Imagine a seguinte situação hipotética:
“A”, mulher de 20 anos, sem
qualquer enfermidade ou deficiência mental, estava em uma festa e acabou
bebendo demais, ficando completamente embriagada.

“L”, sob o pretexto de dar uma
carona para “A”, levou a moça para um motel e com ela praticou conjunção carnal.

Vale ressaltar que “A” estava tão
bêbada que não podia oferecer qualquer tipo de resistência ao ato sexual. A
vítima parecia uma “boneca de pano”.

“A” não ofereceu representação
contra “L”.

O Ministério
Público denunciou o agente por estupro de vulnerável (art. 217-A, § 1º)
alegando que a vítima, em virtude da embriaguez, não podia oferecer
resistência:

Estupro de vulnerável

Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou
praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos:

Pena – reclusão, de 8 (oito) a 15
(quinze) anos.

§ 1º Incorre na mesma pena quem
pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou
deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato,
ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer
resistência
.

No interrogatório, ocorrido mais
de seis meses após a autoria ter sido descoberta, o acusado confessou a prática
do delito.

Em memoriais, o MP pediu a condenação
do réu.

A defesa, por
seu turno, alegou uma única tese: o delito praticado pelo réu é crime de ação
penal pública CONDICIONADA à representação (art. 225 do CP):

Art. 225. Nos crimes definidos nos
Capítulos I e II deste Título, procede-se mediante ação penal pública
condicionada à representação.

Parágrafo único. Procede-se,
entretanto, mediante ação penal pública incondicionada se a vítima é menor de
18 (dezoito) anos ou pessoa vulnerável.

Como não houve representação no
prazo de 6 meses (art. 38 do CPP), ocorreu a decadência, que é causa de
extinção da punibilidade (art. 107, IV, do CP).

Segundo a tese da defesa, o estupro
de vulnerável somente é crime de ação penal pública incondicionada quando a vulnerabilidade
for permanente (ex: doente mental). Se a vulnerabilidade for temporária (ex:
decorrente de embriaguez), a ação penal seria condicionada à representação.
Assim, quando o art. 225, parágrafo único do CP fala em “pessoa vulnerável”,
ele está se referindo à pessoa que é vulnerável (vulnerabilidade permanente) e
não à pessoa que está vulnerável (vulnerabilidade temporária).

A
tese defensiva acima exposta é acolhida pelo STJ?

5ª Turma do STJ: NÃO

6ª Turma do STJ: SIM

Em
casos de vulnerabilidade da ofendida, a ação penal é pública incondicionada,
nos moldes do parágrafo único do art. 225 do CP.

Esse
dispositivo não fez qualquer distinção entre a vulnerabilidade temporária ou
permanente, haja vista que a condição de vulnerável é aferível no momento do
cometimento do crime, ocasião em que há a prática dos atos executórios com
vistas à consumação do delito.

Em
outras palavras, se a vulnerabilidade permanente ou temporária, no caso de estupro
de vulnerável a ação penal é sempre incondicionada.

A
“pessoa vulnerável” de que trata o parágrafo único do art. 225 do CP é
somente aquela que possui uma incapacidade permanente de oferecer resistência
à prática dos atos libidinosos.

Se
a pessoa é incapaz de oferecer resistência apenas na ocasião da ocorrência
dos atos libidinosos, ela não pode ser considerada vulnerável para os fins do
parágrafo único do art. 225, de forma que a ação penal permanece sendo
condicionada à representação da vítima.

STJ.
5ª Turma. HC 389.610/SP, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 08/08/2017.

STJ.
6ª Turma. HC 276.510-RJ, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em
11/11/2014 (Info 553).

Obs: a doutrina amplamente
majoritária defende a posição adotada pela 5ª Turma do STJ, ou seja, pouco
importa a natureza da incapacidade (permanente ou transitória). A
vulnerabilidade deve ser aferida no momento da conduta criminosa. Se a vítima estava
vulnerável no momento do ato, deve-se considerar a ação penal como pública
incondicionada. Nesse sentido: MASSON, Cleber. Direito Penal. São Paulo: Método, 2017, p. 74).

Artigo Original em Dizer o Direito

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