A primeira instância da Justiça Militar da União, no Rio de Janeiro, condenou um primeiro-tenente do Exército a três anos e nove meses de reclusão por ter desviado quase mil cartuchos de fuzil, calibre 7,62mm, do 2º Batalhão de Infantaria Motorizado.
O Batalhão, também conhecido como Regimento Avaí, fica localizado na Vila Militar, na cidade do Rio. O oficial, que era temporário e não mais pertence aos quadros da Força, foi condenado pelo crime de peculato, previsto no artigo 303 do Código Penal Militar (CPM).
Segundo a denúncia do Ministério Público Militar (MPM), o tenente aproveitou as facilidades que detinha em razão das funções de instrutor de tiro e de oficial de dia que exercia e apropriou-se de 250 cartuchos, além de ter desviado outros 700 cartuchos do mesmo tipo de munição.
Denunciado à Justiça Militar, em juízo, o tenente declarou que era instrutor de tiro no dia dos fatos, 2 de agosto de 2013, e que tinha recebido de um dos sargentos do batalhão 2.270 cartuchos de munição 7,62 para realizar a instrução de tiro.
Disse também que, após a instrução, recebeu 1.255 cartuchos como sobra da instrução, guardou parte da munição, 250 cartuchos, em seu armário e outros 700 cartuchos, em outro armário dentro do alojamento. Um cunhete – recipiente de madeira – com 305 munições tinha sido devolvido ao sargento que controlava as munições.
O major subcomandante da Unidade Militar à época dos fatos afirmou que contou, na presença do acusado, na sala do comandante, as 900 munições que foram deixadas na frente do Quartel e que foi o próprio acusado que, junto a outro oficial, apanhou a sacola com munição na frente do quartel. Afirmou também que o acusado, momentos antes de apanhar a sacola disse que iria trazer a munição de volta, tendo realizado uma ligação telefônica quando descia as escadas e que deixou de lançar no livro de Oficial de Dia a sobra da munição, que é uma exigência de norma do Batalhão.
Quando ouvido como testemunha, um capitão disse que o acusado confirmou que realmente estava com algumas munições e que não poderia devolver no momento porque elas estavam fora do Batalhão. “Estava nervoso, andando muito e realizando várias ligações telefônicas.\”
No final, confirmou que estava com 250 munições em seu armário e 700 estavam “na rua”. O capitão também informou que presenciou o acusado ir até o portão do quartel, pegar, dentro de um carro preto, um saco de lixo preto, onde estava o material desviado.
Primeira instância
Durante o julgamento na 2ª Auditoria do Rio de Janeiro, a defesa do tenente requereu a absolvição dele, alegando que não existia prova de que o material bélico foi retirado do quartel.
Argumentou também que os equipamentos de filmagem não trouxeram elementos para consubstanciar a denúncia e que não existia norma no ordenamento jurídico que proibia o acondicionamento de sobra de munição nas dependências do quartel. A defesa disse que o militar vinha sofrendo perseguição no quartel. Ela pediu, em caso de condenação, a aplicação da pena mínima e o afastamento da agravante de ter cometido o crime em serviço.
Ao apreciar o caso, o Conselho Especial de Justiça, composto por um juiz-auditor e por quatro-oficiais do Exército, por unanimidade de votos, decidiram condenar o militar.
Na fundamentação da sentença, o juiz-auditor substituto Sidnei Carlos Moura escreveu que a materialidade do crime restou comprovada, tanto pelo termo de apreensão de 250 munições de calibre 7,62 mm, encontradas no armário do acusado, assim como pela declaração das testemunhas e gravação das câmeras de segurança que dão conta da recuperação, com auxílio do acusado, de 700 munições de calibre 7,62 mm, na frente do quartel, dentro de um saco preto. Os prejuízos aos cofres públicos foram da ordem de R$ 2.400.
Ainda de acordo com o magistrado, embora a qualidade das gravações das câmeras de segurança não seja a ideal, o confronto delas com o que foi declarado pelas testemunhas que depuseram em juízo e até pelo que foi dito pelo próprio acusado serviram para comprovar como se deu a mecânica dos fatos, criando uma imagem que remonta, com os detalhes necessários, o momento em que tudo ocorreu.
“É a análise dessa imagem que deve fundamentar a decisão. Pelo que se apurou nos autos e da imagem formada pelo quadro probatório, não resta dúvida de que o acusado desviou cerca de 700 cartuchos retirando-os da unidade militar, dando destino distinto daquele que era o devido”, disse.
Para o juiz-auditor, com sua atitude, o acusado lesionou diversos bens jurídicos, todos tutelados pela norma penal, como a confiança que detinha junto à Administração Militar, já que essa lhe havia atribuído a função de instrutor de tiro, com todas as responsabilidades a ela inerentes; a lealdade que se espera de um oficial das Forças Armadas; e o patrimônio público, com desfalque de quantia considerável.
“Assim, sendo o fato típico, comprovadas a materialidade e a autoria do crime e inexistentes as causas que justificassem ou exculpassem a conduta, impõe-se a condenação”, decidiu o juiz.
Na dosimetria da pena, o magistrado fixou a pena-base em 3 anos de reclusão, considerando-se o acréscimo de 1/6 em razão do perigo de dano do crime (já que se trata de apropriação de munição, o que denota a alta potencialidade lesiva da conduta, pois o objeto furtado poderia acabar nas mãos do crime organizado, com consequências graves extramuros, salientando-se que parte da munição chegou a ser retirada do quartel) e o decréscimo de 1/6 em razão do comportamento posterior do acusado (já que, com sua contribuição, todo o material foi reintegrado ao patrimônio da Administração Militar).
O Conselho Especial de Justiça do Exército, sem discrepância de votos, condenou o primeiro-tenente do Exército à pena de três anos e nove meses de reclusão fixando o regime inicialmente aberto para cumprimento da pena.
Da decisão ainda cabe recurso ao Superior Tribunal Militar, em Brasília.
Processo relacionado: APELAÇÃO Nº 159-48.2013.7.01.0201 – RJ