Começou nesta quarta-feira (28) o “Seminário Luso-Brasileiro – Inteligência Artificial e Direito” promovido pelo Superior Tribunal Militar e Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento da Justiça Militar da União (Enajum), em Brasília, em cooperação com a Universidade do Minho, de Portugal.
Com transmissão ao vivo pelo Youtube, o evento foi aberto pelo vice-presidente do STM, ministro José Coêlho Ferreira, e pela coordenadora científica do seminário, a ministra do STM Maria Elizabeth Rocha. O diretor da Enajum, ministro Artur Vidigal, ministros do STM e professores de Portugal participaram da abertura oficial.
Em suas palavras de abertura, o ministro José Coêlho Ferreira disse que a inteligência artificial não é uma novidade e que a tecnologia deve, em todos os tempos, estar a serviço da sociedade. Mas que muitas questões têm sido levantadas, em especial pela regulamentação pelos Estados e as discussões sobre ética, liberdade, identidade e modos de atuação dessa nova tecnologia disruptiva.
Já a ministra Maria Elizabeth usou a palavra para dizer que nos tempos atuais, a opinião própria, antes uma virtude aplaudida, pois denotava cultura, personalidade e estudo, tornou-se um arremedo raso das informações que constam na web, em que as pessoas, sem nenhuma reflexão, adotam como arma de guerra.
“O mais preocupante é que estes ataques são construídos a partir de certezas infundadas, o que torna medíocre o debate e inviabiliza, em regra, a construção de medidas coerentes e eficazes para se alcançar a tolerância aos ideais alheios, a virtude suprema daquele que pensam”, afirmou a coordenadora científica.
Ainda segundo a ministra, todos devem estar preparados para atender às exigências da sociedade contemporânea, que é digital, interconectada, instantânea e sem fronteiras, com equilíbrio e sobriedade.
“Vislumbramos neste seminário a oportunidade de analisar como a inteligência artificial, uma tecnologia tão citada e ainda pouco conhecida, poderá impactar na luta pela garantia do exercício das liberdades públicas e das relevantes expressões da dignidade humana. Um admirável mundo novo que impacta os modos de ser e de viver que conhecíamos”.
IA contra criminosos
A primeira palestra foi do professor-doutor da Universidade do Minho, Mario Ferreira Monte, também coordenador científico do evento. Monte afirmou que é sempre bom estar no Brasil, em especial nessa tradição de realizar eventos entre o STM e a universidade portuguesa.
“É uma oportunidade de estudar temas como este de IA, assunto, sem dúvida, altamente desafiante. Estamos aqui para abrir novos horizontes e este tema coloca ao jurista muitos desafios e problemas até então insolúveis”.
O eixo de sua palestra foi o uso da inteligência artificial em sistemas criminais, principalmente como meio de prova. Para isso, disse que a verdade material no processo penal vigora como busca da verdade real dos fatos e citou que a prova biológica é essencial para dissipar dúvidas processuais. E com o avanço da inteligência artificial, as provas garantidas em material genético tem ganhado cada vez mais corpo.
“O código genético é tão eficiente na produção de provas que é possível definir diferenças genéticas até mesmo em gêmeos monozigotos. Mesmo em indivíduos em estado cadavérico é possível ter a prova biológica.”
Segundo o professor, é na condução de provas biológicas que a inteligência artificial tem um campo mais atuante e citou o caso de uma investigação da polícia norte-americana que, a partir de fragmentos de sangue humano, tornou possível aos investigadores, usando robôs de IA, fazer um retrato falado do suposto criminoso. E, a partir de sua prisão, com produção do snapshot, prender o acusado. Posteriormente, com outras provas e com a coleta adicional de material biológico, foi possível produzir a materialidade do delito penal.
“A técnica do snapshot a partir de material biológico só poder ser feito por uma IA e não pelo ser humano. Mas como fica o direito à privacidade dos dados genéticos?”, ponderou o palestrante, trazendo a questão para a discussão aos demais interventores do seminário.
Ainda pela manhã, o procurador do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro e especialista em tecnologia, professor Sauvei Lai, trouxe o tema “A cadeia de custódia de provas digitais” do Projeto de Lei 4.939/2020, em trâmite do Congresso Nacional.
“IA e prova digital não é assunto do futuro, é assunto do presente”, afirmou. Segundo ele, dados recentes de pesquisa, do primeiro semestre do ano passado, informam que: 90% dos domicílios do Brasil têm internet; que houve aumento de 67,5% crimes de ódio pelas redes; e que houve 17 tentativas de fraudes por hora no Brasil por meio virtual, com prejuízos de R$ 551 milhões aos brasileiros.
Como enfrentar os crimes cibernéticos com ferramentas tradicionais? A pergunta remete ao tamanho do desafio e das angústias de cidadãos e dos investigadores de todo o país. “Não temos ferramentas tecnológicas e nem ferramentas jurídicas, arcabouço jurídico. Bandidos usam criptografia assimétrica de ponta a ponta, métodos tradicionais estão falidos. O Brasil, infelizmente, é um paraíso para os crimes cibernéticos”.
Pode-se usar o “policeware”, um programa malicioso que a polícia usa em tempo real para monitoramento? As provas são válidas ao se invadir e monitorar os smartphones de criminosos? Como os Estados vêm tratando essas questões em equilíbrio como a dignidade da pessoa humana, em especial ao direito individual da privacidade? Quais os limites das provas digitais? São perguntas ainda sem respostas e que países como a França, Espanha, Lituânia e Alemanha, assim como a União Europeia têm enfrentado nos últimos meses.
As professoras-doutoras Anabela Gonçalves, da Universidade do Minho, Débora Veneral, da Uniter, e o professor-doutor e advogado Javier Ricon, foram os demais painelistas da manhã desta quarta-feira. Assista abaixo as íntegras das palestras.