que haviam sido avisados do roubo, avistaram João dirigindo
o veículo subtraído de Regina. Eles ordenaram que o condutor parasse o
automóvel, mas ele não obedeceu a ordem e saiu em fuga.

Uma guarnição da polícia perseguiu
João até que o fugitivo bateu o carro em um poste, tendo sido preso.

 

Se você fosse o Promotor de
Justiça, denunciaria João por quais delitos?

• Roubo majorado pelo emprego de arma de fogo (art. 155, § 2º-A,
I, do Código Penal):

Art. 157. Subtrair coisa móvel alheia,
para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois
de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência:

Pena – reclusão, de quatro a dez anos,
e multa.

(…)

§ 2º-A A pena aumenta-se de 2/3 (dois
terços):

I – se a violência ou ameaça é
exercida com emprego de arma de fogo;

(…)

 

• Desobediência (art. 330 do CP):

Art. 330. Desobedecer a ordem legal de
funcionário público:

Pena – detenção, de quinze dias a seis
meses, e multa.

 

Argumento da defesa

A defesa alegou que o réu não atendeu
à ordem de parada emitida pela autoridade em razão de estar em situação de
flagrante delito.

O delito de desobediência se
configura apenas quando o destinatário da ordem legal tem o dever jurídico de
obedecê-la

No caso concreto, a conduta de
desobedecer à ordem emanada da autoridade pública não configurou crime porque
se deu com o objetivo de preservar a própria liberdade. Logo, foi exercício de autodefesa.

 

O STJ concordou com a tese
da defesa?

NÃO.

A CF/88 estabelece, em seu art. 5º, incisos LV e LXIII:

Art. 5º (…)

LV — aos litigantes, em processo
judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o
contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

LXIII — o preso será informado de seus
direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a
assistência da família e de advogado;

 

Vale ressaltar, contudo, que o direito
ao silêncio e o direito de não produzir prova contra si mesmo não são absolutos.
Logo, tais direitos não podem ser invocados para a prática de outros delitos.

Exemplo disso na jurisprudência:

Súmula 522-STJ: A conduta de atribuir-se falsa identidade
perante autoridade policial é típica, ainda que em situação de alegada
autodefesa.

 

No caso concreto, conforme apontado pelo Ministério Público
Federal em seu parecer que foi acolhido pelo STJ:

“a
possibilidade de prisão por outro delito não é suficiente para afastar a
incidência da norma penal incriminadora, haja vista que a garantia da não
autoincriminação não pode elidir a necessidade de proteção ao bem jurídico
tutelado pelo crime de desobediência. […] O acusado tem direito constitucional
de permanecer calado, de não produzir prova contra si e, inclusive, de mentir
acerca do fato criminoso. Contudo, a pretexto exercer tais prerrogativas, não
pode praticar condutas consideradas penalmente relevantes pelo ordenamento
jurídico, pois tal situação caracteriza abuso do direito, desbordando a
respectiva esfera protetiva”.

 

Assim, o entendimento segundo o
qual o indivíduo, quando no seu exercício de defesa, não teria a obrigação de
se submeter à ordem legal oriunda de funcionário público pode acarretar o
estímulo à impunidade e dificultar, ou até mesmo impedir, o exercício da
atividade policial e, consequentemente, da segurança pública.

 

Em suma:

A desobediência à ordem legal de parada, emanada por
agentes públicos em contexto de policiamento ostensivo, para a prevenção e
repressão de crimes, constitui conduta penalmente típica, prevista no art. 330
do Código Penal Brasileiro.

STJ. 3ª Seção.
REsp 1.859.933-SC, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em 09/03/2022
(Recurso Repetitivo – Tema 1060) (Info 732).

 

DOD Plus –
cuidado para não confundir:

Jurisprudência em Teses (ed.
114):

12) A desobediência a ordem de parada dada pela autoridade de
trânsito ou por seus agentes, ou por policiais ou outros agentes públicos no
exercício de atividades relacionadas ao trânsito, não constitui crime de
desobediência, pois há previsão de sanção administrativa específica no art. 195
do CTB, o qual não estabelece a possibilidade de cumulação de punição penal.

 

Importante fazer aqui a seguinte
distinção:

• o condutor do veículo
desobedece a ordem de parada dada em atividades relacionadas ao TRÂNSITO: não
há crime de desobediência.

• o condutor do veículo
desobedece a ordem de parada dada em contexto de policiamento ostensivo para
prevenção e repressão de crimes, atuando os agentes públicos diretamente na
segurança pública: configura o crime de desobediência (REsp 1.859.933-SC).

Artigo Original em Dizer o Direito

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