Lei 14.155/2021: promove alterações nos crimes de violação de dispositivo informático, furto e estelionato


A Lei nº 14.155/2021 promoveu alterações
nos crimes de violação de dispositivo informático, furto e estelionato. Vejamos
o que mudou.

 

I – VIOLAÇÃO DE DISPOSITIVO
INFORMÁTICO (ART. 154-A DO CP)

O art. 154-A do Código Penal quatro
o crime de invasão de dispositivo informático. O delito foi inserido no Código
Penal pela Lei nº 12.737, de 30 de novembro de 2012, chamada pela imprensa de
“Lei Carolina Dieckmann”, tendo em vista que a atriz havia sido vítima dessa
conduta poucos meses antes (em maio de 2012), quando ainda não havia uma figura
típica específica.

A Lei nº 14.155/2021 promoveu quatro
alterações no crime do art. 154-A:

1) modificou a redação do caput,
ampliando a incidência do tipo penal;

2) majorou a pena do crime na sua
forma básica (caput do art. 154-A);

3) majorou os limites da causa de
aumento de pena do § 2º;

4) majorou a pena da qualificadora
do § 3º.

CÓDIGO PENAL

ANTES da Lei 14.155/2021

DEPOIS da Lei 14.155/2021

Art.
154-A. Invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computadores, mediante violação indevida de
mecanismo de segurança
e com o fim de obter, adulterar ou destruir
dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou
instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita:

Art.
154-A. Invadir dispositivo informático de uso alheio, conectado ou não à rede de computadores, com o fim
de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa
ou tácita do usuário
do dispositivo ou de instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita:

 

Pena
– detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.

Pena
– reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

 

Bem
jurídico protegido

O bem jurídico protegido neste crime é
a privacidade, gênero do qual são espécies a intimidade e a vida privada. Desse
modo, esse novo tipo penal tutela valores protegidos constitucionalmente (art.
5º, X, da CF/88).

“O direito à privacidade, em sentido
mais estrito, conduz à pretensão do indivíduo de não ser foco da observação por
terceiros, de não ter os seus assuntos, informações pessoais e características
particulares expostas a terceiros ou ao público em geral.” (MENDES, Gilmar
Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 1ª ed.,
São Paulo: Saraiva, 2007, p. 370).

 

Sujeito
ativo

Pode ser qualquer pessoa (crime comum).

Obviamente que não será sujeito ativo
desse crime a pessoa que tenha autorização para acessar os dados constantes do
dispositivo.

 

Sujeito
passivo

A vítima pode ser qualquer pessoa, física
ou jurídica.

 

Alterações da Lei nº 14.155/2021

· Antes: o
tipo penal falava em invadir dispositivo informático alheio;

· Agora: o
crime é invadir dispositivo informático de uso alheio.

 

· Antes: o
tipo falava que era crime invadir sem autorização expressa ou tácita do TITULAR
do dispositivo.

· Agora: o
crime é invadir sem autorização expressa ou tácita do USUÁRIO do dispositivo.

 

A mudança teve por objetivo deixar claro
que o sujeito passivo do delito não precisa ser necessariamente o proprietário
do dispositivo, podendo a invasão ocorrer em um dispositivo que esteja sendo
utilizado por alguém – que não é seu dono – mas que teve a sua privacidade
violada.

Assim, na maioria dos casos, a vítima é
o proprietário do dispositivo informático.

No entanto, é possível identificar, em
algumas situações, como sujeito passivo, o indivíduo que, mesmo sem ser o dono
do computador, celular etc., é a pessoa que efetivamente utiliza o dispositivo
para armazenar seus dados ou informações que foram acessados indevidamente. É o
caso, por exemplo, de um computador utilizado por vários membros de uma casa ou
no trabalho, onde cada um tem perfil e senha próprios.

 

Análise
das elementares do tipo

Invadir:

Ingressar, sem autorização, em
determinado local. A invasão de que trata o artigo é “virtual”, ou seja, no
sistema ou na memória do dispositivo informático.

 

Dispositivo
informático
:

Em informática, dispositivo é o
equipamento físico (hardware) que
pode ser utilizado para rodar programas (softwares)
ou ainda para ser conectado a outros equipamentos, fornecendo uma
funcionalidade. Exemplos: computador, tablet, smartphone, memória externa (HD externo), entre outros.

 

De
uso alheio:

O dispositivo no qual o agente ingressa
deve ser de uso de terceiro.

 

Conectado
ou não à rede de computadores
:

Apesar do modo mais comum de invasão em
dispositivos ocorrer por meio da internet, a Lei admite a possibilidade de
ocorrer o crime mesmo que o dispositivo não esteja conectado à rede de
computadores. É o caso, por exemplo, do indivíduo que, na hora do almoço,
aproveita para acessar, sem autorização, o computador do colega de trabalho.

 

Mecanismo de segurança. Alteração da Lei nº 14.155/2021

· Antes: o
tipo penal exigia que a invasão no dispositivo informático alheio ocorresse “mediante
violação indevida de mecanismo de segurança”. Exemplos de mecanismos de
segurança: firewall (existente na
maioria dos sistemas operacionais), antivírus, anti-malware, antispyware,
senha para acesso.

· Agora: essa
exigência foi abolida.

 

Veja o seguinte exemplo prático para
entendermos a alteração:

Determinado indivíduo, na hora do
almoço, aproveita para acessar, sem autorização, o computador do colega de
trabalho, tendo acesso a dados privativos. Vale ressaltar que esse computador
não é protegido por senha ou qualquer outro mecanismo de segurança.

Pela literalidade da redação anterior, não
haveria crime, considerando que não houve violação de mecanismo de segurança. Pela
redação atual, será sim crime.

Outro exemplo: imagine que um funcionário
encontrou o pen drive (não protegido
por senha) de seu colega de trabalho e decidiu vasculhar os documentos e fotos
ali armazenados. Pela redação anterior, não haveria crime. Pela redação atual, o
delito restará configurado.

Houve, portanto, a correção de uma falha da Lei. Isso porque, mesmo sem a violação de
mecanismo de segurança, a privacidade estava sendo violada e, portanto, merecia
reprimenda penal.

 

Com
o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização
expressa ou tácita do titular do dispositivo.

Ex: cracker
que ingressa no computador de uma atriz para obter suas fotos lá armazenadas.

Atenção: se houver autorização expressa
ou tácita do usuário do dispositivo, não haverá crime. Ex: determinado banco
contrata uma empresa especializada em segurança digital para que faça testes e
tente invadir seus servidores.

 

Ou
com o fim de instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita
.

É o caso, por exemplo, do indivíduo que
invade o computador e instala programa espião que revela as senhas digitadas
pela pessoa ao acessar sites de bancos.

 

Pena. Alteração da Lei nº 14.155/2021

Houve um aumento da pena imposta:

· Antes: detenção,
de 3 meses a 1 ano.

· Agora: reclusão,
de 1 a 4 anos.

 

Com a mudança, o art. 154-A do CP deixa
de ser crime de menor potencial ofensivo, não estando mais sujeito à
competência do Juizado Especial Criminal (art. 61 da Lei nº 9.099/95).

Por outro lado, continua sendo cabível
suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei nº 9.099/95) e acordo de
não-persecução penal (art. 28-A do CPP).

 

Figura
equiparada

§ 1º Na mesma pena incorre quem
produz, oferece, distribui, vende ou difunde dispositivo ou programa de
computador com o intuito de permitir a prática da conduta definida no
caput. 

 

É o caso, por exemplo, do indivíduo que
desenvolve um programa do tipo “cavalo de troia” (trojan horse), ou seja, um malware
(software malicioso) que, depois
de instalado no computador, libera uma porta para que seja possível a invasão
da máquina.

 

Se
a invasão gerou prejuízo econômico (causa de aumento)

Alteração da Lei nº 14.155/2021

· Antes: aumentava
a pena de 1/6 a 1/3.

· Agora:
aumenta a pena de 1/3 a 2/3.

CÓDIGO PENAL

ANTES da Lei
14.155/2021

DEPOIS da Lei
14.155/2021

§ 2º Aumenta-se a pena de um
sexto a um terço se da invasão resulta prejuízo econômico.

§ 2º Aumenta-se a pena de 1/3
(um terço) a 2/3 (dois terços) se da invasão resulta prejuízo econômico.

 

Invasão
qualificada pelo resultado (qualificadora)

O § 3º do art. 154-A prevê uma
qualificadora nos seguintes termos:

§ 3º Se da invasão resultar a obtenção
de conteúdo de comunicações eletrônicas privadas, segredos comerciais ou
industriais, informações sigilosas, assim definidas em lei, ou o controle
remoto não autorizado do dispositivo invadido:

(…)

 

Assim, haverá a qualificadora
prevista neste § 3º se, com a invasão, o agente conseguir obter o conteúdo de:

a) Comunicações eletrônicas
privadas (e-mails, SMS, diálogos em programas de troca de mensagens etc);

b) Segredos comerciais ou
industriais;

c) Informações sigilosas (o
sigilo que qualifica o crime é aquele assim definido em lei).

 

Incidirá também a qualificadora
no caso do invasor conseguir obter o controle remoto do dispositivo invadido.

 

Alteração da Lei nº 14.155/2021

·
Antes: a pena para essa qualificadora era de 6 meses a 2 anos.

·
Agora: a pena passou a ser de 2 a 5 anos.

CÓDIGO PENAL

ANTES da Lei
14.155/2021

DEPOIS da Lei
14.155/2021

Art. 154 (…)

§ 3º (…)

Pena – reclusão, de 6 (seis)
meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais grave.

Art. 154 (…)

§ 3º (…)

Pena – reclusão, de 2 (dois) a
5 (cinco) anos, e multa.

 

II – ALTERAÇÕES NO CRIME DE
FURTO

A Lei nº 14.155/2021 também
promoveu duas alterações no art. 155, que trata sobre furto:

·
inseriu o § 4º-B, prevendo a qualificadora de furto mediante fraude cometido por
meio de dispositivo eletrônico ou informático;

·
acrescentou o § 4º-C, com duas causas de aumento de pena relacionadas com o §
4º-B.

Vamos entender essas mudanças. Inicio
a explicação com uma pergunta:

 

Se
o agente invade o computador da vítima, lá instala um
malware
(programa malicioso), descobre sua senha
e subtrai valores de sua conta bancária, comete qual delito?

· Antes da Lei nº 14.155/2021: essa conduta se amoldava ao
crime de furto mediante fraude (art. 155, § 4º, II, do CP). Confira a redação:

Art. 155 (…)

§ 4º – A pena é de reclusão de dois a
oito anos, e multa, se o crime é cometido:

(…)

II – com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou
destreza;

 

·
Depois da Lei nº 14.155/2021: passou a existir um tipo
penal específico para tratar sobre essa hipótese. Trata-se do art. 155, § 4º-B,
do CP:

 

Furto mediante fraude cometido
por meio de dispositivo eletrônico ou informático

Art. 155. (…)

§ 4º-B. A pena é de reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e
multa, se o furto mediante fraude é cometido por meio de dispositivo eletrônico
ou informático, conectado ou não à rede de computadores, com ou sem a violação
de mecanismo de segurança ou a utilização de programa malicioso, ou por
qualquer outro meio fraudulento análogo.

 

Causa de aumento de pena

Art. 155 (…)

§ 4º-C. A pena prevista no § 4º-B deste artigo, considerada a
relevância do resultado gravoso:

I – aumenta-se de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), se o crime é
praticado mediante a utilização de servidor mantido fora do território
nacional;

II – aumenta-se de 1/3 (um terço) ao dobro, se o crime é praticado
contra idoso ou vulnerável.

 

Inciso I

A pena é aumentada em razão do
fato representar, de algum modo, uma ameaça à soberania nacional. Além disso,
essa circunstância acarreta uma maior dificuldade na identificação e eventual
responsabilização penal dos envolvidos, justificando uma maior reprimenda.

 

Inciso II

·
Idoso: o conceito de idoso no Brasil é dado pelo art. 1º da Lei nº 10.741/2003.
Assim, idoso é a pessoa com idade igual ou superior a 60 anos.

·
Vulnerável: como não foi dado um conceito específico, deve-se utilizar a
definição do art. 217-A, caput e § 1º, do CP. Desse modo, podem ser
considerados vulneráveis:

a) a pessoa menor de 14 anos;

b) a pessoa que, em razão de enfermidade
ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática de determinados
atos.

 

Critério para definir qual
fração será aplicada

O juiz, no momento da dosimetria,
deverá definir qual é a fração de aumento que será imposta (1/3, 1/2, 2/3
etc.). Essa escolha deverá ser fundamentada e levará em consideração a “relevância
do resultado gravoso”. Assim, por exemplo, se o idoso teve um prejuízo
patrimonial muito elevado, o magistrado poderá utilizar essa circunstância para
impor um aumento no patamar de 2/3.

 

Elemento subjetivo

Para que o autor responda pelas
causas de aumento de pena é indispensável que exista dolo (consciência e
vontade), ou seja, é necessário que o agente saiba que, no caso concreto, está
sendo utilizado um servidor mantido no exterior ou que a vítima seja idosa ou
vulnerável.

Rogério Sanches foi quem alertou
para essa exigência:

“Note-se, por fim, que a
majoração da pena pressupõe a ciência das circunstâncias referidas no § 4º-C. O
autor da subtração deve ter conhecimento de que sua conduta se vale de conexão
internacional. Ou deve saber que a vítima é idosa ou vulnerável, o que nem
sempre ocorrerá, em razão das circunstâncias dos crimes cibernéticos, nos quais
muitas vezes o criminoso não tem nenhum contato – nem mesmo remoto – com sua
vítima.” (CUNHA, Rogério Sanches. Lei 14.155/21 e os crimes de fraude
digital: primeiras impressões e reflexos no CP e no CPP
. Disponível em https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2021/05/28/lei-14-15521-e-os-crimes-de-fraude-digital-primeiras-impressoes-e-reflexos-no-cp-e-no-cpp/)

 

III – ALTERAÇÕES NO CRIME DE ESTELIONATO

A Lei nº 14.155/2021 realizou
três alterações no art. 171, que trata sobre estelionato:

·
inseriu o § 2º-A, prevendo a qualificadora do estelionato mediante fraude
eletrônica;

·
acrescentou o § 2º-B, com uma causa de aumento de pena relacionada com o § 2º-A;

·
modificou a redação da causa de aumento de pena do § 4º.

Veja a nova qualificadora:

 

Fraude eletrônica

Art. 171 (…)

§ 2º-A. A pena é de reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e
multa, se a fraude é cometida com a utilização de informações fornecidas pela
vítima ou por terceiro induzido a erro por meio de redes sociais, contatos
telefônicos ou envio de correio eletrônico fraudulento, ou por qualquer outro
meio fraudulento análogo.

 

Em que consiste o crime:

O agente obtém vantagem ilícita por
meio de informações da vítima que ele obteve da própria vítima ou de um
terceiro que foram induzidos em erro.

O grande diferencial aqui é que a
atuação do agente foi por meio eletrônico, ou seja, a vítima ou o terceiro foram
induzidos a erro por meio de:

·
redes sociais (ex: Facebook, Instagram);

·
contatos telefônicos (ex: simulando que se trata de ligação da operadora de
cartão de crédito);

·
envio de correio eletrônico fraudulento (ex: e-mail que imita correspondência
da loja, banco etc.);

·
ou qualquer outro meio fraudulento análogo.

 

Cuidado para não confundir:

Furto mediante
fraude por dispositivo
eletrônico ou informático (art. 155, § 4º-B)

Estelionato mediante fraude
eletrônica

(art. 171, § 2º-A)

O agente subtrai coisa alheia
móvel por meio de dispositivo eletrônico ou informático, conectado ou não à
rede de computadores, com ou sem a violação de mecanismo de segurança ou a
utilização de programa malicioso, ou por qualquer outro meio fraudulento
análogo.

O agente obtém vantagem ilícita
com a utilização de informações fornecidas pela vítima ou por terceiro
induzido a erro por meio de redes sociais, contatos telefônicos ou e-mail
fraudulento, ou por qualquer outro meio fraudulento análogo.

Pena: 4 a 8 anos.

Pena: 4 a 8 anos.

Exemplo de Rogério Sanches:

“Aproveitando a vulnerabilidade
de pessoas que utilizam uma rede pública de internet, um hacker intercepta a
conexão e obtém dados de acesso a contas bancárias. Com esses dados à
disposição, acessa as contas e transfere quantias em dinheiro para outra
conta da qual efetua saques. É um caso típico de furto mediante fraude, no
qual a manobra ardilosa (interceptar os dados transmitidos entre o usuário e
o ponto de conexão) é utilizada para que as vítimas sejam despojadas de seus
bens sem que nada percebam.” (CUNHA, Rogério Sanches. Lei 14.155/21 e os
crimes de fraude digital: primeiras impressões e reflexos no CP e no CPP.
Disponível em https://meusitejuridico. editorajuspodivm.com.br/2021/05/28/lei-14-15521-e-os-crimes-de-fraude-digital-primeiras-impressoes-e-reflexos-no-cp-e-no-cpp/)

Exemplo de Rogério Sanches:

“Pretendendo adquirir um
televisor, um indivíduo faz uma pesquisa na internet e encontra a página de
uma conhecida rede varejista na qual o produto está sendo anunciado por um
preço muito abaixo das concorrentes. Insere seus dados pessoais e bancários
sem saber que, na verdade, se trata de uma página clonada, que apenas copia
os caracteres da famosa rede varejista, para induzir as pessoas em erro. Efetuado
o pagamento, o dinheiro é creditado ao autor da fraude, que evidentemente não
pretende entregar o produto anunciado. Nesse exemplo, ao contrário do
anterior, a vítima tem participação direta, pois, induzida por um anúncio
enganoso, fornece os dados para que o autor da fraude possa obter a vantagem.
Trata-se, portanto, de estelionato.”

 

Causa de aumento de pena

Art. 171 (…)

§ 2º-B. A pena prevista no § 2º-A deste artigo, considerada a
relevância do resultado gravoso, aumenta-se de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois
terços), se o crime é praticado mediante a utilização de servidor mantido fora
do território nacional.

 

Mudança na causa de aumento de
pena do § 4º do art. 171

CÓDIGO PENAL

ANTES da Lei
14.155/2021

DEPOIS da Lei
14.155/2021

Estelionato contra idoso

§ 4º Aplica-se a pena em dobro
se o crime for cometido contra idoso.

Estelionato contra idoso ou
vulnerável

§ 4º A pena aumenta-se de 1/3
(um terço) ao dobro, se o crime é cometido contra idoso ou vulnerável,
considerada a relevância do resultado gravoso.

 

Percebam que, neste caso, houve
uma novatio legis in mellius porque, antes, a pena deveria ser sempre dobrada.
Agora, ela pode ser aumentada de 1/3 até o dobro.

 

IV – COMPETÊNCIA PARA JULGAR
ESTELIONATO NO CASO EM QUE O PREJUÍZO OCORREU EM LOCAL DIFERENTE DA OBTENÇÃO DA
VANTAGEM

O estelionato, previsto no art.
171, do CP, é um crime por meio do qual o agente, utilizando um meio fraudulento,
engana a vítima, fazendo com que ela entregue espontaneamente uma vantagem,
causando prejuízo à vítima.

Algumas vezes pode acontecer de a
vantagem ilícita ocorrer em um local e o prejuízo em outro. Tais situações
poderão gerar algumas dúvidas relacionadas com a competência territorial para processar
e julgar esse crime.

A Lei nº 14.155/2021 inseriu o §
4º ao art. 70 do CPP tratando sobre o tema.

A alteração é muito bem-vinda
porque anteriormente havia uma imensa insegurança jurídica diante da existência
de regras distintas para situações muito parecidas, além da uma intensa
oscilação jurisprudencial.

Veja o § 4º do art. 70 que foi
inserido no CPP pela Lei nº 14.155/2021:

Art. 70. (…)

§ 4º Nos crimes previstos no art. 171 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7
de dezembro de 1940 (Código Penal), quando praticados mediante depósito,
mediante emissão de cheques sem suficiente provisão de fundos em poder do
sacado ou com o pagamento frustrado ou mediante transferência de valores, a
competência será definida pelo local do domicílio da vítima, e, em caso de pluralidade
de vítimas, a competência firmar-se-á pela prevenção.

 

Vamos analisar três casos
envolvendo estelionato para identificarmos as mudanças operadas pela novidade legislativa.

 

1) Estelionato praticado por
meio de cheque falso (art. 171, caput, do CP)

Imagine a seguinte situação
hipotética:

João, domiciliado no Rio de Janeiro
(RJ), achou um cheque em branco. Ele foi, então, até Juiz de Fora (MG) e lá
comprou inúmeras roupas de marca em uma loja da cidade. As mercadorias foram
pagas com o cheque que ele encontrou, tendo João falsificado a assinatura.

Trata-se do crime de estelionato,
na figura do caput do art. 171 do CP.

 

De quem será a competência territorial
para julgar o delito?

Do juízo da comarca de Juiz de
Fora (MG), local da obtenção da vantagem indevida.

Existe até uma súmula tratando
sobre o tema:

Súmula 48-STJ: Compete ao juízo do local da obtenção da vantagem ilícita
processar e julgar crime de estelionato cometido mediante falsificação de
cheque.

 

Aplica-se aqui o § 4º do art.
70 do CPP?

NÃO. Se você ler o § 4º verá que
ele não trata da hipótese de estelionato praticado por meio de cheque falso. Logo,
esse dispositivo não incide no presente caso.

A regra a ser aplicada, portanto,
é a do caput do art. 70:

Art. 70. A competência será, de regra,
determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que
for praticado o último ato de execução.

 

O estelionato se consumou no
momento em que João comprou as mercadorias da loja, pagando com o cheque
falsificado. Nesse instante houve a obtenção da vantagem ilícita e o dano
patrimonial à loja.

Logo, nesta primeira hipótese,
nenhuma mudança operada pela Lei nº 14.155/2021. Vale ressaltar que a Súmula 48
do STJ manteve-se válida com a novidade legislativa.

 

2) Estelionato praticado por
meio de cheque sem fundo (art. 171, § 2º, VI)

Imagine a seguinte situação hipotética:

Pedro, domiciliado no Rio de Janeiro
(RJ), foi passar o fim de semana em Juiz de Fora (MG).

Aproveitando que estava ali, ele foi
até uma loja da cidade e comprou inúmeras roupas de marca, que totalizaram R$ 4
mil. As mercadorias foram pagas com um cheque de titularidade de Pedro.

Vale ressaltar, no entanto, que Pedro
sabia que em sua bancária havia apenas R$ 200,00, ou seja, que não havia fundos
suficientes disponíveis. Ele agiu assim porque supôs que não teriam como responsabilizá-lo
já que não morava ali.

 

Qual foi o crime cometido por
Pedro?

Estelionato,
no entanto, na figura equiparada do art. 171, § 2º, VI, do CP:

Art. 171. Obter, para si ou para
outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em
erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:

Pena – reclusão, de um a cinco anos, e
multa, de quinhentos mil réis a dez contos de réis.

(…)

Fraude no pagamento por meio de cheque

VI – emite cheque, sem suficiente provisão
de fundos em poder do sacado, ou lhe frustra o pagamento.

 

O cheque emitido por Pedro
estava vinculado a uma agência bancária que se situa no Rio de Janeiro (RJ). Tendo
isso em consideração, indaga-se: de quem será a competência territorial para
julgar o delito?

Aqui houve uma grande alteração promovida pela Lei nº
14.155/2021:

·
Antes da Lei: a competência para julgar seria do juízo do Rio de Janeiro
(RJ), local onde se situa a agência bancária que recusou o pagamento. Na
teoria, o “dinheiro” que iria pagar a loja sairia da agência bancária na qual Pedro
tinha conta, ou seja, no Rio de Janeiro. Quando a loja foi tentar sacar o cheque,
lá em Juiz de Fora (MG), na teoria, a agência bancária localizada no RJ recusou
o pagamento porque informou que ali não havia saldo suficiente. Nessas
situações, a jurisprudência afirmava que a competência territorial era do local
onde se situava a agência que recusou o pagamento:

Súmula 244-STJ: Compete ao foro do
local da RECUSA processar e julgar o crime de estelionato mediante cheque sem
provisão de FUNDOS.

 

Súmula 521-STF: O foro competente para
o processo e julgamento dos crimes de estelionato, sob a modalidade da emissão
dolosa de cheque sem provisão de FUNDOS, é o do local onde se deu a RECUSA do
pagamento pelo sacado.

 

· Depois da Lei: a competência
passou a ser do local do domicílio da vítima, ou seja, do juízo de Juiz de Fora
(MG). É o que prevê o novo § 4º do art. 70:

Art. 70. (…)

§ 4º Nos crimes previstos no art. 171
do (…) Código Penal, quando praticados (…) mediante emissão de cheques sem
suficiente provisão de fundos em poder do sacado (…) a competência será
definida pelo local do domicílio da vítima (…)

 

Isso significa que a Súmula 244 do STJ e a Súmula 521 do STF estão superadas.

 

O que é o cheque com pagamento
frustrado mencionado no § 4º do art. 70 do CPP?

Ocorre quando o agente que emitiu
o cheque tinha fundos disponíveis, no entanto, depois de emitir o cheque, ele saca
o dinheiro que tinha no banco ou, então, simplesmente emite uma contraordem à
instituição financeira afirmando que não é para ela pagar aquele cheque.

Em nosso exemplo, imagine que,
depois de emitir a cártula em favor da loja, Pedro entra em contato com a
instituição financeira e susta o cheque.

No que tange à competência, a
regra é a mesma do cheque sem fundos.

 

3) Estelionato mediante depósito
ou transferência de valores

Imagine a seguinte situação
hipotética:

Carlos, morador de Goiânia (GO),
viu um anúncio na internet que oferecia empréstimo “rápido e fácil”. Ele entrou
em contato com a pessoa, que se identificou como Henrique.

Carlos combinou de receber um
empréstimo de R$ 70 mil, no entanto, para isso, ele precisaria depositar uma
parcela de R$ 1 mil a título de “custas” para a conta bancária de Henrique,
vinculada a uma agência bancária localizada em São Paulo (SP).

Carlos efetuou o depósito e,
então, percebeu que se tratava de uma fraude porque nunca recebeu o dinheiro do
suposto empréstimo.

 

Quem será competente para
processar e julgar este crime de estelionato: o juízo da comarca de Goiânia
(onde foi feito o depósito) ou o juízo da comarca de São Paulo (local onde o
dinheiro foi recebido)?

Aqui houve outra grande alteração promovida pela Lei nº
14.155/2021:

·
Antes da Lei: o juízo competente seria, neste exemplo, o da comarca de
São Paulo. Nesse sentido:

No caso em que a vítima, induzida em
erro, efetuou depósito em dinheiro e/ou transferência bancária para a conta de
terceiro (estelionatário), a obtenção da vantagem ilícita ocorreu quando o
estelionatário se apossou do dinheiro, ou seja, no momento em a quantia foi depositada em sua conta.

STJ. 3ª Seção. CC 167.025/RS, Rel.
Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 14/08/2019.

STJ. 3ª Seção. CC 169.053/DF, Rel.
Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 11/12/2019.

 

O fundamento era o caput
do art. 70 do CPP:

Art. 70. A competência será, de regra,
determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que
for praticado o último ato de execução.

 

Segundo decidiu o STJ, o estelionato
consuma-se no momento e no local em que é auferida a vantagem ilícita. O
prejuízo alheio, apesar de fazer parte do tipo penal, está relacionado à
consequência do crime de estelionato e não à conduta propriamente.

O núcleo do tipo penal é obter
vantagem ilícita, razão pela qual a consumação se dá no momento em que os
valores entram na esfera de disponibilidade do autor do crime, o que somente
ocorre quando o dinheiro ingressa efetivamente em sua conta corrente.

 

Resumindo

Estelionato que ocorre quando a
vítima, induzida em erro, se dispõe a fazer depósitos ou transferências
bancárias para a conta de terceiro (estelionatário): a competência era do local onde o
estelionatário possuía a conta bancária.

 

· Depois da Lei: a competência
passou a ser do local do domicílio da vítima, ou seja, em nosso exemplo, do
juízo de Goiânia (GO). É o que prevê o novo § 4º do art. 70:

Art. 70. (…)

§ 4º Nos crimes previstos no art. 171
do (…) Código Penal, quando praticados mediante depósito (…) ou mediante
transferência de valores, a competência será definida pelo local do domicílio
da vítima (…)

 

E se houver mais de uma vítima,
com domicílios em locais diferentes?

Utilizando novamente o terceiro
exemplo acima mencionado. Suponhamos que Henrique aplicou o mesmo “golpe” do
empréstimo não apenas em Carlos, mas também em Luísa (domiciliada em Curitiba/PR),
em Ricardo (Rio Branco/AC), em Vitor (Fortaleza/CE) e em outras inúmeras
vítimas.

De quem será a competência para
julgar todas essas condutas?

A competência
será definida por prevenção, ou seja, será competente para julgar todos as
condutas o juízo do domicílio da vítima que tiver praticado o primeiro ato do
processo ou medida relativa a este, nos termos do art. 83 do CPP:

Art. 83. Verificar-se-á a competência
por prevenção toda vez que, concorrendo dois ou mais juízes igualmente
competentes ou com jurisdição cumulativa, um deles tiver antecedido aos outros
na prática de algum ato do processo ou de medida a este relativa, ainda que
anterior ao oferecimento da denúncia ou da queixa (arts. 70, § 3º, 71, 72, § 2º,
e 78, II, c).

 

É o que preconiza a parte final do
§ 4º do art. 70:

Art. 70. (…)

§ 4º Nos crimes previstos no art. 171
do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), quando
praticados mediante depósito, mediante emissão de cheques sem suficiente
provisão de fundos em poder do sacado ou com o pagamento frustrado ou mediante
transferência de valores, a competência será definida pelo local do domicílio da vítima, e, em caso
de pluralidade de vítimas, a competência firmar-se-á pela prevenção
.

 

Esse novo § 4º do art. 70 do
CPP aplica-se aos processos penais que estavam em curso quando entrou em vigor
a Lei nº 14.155/2021? O juízo que estava processando o crime deverá remeter o
feito para o juízo do domicílio da vítima?

NÃO. Vigora aqui o princípio da
“perpetuatio jurisdictionis” (perpetuação da jurisdição), previsto no art. 43
do CPC/2015 e que pode ser aplicado ao processo penal por força do art. 3º do
CPP.

Segundo esse princípio, uma vez
iniciado o processo penal perante determinado juízo, nele deve prosseguir até
seu julgamento. Assim, depois que o processo se iniciou perante um juízo, as
modificações que ocorrerem serão consideradas, em regra, irrelevantes para fins
de competência.

 

Exceções ao princípio da perpetuatio
jurisdictionis
:

Existem duas mudanças que irão
influenciar na competência, ou seja, duas situações em que o juízo que começou
a ação penal deixará de ser competente para continuar o processo por força de
fatos supervenientes. Veja:

a) Supressão do órgão
judiciário
: a lei (ou a CF) extingue o órgão judiciário (juízo) que era
competente para aquele processo.

Ex: a EC 45/2004 extinguiu os
Tribunais de Alçada e todos os recursos ali existentes foram redistribuídos.

 

b) Alteração da competência
absoluta
: pode acontecer de determinadas modificações do estado de fato ou
de direito alterarem as regras de competência absoluta para julgar aquele
crime.

Ex1: imaginemos que viesse uma EC
retirando da Justiça Federal a competência para julgar delitos contra servidores
públicos federais no exercício de suas funções;

Ex2: o crime doloso contra a vida
praticado por militar contra civil, ainda que cometido em serviço, deixou de
ser considerado crime militar e passou a ser crime comum por força da Lei nº 9.299/96,
que alterou o art. 9º, parágrafo único, do CPM (atual § 1º, por força da Lei nº
13.491/2017).

A regra e as
exceções estão previstas no art. 43 do CPC/2015 que, como vimos, aplica-se ao
processo penal em virtude do art. 3º do CPP:

Art. 43. Determina-se a competência no
momento do registro ou da distribuição da petição inicial, sendo irrelevantes
as modificações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente, salvo
quando suprimirem órgão judiciário ou alterarem a competência absoluta.

 

Vigência

A Lei nº 14.155/2021 entrou em
vigor na data da sua publicação (28/05/2021).

 

Autor: Márcio André Lopes Cavalcante

Artigo Original em Dizer o Direito

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