Imobiliária e empreiteira condenadas a indenizar filhos de motorista que morreu durante serviço – CSJT2 – CSJT


 

Na 1ª Vara do Trabalho de Uberlândia, o juiz Henrique Macedo de Oliveira condenou uma incorporadora e sua empreiteira, de forma solidária, a pagarem indenização por danos morais e materiais aos dois filhos menores de um trabalhador autônomo que morreu em acidente de trabalho. Ele tinha sido contratado pela empreiteira para realizar o transporte de materiais na obra e, por uma falha no sistema de trava da caçamba, foi soterrado quando descarregava a terra do seu próprio caminhão.

Para o magistrado, o acidente fatal ocorreu porque as empresas não atentaram para as normas de segurança no trabalho, embora estivessem obrigadas a isso, mesmo em se tratando de trabalhador autônomo. Mas o juiz também concluiu que houve culpa concorrente da vítima, já que o trabalhador foi descuidado ao descarregar o material. Na sentença, após analisar meticulosamente todas as circunstâncias do caso, o juiz fixou a indenização por danos morais em R$112.500,00, para cada um dos herdeiros. Foi também concedida aos herdeiros uma pensão mensal a título de indenização por danos materiais, devida até que eles completem 25 anos de idade, com a determinação de que fosse paga de uma só vez.

Entendendo o caso – A dona da obra era uma incorporadora imobiliária de Uberlândia e contratou a empreiteira para fazer terraplanagem e pavimentação asfáltica nas ruas de um dos seus empreendimentos. A empreiteira, por sua vez, contratou o trabalhador, que era autônomo e dono do próprio caminhão, para realizar o transporte de cargas.

Ao se defender na ação em que os herdeiros pediram reparação pela perda prematura do pai de família, a empreiteira argumentou que o acidente se deu por culpa exclusiva da vítima. Mas não foi esta a conclusão do magistrado.

A dinâmica do acidente – Pela análise do boletim de ocorrência e da prova testemunhal, o juiz constatou que o trabalhador se acidentou em seu segundo dia na obra, sendo encontrado sob a terra que caiu do seu próprio caminhão. Ele havia chegado ao local para descarregar a terra e, tendo em vista a posição em que foi encontrado, caído e soterrado, estando o caminhão parado e com a caçamba levantada, os trabalhadores que estavam presentes afirmaram à autoridade policial que, possivelmente, o trabalhador tentou destravar manualmente a tampa da caçamba e esta cedeu, provocando o derrame abrupto de terra.

Dever de proteção – Como o acidente ocorreu durante a prestação dos serviços e, em razão dele, o trabalhador faleceu, o juiz passou a verificar se houve culpa das empresas no ocorrido. E, ao analisar as provas e circunstâncias do caso, ele não teve dúvidas de que sim.

Conforme consignado na sentença, a tomadora de serviços não está isenta da obrigação de observar as normas de segurança e saúde ocupacional exclusivamente por ter contratado um trabalhador autônomo, como o pai dos reclamantes. “Entretanto é preciso verificar qual o nível de especialidade e de autonomia do trabalhador, para se constatar, assim, os limites da responsabilidade da tomadora”, acrescentou o juiz. E explicou: “Tratando-se de profissional que executa tarefas de elevado nível de independência e especialização, principalmente em razão dos conhecimentos específicos que detém, é natural se esperar que ele tenha condições de zelar pela segurança da sua atividade, já que, diversamente do tomador, possui pleno conhecimento dos riscos da sua atividade e dos cuidados que deve tomar ao executá-la. Nesses casos, ao menos em regra, não se admite cogitar na responsabilidade do contratante.” Entretanto, de acordo com o magistrado, é fácil perceber que o pai dos reclamantes não se enquadra nessa situação.

Na decisão, ele registrou que a empreiteira é empresa do ramo de construção civil e contratou o trabalhador falecido para executar tarefa que nada tem de qualificada, já que inserida objeto social da empresa, consistente na prestação de serviços de terraplanagem, pavimentação, levantamentos topográficos, loteamentos, construções de qualquer natureza e inclusive, “transporte de materiais”. Assim, para o magistrado, “ficou evidente que a tarefa que o falecido desempenhava (transporte de materiais para a obra, em caminhão próprio) não era dotada de um grau de especialidade de forma a não estar abrangida pelo conhecimento de mercado e pela experiência da empreiteira que o contratou”.

E o julgador foi ainda mais longe: “Da descrição das atividades da empreiteira, é possível constatar que o trabalhador falecido, na verdade, foi contratado para executar atividade-fim da empresa (antes do advento da Lei nº 13.429/2017, que fique claro) e por prazo indeterminado, circunstâncias que certamente afastam a realidade do trabalhador daquela vivenciada pelos autônomos admitidos para serviços ocasionais e eventuais, sem relação direta com o objeto social da contratante. Além disso, embora não esteja em discussão a natureza da relação jurídica mantida entre o trabalhador falecido e a empreiteira, o fato é que a independência na execução da tarefa a ele delegada tinha seu âmbito substancialmente reduzido e delimitado pelo próprio objeto do contrato – transporte de carga em locais específicos e em datas previamente determinadas pela contratante -, não sendo, portanto, possível comparar a sua realidade com a de um autônomo típico, que executa tarefas valendo-se de conhecimentos técnicos e especializados, sem que o tomador consiga ter a exata noção da dinâmica interna da prestação do serviço”, destacou, na sentença.

Nesse cenário, na conclusão do magistrado, a empreiteira tinha (ou pelo menos deveria ter) ciência dos riscos da atividade do trabalhador falecido. Por todos esses fatores, o juiz entendeu que, “mesmo se tratando de trabalhador autônomo, as peculiaridades da atividade para o qual o falecido foi contratado acabavam por aproximá-lo, na essência, de um empregado comum, de modo que as normas de segurança e medicina no trabalhado deveriam ter sido observadas em sua totalidade (artigo 7º, XXII da CRFB e artigo 157 da CLT), sem prejuízo de eventuais adaptações relacionadas à modalidade autônoma de prestação de serviços.”.

Omissão – Em seu exame, o julgador observou que a empreiteira não tomou as medidas necessárias à proteção da integridade física do trabalhador, medidas estas que poderiam ter evitado o acidente. Ele notou, inclusive, que o Ministério do Trabalho realizou inspeção no local da obra, em que se constatou que o trabalhador, durante o transporte e a descarga de material, basculou o caminhão e permaneceu na área de risco de descarga, quando o sistema de travas da caçamba falhou, fazendo com que terra caísse, soterrando-o. O fiscal registrou, ainda, que as correntes das travas continham emendas feitas com arame, em substituição ao elo original. Apesar desse auto de infração do MT ter sido posteriormente anulado pelo TRT-MG (processo de nº 0010018-51.2014.5.03.0044), para o magistrado, as conclusões do auditor fiscal, nessas questões, “estão em absoluta sintonia com o laudo técnico pericial encomendado pela própria empresa”.

E mais, ao examinar uma fotografia apresentada pelo perito, o próprio juiz pôde notar “o detalhe do elo da corrente, improvisado com arame”, que, nas palavras do perito, “se arrebentou, não destravando a tampa traseira, que não se abriu após a caçamba bascular’”. Na visão do julgador, tudo indica que foi justamente em decorrência da não abertura da tampa traseira, ocasionada pela falha na segurança, que o trabalhador se posicionou atrás da caçamba e forçou a abertura da tampa, ocasionando o acidente que tirou sua vida.

Normas de segurança descumpridas – Na sentença, o juiz lembrou que nos termos do item 18.14.20 da NR nº 18 do MTE, que trata das condições e meio ambiente de trabalho na indústria da construção, “os equipamentos de transportes de materiais devem possuir dispositivos que impeçam a descarga acidental do material transportado”. Além disso, ele pontuou que o item 18.1.3 da mesma norma é claro ao vedar “o ingresso ou a permanência de trabalhadores no canteiro de obras, sem que estejam assegurados pelas medidas previstas nesta NR e compatíveis com a fase da obra.”.

Para o julgador, ficou evidente que empreiteira foi omissa no cumprimento dessas normas, tendo em vista que permitiu o ingresso do trabalhador na obra com veículo sem condições ideais de uso, com grave falha na segurança. Diante disso, concluiu pela culpa da empreiteira no acidente que vitimou o profissional.

A culpa da incorporadora – Com relação à outra reclamada, ou seja, à incorporadora que empreitou os serviços executados pelo falecido à outra empresa, o juiz pôde verificar, através da prova testemunhal, que ela acompanhava as obras que eram executadas em seu empreendimento, fiscalizando as máquinas que entravam no canteiro de obras, dispondo, inclusive, de um técnico de segurança responsável por exigir o cumprimento das normas de segurança, com base na NR-18, o que também era feito em relação às empresas terceirizadas. Na visão do magistrado, “por ser a empresa uma incorporadora imobiliária, a qual, sabidamente, concebe, define e articula todos os detalhes do empreendimento imobiliário, era de se esperar que agisse para garantir as condições de segurança no canteiro de obras, sendo presumido que tivesse ‘know-how’ para fiscalizar a observância das normas do Ministério do Trabalho nas obras sob sua responsabilidade”. Nesse contexto, apesar de uma testemunha ter afirmado que “o problema na peça danificada que causou o acidente era muito difícil de ser detectado visualmente”, para o juiz: “a dificuldade na inspeção não a tornava impossível e, portanto, não isenta a incorporadora do seu dever de cuidado.” Por tudo isso, o julgador entendeu que a empresa dona da obra também teve culpa no acidente.

Culpa concorrente da vítima – Mas, o magistrado não teve dúvidas de que a culpa das empresas não foi exclusiva, ou seja, que o trabalhador também contribuiu para ocorrência do evento que lhe tirou a vida. É que, pela dinâmica do acidente, ele pôde observar que o pai dos reclamantes estava em área de risco quando tudo ocorreu, ou seja, ele estava atrás do caminhão, com a caçamba erguida, o que permitiu que, após a tentativa de forçar a abertura da tampa, a terra caísse violentamente sobre ele, resultando na sua morte.

“O trabalhador era motorista com 18 anos de experiência, conforme declarado por sua companheira, de modo que dele se esperava conduta mais cautelosa no manuseio do veículo, especialmente porque ao se colocar embaixo de caçamba cheia de terra, em posição quase vertical, deveria saber que a tampa poderia se soltar de forma acidental, levando ao acidente. Retornar a caçamba para a posição horizontal, antes de se posicionar na área de risco, conforme descrito no croqui ilustrativo apresentado ao processo, poderia ter impedido o infortúnio ou ao menos minorado as suas consequências”, frisou o magistrado, reconhecendo a culpa concorrente do trabalhador no acidente.

Indenização por dano moral – Sopesando os fatos e circunstâncias do caso, o juiz reconheceu que as empresas tiveram 75% de culpa no acidente e que o trabalhador falecido concorreu com os outros 25%. Considerando o grave impacto psicológico nos filhos do trabalhador, que se viram privados do suporte e da presença do pai, o juiz não teve dúvidas quanto ao direito deles de obter das empresas reparação por danos morais. Ele fixou o valor base das indenizações em R$150.000,00 para cada, que foi reduzido em 25%, em razão da culpa concorrente do trabalhador, resultando na quantia de R$112.500,00, a título de indenização por danos morais, a ser paga pelas empresas para cada um dos reclamantes.

Danos materiais – Com base o artigo 949 do Código Civil, as empresas também foram condenadas, de forma solidária, a pagar aos filhos do trabalhador indenização por danos materiais, consistente em “lucros cessantes” que, no caso, como destacado pelo magistrado, se traduz “na prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida da vítima”. Considerando o fato de que os filhos do trabalhador contavam com 12 e 7 anos na época do acidente, concluiu o julgador que eles têm direito a receber pensão mensal até a data em que completarem 25 anos, sendo R$ 416,67 para cada um, indenização essa que deve ser paga em parcela única, com redução de 30% do valor total apurado.

Fonte: TRT 3



Com informações do CSJT

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